Mistérios da Natureza


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Caminhando às margens do Danúbio, observei que várias árvores tinham tido a base de seus caules metodicamente descascados em todo seu contorno.

Lembrei-me, então, das aulas de biologia de outrora, especialmente daquela aula ao ar livre em que o professor explicara o milagre da fotossíntese e de como a casca das árvores são um órgão extremamente importante, sem o qual uma árvore se tornaria uma ex-árvore, uma vez que o córtex e a floema– ou “cascas primária e secundária”- seriam, respectivamente, responsáveis pela proteção do caule e transporte de alimentos de sua raiz às folhas e flores.

Resumindo: pensei na aula de biologia – nem sei se estou certa acerca das “cascas” – , pensei também na importância da mata ciliar – árvores e arbustos que crescem às margens de rios e evitam a erosão do solo – e, enfim, perguntei-me “para quê desmatar mais ainda as margens do Danúbio?”, e “porquê fazê-lo em doses homeopáticas, cortando a casca das árvores para deixá-las perecer lentamente”. Até parece tortura chinesa, uma vingança maligna e covarde contra a natureza. Por quê?

Admito que fiquei inculcada com o misterioso caso das árvores descascadas. Até que, num belo e ensolarado dia de verão, desvendei o mistério.

Lá estava eu a caminhar às margens do rio – onde moro é impossível não caminhar às margens do rio, pois ele segue a rua principal, ou melhor, a rua principal fica ao lado do rio – quando um vulto escuro se moveu entre os arbustos e rapidamente se jogou n’água na tentativa de fugir ao meu olhar. Felizmente tive tempo suficiente para capturar a imagem do criminoso, um ser que nunca tinha visto ao vivo e a cores, e o qual nunca me ocorreria culpar pelo assassinato das árvores, pois para mim, sua existência se limitava a universos distantes como desenhos animados, terras insólitas, países estrangeiros – sim, às vezes me esqueço que estou no “estrangeiro” – e quando desconhecemos certos “fenômenos” naturais, tendemos a procurar respostas naquilo que mais possivelmente compreendemos. Pensei que o culpado fosse humano, pois até então os castores não faziam parte da minha “fauna consciente”.

Ah, os castores! Desde que o vi pela primeira vez, quando fez “splash” n’água com seu rabão achatado, não o vi mais. Mas tenho testemunhado atentamente a destruição que o bicho deixa pelo caminho. Muito mais que roer a casca das árvores, eles coroem o tronco inteiro até que árvore caia – meninos, eu vi, eu vi! Eles se alimentam de folhas, arbustos e, claro, da casca das árvores, e usam o que resta para construir suas tocas, os famosos diques ou represas que costumam bloquear riachos e rios.

O fato de o criminoso ser um animal típico da fauna alemã não serviu para me acalentar. O tal roedor semi-aquático já causou tanto dano por aqui que, se estiver acompanhado – e creio que está, pois os castores costumam viver em grupo -, logo poderá causar um pequeno desastre ecológico por essas bandas. Para cada árvore que cai, não vejo outra sendo replantada… e isso estava me deixando indignada, até que matutei mais um pouco e concluí que a culpa não é dos castores. Claro que não! Para variar, a culpa é nossa novamente. Se não tivéssemos desmatado à exaustão as terras ao redor dos rios – para construir ruas bucólicas, cidades ou simplesmente para usá-las como terreno de plantio – se já não tivéssemos devastado tudo e deixado apenas uma mata ciliar mirrada, as “perdas” causadas pelos castores passariam despercebidas, pois creio que no seu hábitat natural não faltavam árvores suculentas para saciar sua fome e seu instinto construtor.

O lado positivo disso tudo, porém, não pode passar despercebido: pelo menos ainda há uma mata ciliar para mostrar que por aqui a lei que a protege ainda é respeitada. Pelo menos ainda há uma mata ciliar que serve de fonte de alimento e matéria prima para os castores, esses pequenos-grandes roedores que têm todo o direito de viver às margens do rio, usufruir das delícias da natureza e se perpetuar indefinidamente para que muitos outros “estrangeiros” como eu tenham a sorte de conhecê-los pessoalmente e adicioná-los também à sua “fauna consciente”.

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Ariadne Rengstl