Fisiologia Arquitetônica

    Habituados à quantidade de banheiros no Brasil, acabamos dando pouca importância a eles. A única exigência é que seja limpo. Mas ninguém se preocupa em quem irá mantê-lo perfumado e em condições de agradar ao próximo usuário. Na Itália essa é uma regra que, se transgredida, pode arruinar amizades.

    O banheiro, todos sabem, foi o último cômodo a ser inserido nas moradias. Como o Brasil é um país relativamente jovem, temos o hábito de absorver mais rapidamente as novidades. Não é raro encontrar casas brasileiras com mais banheiros do que o número de moradores. O lavabo, banheiro reservado às visitas, costuma parecer um cômodo à parte, cujo único objetivo parece ser o de fazer o hóspede se sentir em um ambiente asséptico ideal às suas necessidades. Toalhinhas bordadas pequenas demais e um vaso de violetas completam o lavabo típico. Além da recomendação aos outros moradores de não utilizarem o “banheiro de visitas”.

    Ao chegar na Itália, duas coisas chamam a atenção sobre o aspecto da higiene íntima. A primeira é que o número de banheiros por residência é muito inferior aos nossos costumes. A segunda diz respeito a um hábito que ainda não foi completamente absorvido pelos brasileiros: o uso efetivo daquela escovinha que todo banheiro italiano possui.

    Como a quantidade de banheiros nas residências italianas é realmente reduzida – normalmente um único banheiro, mesmo em casa com três quartos – existe uma regra implícita de cada um usar o próprio banheiro. Jantares que duram horas e ninguém usa o banheiro do anfitrião. Seria como invadir parte da privacidade da família, com toalhas molhadas emboladas, frascos semi-vazios de shampoo e escovas de dentes expostas à observação e curiosidade alheia. Nas raríssimas ecxeções em que uma visita pede para utilizar o banheiro, deve-se deixá-lo completamente limpo, sem resíduos da passagem de um estranho pelo local. A regra, nesses casos, recomenda a habitual descarga, o uso da tal escovinha para eliminar qualquer resíduo do vaso sanitário, lavar as mãos, enxugá-las com a menor toalha visível, usar um pedaço de papel higiênico para enxugar a pia e o próprio vaso sanitário e uma segunda descarga para eliminar o papel usado para enxugar tudo. A esse ponto pode-se fechar a janela (você a abriu antes, não?) e sair discretamente do banheiro.

    Todos fingirão ignorar a descortesia e o jantar se prolongará pelo tempo normal, quando a abrição de bocas decretará o fim do encontro. Provavelmente o anfitrião evitará oferecer a mão para se despedir, trocando por um abraço afetuoso seguido de elogios pela companhia e prometendo um novo encontro. Que não acontecerá nunca, caso ele não reencontre o banheiro lustrando e perfumado, na inspeção que se seguirá dois minutos depois que você tiver saído.

    Talvez seja por isso que as discotecas e os restaurantes italianos estão sempre cheios. As pessoas preferem se encontrar , onde a maioria dos banheiros é limpa e ninguém passará constrangimento caso encontre algum que não seja bem cuidado. Na dúvida, vá ao banheiro antes de sair de casa.

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Allan Robert P. J.