Grease, musical, Balzac

Grease faz trinta anos. Equivaleria a um homem adulto, responsável, uns dois filhos, esposa dedicada, emprego estável. Poderia equivaler, numa outra possibilidade, ao homem que se diverte, embebeda-se em fins-de-semana, cambia fêmeas com os amigos, tem carrão e não pensa em futuro. Ambas as hipóteses – tão aparentemente distintas entre si – têm um ponto […]

Grease faz trinta anos. Equivaleria a um homem adulto, responsável, uns dois filhos, esposa dedicada, emprego estável. Poderia equivaler, numa outra possibilidade, ao homem que se diverte, embebeda-se em fins-de-semana, cambia fêmeas com os amigos, tem carrão e não pensa em futuro. Ambas as hipóteses – tão aparentemente distintas entre si – têm um ponto comum: Grease tem trinta anos. Mas o que chama a atenção é que Grease não envelheceu – e não tome isso como elogio. Continua sendo um filme para adolescentes, e para adolescentes sem muitas exigências.

Tornou-se cult talvez até porque seja um filme irregularíssimo, sem uma história definida, com apenas uma boa atriz – Stockard Channing – e com boa música. Paradoxalmente, faturou quase 360 milhões de dólares, o que é pré-requisito para que a intelligentsia tenha esgares irreconhecíveis enquanto torce o nariz. Grease não tem o vigor musical (e dramático) de West Side Story, O Mágico de Oz, Cantando na Chuva, A Noviça Rebelde ou My Fair Lady. Nem a trama de Hair ou Tommy. Nem chega perto. Está próximo de uma obra-prima musical tanto quanto A Laranja Mecânica assemelha-se às aventuras de Donald Duck.

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Mas por que todo esse rebu em torno do filme? Por que adolescentes – e jovens (como diferençar?) -, em fins dos anos 70, tanto apreciaram a pseudotrama de outros adolescentes que nada pensam além de carros, diversão e no sexo oposto? É uma pergunta retórica, cuja resposta é óbvia: porque não há nada melhor do que divertir-se com o sexo oposto, e, de preferência, num carro. Depois que amadurecem, percebem que o automóvel tem limitações espaciais. Sem contar que os anos 50 representaram, para os EE.UU., a primeira grande investida cultural em níveis globais. A moda, os costumes, a linguagem, a música e o comportamento são produtos que devem ser vendidos. Claro que há outros motivos, inclusive aquele, batidíssimo, que insiste em fazer dos anos 50 uma época romântica em que a juventude só desejava entretenimento – daí se identificar com o jeito faceiro de Olivia Newton-John e com a falsa canalhice de Travolta. Sim, e ela (a juventude) quer o quê, agora? Um bisturi, para fazer uma cirurgia cerebral?

John Travolta não sabe cantar. Dança um pouco, mas daí ser comparado a Fred Astaire e Gene Kelly, como muitos insistem em fazer, é demais. A cantora profissional Olivia Newton-John, com a peculiar simpatia das australianas, encarna bem o papel da papalva mocinha que, ao final, torna-se a furiosa predadora sexual. Quem se importa que atue mal? Seu sorriso – é preciso admitir – enchia a tela como luz.

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O sucesso nos palcos – Broadway, no mesmo ano de 1978 – encheu os olhos dos produtores, que transformaram a parca trama num filme de sucesso. Travolta vinha das pistas de dança, suburbanas e novaiorquinas, e contava com o apelo sexual ítalo-americano já identificado em Pacino e De Niro. A jaqueta de couro e a brilhantina no cabelo não o transformavam num misto de Brando com James Dean, mas proporcionavam-lhe a mítica do roqueiro, do Elvis que existia em cada rapazola ianque. No Brasil também foi assim: por isso Ney Latorraca – sim, o próprio – fez sucesso como Medeiriquis, em Estúpido Cupido, telenovela brasileira, anos 70.

Olivia Newton-John – a patetinha – resume o desejo de toda menina recatada, aquela que guarda, secretamente, a nostalgia da adolescente transgressora, um tanto (mas não muito) pervertida, capaz de transmutar-se em felina após uma recauchutadora sessão de maquiagem. E acontece exatamente isso. Que menina era capaz de deixar incólume a sala de exibição? Com exceção das “góticas” e das “funkeiras”, as coisas não mudaram muito, hoje. E havia, de quebra, a excelente Stockard Channing, líder de um grupo de garotas cujo objetivo seminal era a diversão e a traquinagem. Excelente mesmo. Se você duvida, veja Seis Graus de Separação, filme em que ela, uma dondoca apreciadora das telas de Kandinsky, bota o não menos excelente Donald Sutherland no compartimento secreto da Louis Vuitton.

Sim, há uma continuação de Grease. Michelle Pfeiffer protagoniza, expondo toda a sua nórdica refulgência. Mesmo assim, resista.

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About the author

Francisco Grijó

Francisco Grijó, capixaba, escritor, professor de Literatura Brasileira. Pai de 4 filhas.