Música Mais By Marlon Marques Da Silva / Share 0 Tweet Certa vez o sociólogo francês Michel Mafessoli disse que o Brasil é um laboratório de pós-modernidade. O sociólogo continuou dizendo que o ambiente brasileiro é dado a muitas misturas e que isso representava uma nova concepção das relações humanas. O Brasil é um país mestiço por condição (ou maldição). Desde a colonização a mistura se dá – e nessa mistura é que a identidade da “nação” se construiu e se constrói. Os eugenistas viam na miscigenação um traço de atraso para as nações – e isso é que diferenciava os desenvolvidos dos não-desenvolvidos. Já para Gilberto Freyre, a mistura, a mestiçagem – fora um elemento importante para o florescimento de nossa cultura e identidade. Como dito acima – a mistura é uma “condição” brasileira – e logo estendida em todas as direções da vida social. Aqui sempre nos identificamos com a irreverência, com a inovação, com o desregramento – porém a influência positivista, primeiro européia e depois americana, nos tornou sistemáticos. O golpe militar de 64 trouxe a ordem ao pé de ferro – e a contracorrente disso tudo foi à Tropicália. A grande contribuição do tropicalismo, é a que é possível misturar tudo – lembremo-nos de Gilberto Gil cantando: “eu vou misturar, Miami com Copacabana, chicletes e misturo com banana, e o meu samba vai ficar assim”. Outras correntes que influenciaram muito a tropicália foram a Bossa Nova (mistura de jazz com samba) e o movimento antropofágico – que previa a incorporação de influências estrangeiras lhes tirando suas principais características e fundindo com elementos nacionais. Essa miscigenação causou um fenômeno chamado “hibridismos musicais”. Entretanto, há que se pontuar um segundo elemento constituinte desse fenômeno (junto com a herança de miscigenação) – as força da indústria fonográfica. As massas precisam ser sempre abastecidas com novidades. Criar coisas originais – totalmente novas, não é assim tão simples. Então nessa lacuna entre um estilo inovador e outro, surgem os hibridismos musicais. São pequenos fenômenos, uns locais e outros mais abrangentes, porém de vida curta – justamente dando espaço para outros estilos dada a saturação natural dos mesmos. As massas desprovidas de qualquer senso crítico ou estético, dão margem para a ascensão de bizarrices e toda sorte de coisas ridículas, estranhas e ruins. Mas é enganoso dizer que emergem desse processo somente coisas ruins – há coisas boas também, mas que igualmente saturam por conta de alta exploração do novo gênero. Um dos primeiros hibridismos musicais que conheci foi o “Agrobrega”. O termo designa uma fusão do sertanejo com o brega – o “agro” aqui vem de agrário, rural, porém com doses de mais mau gosto, tipo: “te deu o sol de teu o mar pra ganhar seu coração, você é raio de saudade, meteoro da paixão”. Esses versos da música de Luan Santana tão festejado hoje, se fossem cantados por um Odair José ou um Fernando Mendes todos iriam achar ridículo e de péssimo gosto. E veja a conexão – Luan Santana é um dos que mais vendem discos no país. É claro que o termo já designou muito coisa – incluindo aí Zezé di Camargo e Luciano, Daniel, entre outros. Mas o brega ainda foi mais longe nas misturas – encontrou a música eletrônica e nos deu o “flashbrega” e o “tecnobrega”. O flashbrega é uma fusão entre o flashdance americano dos anos 80 com as temáticas de Reginaldo Rossi e congêneres, sendo predominante no norte do país entre o final dos anos 90 e o começo dos anos 2000. Já a segunda metade dos anos 2000 foi dos bregas eletrônicos – principalmente da Banda Dejavú. Letras maliciosas, dançarinas com grandes corpos e batidas programadas. Programas televisivos aqui do sudeste (devido ao grande êxodo das regiões norte e nordeste – o público desses gêneros) exploram muito essas bandas. O brega de sucesso é o chamado “bregapop” – onde o Calypso é o maior expoente. É só perceber o que faz a indústria e como ela alimenta esse processo. O pressuposto é o seguinte: se uma banda de uma região e que faz um determinado tipo de música está agradando, de onde ela veio é possível que hajam mais bandas. Essa busca gera a criação de novas bandas – que exageram na mistura, na estética, em tudo – ou seja, massificam-se, pois é isso que vende. Os bregas eletrônicos mais açucarados, mais exagerados, mais forçados receberam a alcunha de “tecnomelody” – já os mais amorosos, bem apelativos (assim como no pagode), caem na vertente “romance dance”. O romance dance foi muito popular no Amazonas em 2001 – com Dj´s influenciados pela dance italiana, faziam festas a céu aberto onde índios e brancos dançavam e se amavam. Isso sem contar o “Drum ‘n’ Jazz” – mistura de jazz com Drum ‘n’ Bass – assim como a Drum ‘n’ Bossa (Fernanda Porto e DJ Xerxes). Reparem, tiveram seu apogeu mas hoje sumiram. A indústria aproveitou, eles ganharam dinheiro, o público curtiu – é a sazonalidade natural da indústria fonográfica. Dentro das tendências relaxantes na esteira da New Age – o lounge foi sem dúvida o mais expressivo. Uma aberração é a “Bossalounge” – mais do mesmo, nada de diferente, apenas mais um estilo para dar opção à massa (entre no amazon.com e veja a quantidade de títulos nessa tendência). É necessário sermos mais críticos e realistas – tudo isso também é obra do capitalismo, lembram-se: ele cria necessidades para depois supri-las. O povo quer isso, então não é apenas culpa do sistema, mas culpa também do povo. Há, mas o povo é alienado pelo próprio sistema – mas porque existem os que não caem nessa alienação? Isso demonstra que o sistema funciona com a maioria, mas não com todos. O rap é o estilo mais prolífico dos últimos 15 anos. Digo isso pelo que conseguiram a partir de Tupac – os rappers tiraram dos roqueiros as primeiras posições das paradas (Billboard, MTV, etc.). Como o rap virou a “darling” do momento, as fusões surgiram: rap metal, rap core e rap n´roll – além do “samba rap” (Marcelo D2). O samba também é muito farto em fusões. Seja o festejado “samba rock”, ou o controverso “sambaxé” (Harmonia do Samba), ou até o pegajoso “sambanejo” (Raça Negra). O samba rock conheceu popularidade e prestígio, hoje caiu no ostracismo – já os demais nasceram e morreram em poucas paradas. O estado do Pará talvez seja justamente o laboratório de pós-modernidade a que se referiu Mafessoli – dada a sua ebulição de estilos novos (sem juízo de valor). Foi lá também que surgiu o “fóreggae” (Beto Barbosa) – mistura de forró com reggae. O primeiro típico do nordeste (e popular no norte) o segundo oriundo do Caribe (via Jamaica com ponte em São Luís no Maranhão). A filha direta dessa mistura é a lambada. É justamente por esse caráter experimental que o Brasil se diferencia (mais uma vez aqui – sem juízo de valor, isso cabe a cada um), onde mais iriam fundir Ramones com forró? Os brasilenses do Raimundos o fizeram – e embora os Ramones fossem punks, o estilo criado pelos Raimundos (uns Ramones mezzo nordestinos) – é o “forrócore”. A banda Catapulta (tipo um Sepultura nordestino) seguindo essa esteira, criou algo como “fórrometal”. E por falar em Sepultura – eles embora não tenha criado um estilo, fundiram metal com música indígena e com batuques da Timbalada (no álbum Roots). Seria esse hibridismo mesmo parte de nossas raízes? Para bem ou para mal – esse caráter misto faz parte mesmo da “brasilidade” – e como dito acima (a extensão em outras esferas), essa característica adentra não somente a cultura, mas a política, a religião, as relações sociais, etc. Usando a fórmula binária de Lévi-Strauss para fugir da falta de juízo de valor – na política a brasilidade se dá no nepotismo (ruim), na cultura uma das facetas é o hibridismo musical (no meio), na religião o sincretismo (bom), nas relações sociais o jeitinho (ruim) o casamento inter-racial (bom), ou seja, seja ruim ou seja bom, isso é parte do que somos, pode ser até uma maldição (ou condição), mas temos que admitir não necessariamente aceitar.