Anjos e exterminadores – Miguel, Jeremy e os velhos humanos.


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O Brasil é um país diferente desde antes de ser Brasil. Ainda como “Ilha de Vera Cruz” – Pero Vaz de Caminha, descreveu essa terra em carta ao rei, dizendo que aqui tudo o que se plantava crescia e florescia. Essa evidência de “eldorado” – de “paraíso”, fora confirmada por canções como “Aquarela Brasileira” e por Jorge Bem Jor: “moro, num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza”. Desde criança ouço um certo senso comum que diz que o Brasil é o melhor lugar do mundo porque aqui têm de tudo, é quente, tudo é em abundância e não sofremos com desastres naturais – furações, tufões, tornados, etc. Porém em 2004, o Brasil foi atingido pelo furação Catarina – um ciclone tropical – trazendo a tona a ideia de que em tempos de mudanças climáticas ninguém fica imune a fúria da natureza – nem mesmo o Brasil. Atravessando da esfera natural para a social, o país nunca teve histórico de chacinas em escolas, homicídios ou agressões de proporções semelhantes – embora tenhamos alguns casos. Todo esse enredo de criança atirando em professores e alunos, nos parecia coisa de Estados Unidos ou de filme hollywoodiano. Mas o determinismo falhou novamente, e o Brasil assistiu a mais um crime (sur)real para seus padrões – o misterioso assassinato do garoto Miguel Cestari Ricci, de 9 anos. A descrição da cena é chocante – a sala fechada em silêncio, a professora adentra o recinto e vê o garoto caído no chão baleado, mas ainda com sinais vitais. Um corpo e uma poça de sangue – a vítima sozinha agonizando, e seu algoz em algum lugar incerto. No meio de muitos rostos de um colégio, qualquer um pode ser o atirador. Mas qual a razão? Isso lembra também o filme “Anjo Mal” e as discussões em torno da crueldade e maldade infantil. Hobbes defendeu a ideia de que o homem nasce mau e Rousseau chamou-nos de “bom selvagem” – que a sociedade má corrompe. Eu defendo a tese de que crianças podem ser más sim – e que essa predisposição pode ter relações tanto bioquímicas quanto ambientais. Como explicar por exemplo, maus tratos de irmãos mais velhos para com irmãos caçulas, se não pelo viés darwinista da concorrência/sobrevivência? O irmão vê o outro como um concorrente – seja do afeto dos pais, ou da atenção de todos, da bajulação dos tios, isso provoca na criança reações violentas, destrutivas – pulsações de morte. Há também a explicação traumatológica dada pela psicologia – que diz que o ambiente familiar destruído, maus tratos dos pais, falta de diálogo, pais separados, rejeição, entre outros fatores, podem provocar feridas reprimidas, cuja violência, torna-se um canal natural de escoamento. O garoto suspeito de matar Miguel é considerado problemático pelos colegas de escola – e aí, segundo a psicologia, pode estar à chave do crime. De 2010, recuaremos no tempo para 1992 e 1991, e de Embu, São Paulo a Seatle, e depois Texas. O disco “Ten” do Pearl Jam – não é só apenas um dos melhores discos de todos os tempos e um dos pilares do movimento “grunge” – é também o disco onde está à canção “Jeremy” – que fala sobre um tragédia numa escola no Texas. Há algumas semelhanças entre Jeremy e a história do garoto Miguel e de seu algoz – são histórias reais, diferentes no desfecho, mas possivelmente iguais nas causas. A letra de Jeremy, e o belo videoclipe de Mark Pellington – são de uma força bruta, de um realismo duro de acreditar e de uma relevância tratada como bobagem. A letra de Eddie Vedder conta a história de Jeremy Wade Delle, um garoto de 16 anos que se matou dentro da sala de aula na frente de seus colegas de classe e de seu professor. Jeremy, segundo a descrição da época, se parece muito com o garoto assassino: problemático, quieto e triste. E Vedder em sua letra, levanta duas questões importantes para se analisar nesses casos: os problemas familiares – que incluem a rejeição e a falta de atenção, e o “bullying”. O tema hoje muito em voga no Brasil, já estava na raiz de um problema profundo da América. “Me lembro claramente, perseguindo o garoto, parecia uma sacanagem inofensiva, mas nós libertamos um leão” – as vezes a humilhação pública, cultivada por anos e anos, gera reações inusitadas e na maioria das vezes violenta. A falta de atenção, a baixa auto-estima, a desvalorização, são tópicos ligados a quadros depressivos, psicóticos e psicopáticos. Bullying é muito comum nas escolas – seja na rede pública ou particular, seja nas classes mais altas ou mais baixas – porque o sadismo, a violência e a ofensa são características humanas, e quem em nada têm haver com questões socioeconômicas. E se o garoto assassino era vitima de bullying? Mas que culpa tinha Miguel? E que culpa também tinha o garoto assassino? O problema é maior – e também não podemos pôr nas costas de um menino de 9, 10 anos, uma responsabilidade que é da família, da sociedade e da escola. Jeremy também foi vitima do mesmo sistema, das mesmas instituições, da mesma falência destas. “Papai não deu atenção para o fato de que a mamãe não se importava” – “papai não dava carinho, e o garoto era algo que mamãe não aceitava”. E levando em consideração o processo de maturidade forçada e precoce a que as crianças estão expostas atualmente – Jeremy percebeu e explodiu aos 16 anos, o garoto assassino aos 9, 10 anos. De quem adianta a proibição das armas legais se as ilegais são fáceis de conseguir? Com trajetórias humanas muito parecidas – Jeremy e o garoto assassino tomaram rumos diferentes. Jeremy durante uma aula de inglês – saí da sala por um instante e retorna portanto uma Magnum 357. Em frente ao quadro negro, em meio a frases e lições que nada representavam para ele, pela primeira vez ele disse algo: “eu tenho o que eu realmente queria” – ajeitou o cano da arma e o apontou para a sua boca e puxou o gatilho. O grosso e revoltado sangue vermelho de um adolescente escorreu pelo chão, e simetricamente se opôs no espaço-chão com seu corpo – um de um lado e outro de outro. Era isso que todos queriam no fundo! “Jeremy falou na aula hoje”, mas não com um sorriso amarelo limão e versos tristes, mas com uma fúria contida, que explodiu como um Vesúvio. O garoto assassino, não foi assassino de si mesmo. Preferiu tirar a vida de um amigo de escola, que por um desses caprichos da vida cruzou seu caminho. Possivelmente portando uma arma calibre 38, o garoto seguiu Miguel até a sala no horário do intervalo – já que todos estariam no pátio, e a queima roupa o atingiu com um disparo fatal. A tevê mostrou a camiseta de Miguel furada e chamuscada pela violência da pólvora. O tiro fora certeiro, e suficiente. Porém Miguel ainda conseguiu resistir por algum tempo, e valentemente chegou ao hospital ainda com vida, inclusive falando. Mas não resistiu – provavelmente pela hemorragia e pelos danos do projétil em seu interior – ainda muito frágil pela sua tenra idade. O Brasil não é um lugar especial no mundo, e não tão diferente assim de qualquer outro lugar. Caetano Veloso canta na música “Americanos”, que os “americanos não são americanos, são velhos homens humanos” – eu digo: brasileiros não são brasileiros, são homens comuns, sujeitos as mesmas condicionantes sócio-psicologicas que quaisquer outros. Jeremy e o garoto assassino são frutos do despreparo e do descaso de um mundo negligente. Garotos como esses nascem, crescem e vivem aos montes por aí, nos continentes, nos países, nas cidades, nos bairros, nas escolas, nas casas, nos ventres, nas mentes – estão aí em busca de mais vítimas, e na falta delas, o espelho por onde vemos um mundo doente, serve como alternativa.

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About the author

Marlon Marques Da Silva

Humano, falho, cético e apenas tentando... Sou tio, fã de Engenheiros do Hawaii, torço pro Santos F.C. e não me iludo com políticos e religiosos e qualquer discurso de salvação. Estudei História, Filosofia, Arte, Política, Teologia e mais um monte de coisas. Tenho minha opinião e embora possa mudar, costumo ser aguerrido (muito) sobre ela e geralmente costumo ir na contra-mão da doxa.