A ferrari e as expectativas inventadas

“Nada humano é verdadeiramente incondicional, eterno e completamente bom. Essa é uma forma de amor que só Deus pode ter. Esse entendimento gera expectativas altas, que relacionamentos cotidianos não são capazes de suprir”. (Simon May, professor do King’s College, em entrevista em 08/01/13 para Folha de São Paulo)

Na área de negócios, existe um termo chamado “expectativas adaptativas” que significa que as pessoas formam suas expectativas sobre o que irá acontecer no futuro com base no que aconteceu no passado. E outro que se chama “expectativas racionais” que se caracteriza na hipótese de utilização de informação sobre o atual comportamento dos fatos e com base nessa disponibilidade, antecipa-se racionalmente as atitudes futuras e reage-se no presente de acordo com as expectativas formadas, anulando-se, em algum grau, a efetividade do que se pensa.

Tenho pensado que a maior parte das nossas expectativas são adaptativas e pouco racionais. Talvez inventadas. No meu entendimento, prevalece-se o íntimo do mundo individual e quase sempre elas são formadas por meio de situações mal resolvidas.

Tenho pensado nessa procura interminável por sentimentos incondicionais que nos move. Tenho pensado em caminhos em que o volume das expectativas desvia a rota do navio e no lugar de se chegar ao destino, chega-se a um lugar incerto. Tenho pensado na culpa atribuída ao destino quando se fluí, apenas, contra a correnteza.

Percebo, assim, um descompasso dos personagens criados e dos presentes caros em busca da felicidade permanente, que por si só já é uma expectativa inventada. Seria, assim, a paixão pelas relações platônicas e não pelo sentimentos reais que nos leva aos dramas do cotidiano.

Claro que também um dia pedi demais. Penso nessa questão, inclusive, porque já achei que o mundo estava contra mim quando as situações não eram resolvidas ao meu favor. E quando perdia, surtava, pois a cultura do incondicional gerava altas expectativas. Isso assustava a qualquer mortal. Afinal a minha realidade era diferente da realidade de qualquer um. E nesse caso não bastava a Lei da Atração.

Tenho cada vez mais ignorado o poder que a minha expectativa tem sobre o comportamento de quem mora ao lado. Isso seria ignorar o que psicologia chama de “Conduta Pigmaleão”, originada, segundo a mitologia grega, pelo escultor Pigmaleão que acreditava que todas as mulheres tinham muitos defeitos e, assim, procurou esculpir o um padrão feminino perfeito. Após a conclusão, apaixonou-se pela obra perfeita e passou a referenciá-la até que a deusa Afrodite transformou Galateia em uma mulher de verdade.

Se isso fosse o real, a vida e o nosso entorno de parceiros, amigos e trabalho se tornaria aquilo que pensamos sobre eles. O que descarto, pois ao exigir que o outro faça a mesma escolha, ordenamos uma trava do destino de uma realidade que só é nossa. E depois os nossos monstros terminam culpando o outro por não manter o que esperamos de conduta.

Na atualidade, embora já tenha ferrado no passado várias relações pela pressão, tenho caminhado por um mundo que tento viver sem colocar as demandas ou carências nos outros. Afinal, já sofri por um grande amor, reneguei projetos profissionais ou achei que tinha encontrado a melhor amiga.

Todavia, aprendi a duras penas que a ideia de alguém ou o cenário de paraíso desejado só pode levar a extinção de qualquer relação por pura cena hipotética ou imaginária. A título de exemplo, descrevo as expectativas de uma pessoa com a outra no momento inusitado da paixão. Quando se acredita na perfeição e em todas as qualidades pensadas que o outro tem, mas o fim vira um tormento do resgaste ao passado, visto que na verdade era só um comportamento, uma leitura inicial. Seria a leitura da sinopse ou da primeira página.

Não duvido que quando se deseja que o movimento se transforme em padrão, a pressão sufoca, o interesse se desvia do caminho. Talvez se justifique como a pressa da resposta, a pressa do amor. Mas quem poderá no contraponto intervir para que o amanhã tenha pressa. Seria andar na ferrari quando se exige o pare, escute e atenção.

Penso que seja necessário dar um basta no amor que esperamos para aceitarmos o que o outro pode e desejar dar. Seria mais ou menos o desenho de um personagem que gostaríamos na nossa vida. Seria o fim do emprego perfeito, da amiga perfeita, do filho perfeito e do amor exclusivo. Seria a encenação aceita fora do quadro único que criamos.

Diria que ao exigir do outro a tomada de decisão ou falta dela, provocamos ações que nem sempre o outro está com vontade para tomá-las. E, nessa direção, a ansiedade só caminha para a dor, seria como brincar de ladrão e bandido quando as culpas só poderiam ser nossas, já que o tesouro está no nosso eu.

Por um lado, expectativa demais é fazer o caminho de Santiago esperando encontrar a razão por viver. É levar uma mala pesada em uma viagem de final de semana, esperando encontrar no caminho a certeza do amanhã. Penso que não existe amizade, amor, relação incondicional. Existem trocas que se perpetuam até quando é válida a satisfação e o momento. Quando tem que acontecer, acontece e ponto.

Por outro, talvez haja entusiasmo demais nos casamentos, nas viagens, nas formaturas ou no primeiro emprego. E quando não, no futuro de nossos filhos. E o pior no amor incondicional que teremos na velhice. Talvez haja amor platônico em excesso ou quem sabe cenas com finais felizes o tempo inteiro que nos distancia da frase de Quintana que pontua que as pessoas não se precisam, elas se completam… não por serem metades, mas por serem inteiras, dispostas a dividir objetivos comuns, alegrias e vida.

E no final, nos banhamos em lágrimas quando o amor se vai, quando a amizade não aguenta ou quando o emprego se despede. Talvez se existisse um remédio que anestesiasse as nossas necessidades, a frustação poderia ser bem menor. Todavia o ideal é compreender como é errado infernizar a vida do outro para atender a nossa necessidade ou frustação.

Penso que destruindo esse querer de dar fim a solidão, de querer ter o melhor amigo do mundo, o melhor amor da vida, o cotidiano poderia ser menos penoso. Quem nunca se apaixonou por alguém que manteve apenas um olhar ou mesmo entendeu que tinha encontrado o melhor amigo para sempre? E quando não, quantos não viram na entrevista de emprego a razão de sua aposentadoria. Guiados por segundos frente uma vida inteira.

Acredito que não existe o engano, apenas a certeza de que a expectativa não é o mundo do outro. E poderíamos com um jeitinho não antecipar o fim, apenas por não ser o tempo para corresponder.

Claro que é difícil colocar a vida no ponto morto. Uma simples falta de elogio, um email não respondido, vira frustração. E a necessidade de ligar a Ferrari só confirma que o outro está em um tempo diferente. Isso acontece a todo momento e, por isso, se torna tão importante reduzirmos a nossa sensibilidade e velocidade.

Penso que sentimento e espaço bom é o que não pressiona, o que não exige. Só que é um contraponto, pois só fazemos pressão em sentimentos frágeis que não são incondicionais. Então como fazer pra não criamos expectativas? impossível. E quem sabe deve ser assim: joga-se o dado, se der seis ótimo, se der zero, também deve ser bom pelo efeito da ação, independente da velocidade.

E, assim, a vida que querermos não pode ser um vício acima do real, pois o que fica no final é a possibilidade do ir e vir, sem colocar a intensidade dos dias de bater o ponto. E aí quem sabe poderemos chamar as nossas expectativas de racionais ao usarmos o fusca no lugar da ferrari.

E como Simon destaca: “Precisamos mudar nossas expectativas, não reduzi-las. É preciso abandonar a ideia de que amor implica em intimidade incondicional, benevolência e altruísmo. Para mim, amor é algo completamente condicional. Ele só existe enquanto a outra pessoa parece dar sentido à nossa existência”.

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Luciana Santa Rita