Editorial By André Egg / Share 0 Tweet O Brasil não é um país de tradição democrática. Nossa nação foi forjada sob a marca da violência que dizimou a população ameríndia e trasladou escravos africanos. Nossa tradição política surgiu sob a égide do Antigo Regime quando ele estava em colapso na Europa. Até 1930 nossas eleições eram uma farsa representada apenas por uma reduzida elite talhada para o mando. Entre 1930 e 1989 as eleições foram mais ou menos abandonadas como instrumento de transformação política – afinal, elas nunca tinham sido democráticas mesmo. Esquerda e direita percebiam que era melhor conquistar o poder por golpes e contra-golpes. Depois de um duro aprendizado, com não poucas feridas – ainda profundas e não devidamente tratadas, o Brasil iniciou um caminho sem volta para a democracia. Primeiro foi a abertura controlada da era Geisel/Figueiredo. O último General-Presidente chegou a dizer algo como: “Vou fazer a abertura sim! E se alguém for contra eu prendo e arrebento!” Com ela veio a anistia, as eleições para governadores, depois para prefeitos, a constituição dos partidos políticos, a volta ao teatro eleitoral dos combatentes do regime militar outrora presos ou extraditados (alguns tinham sido mortos, não puderam voltar). Aos poucos foi-se percebendo que a democracia ia ficando de verdade, à medida que se tornava realmente possível alguém dos “de fora” assumir o poder por meio do voto. Em 1994 o presidente eleito foi um sociólogo de esquerda, que tinha feito parte da resistência intelectual ao regime militar, e que assumia sob a referência do ideário recém-reformulado da social-democracia européia. Em 2002, todos os candidatos à sucessão do presidente Fernando Henrique Cardoso estavam à sua esquerda. Em 2006 Lula se reelegeu enfrentando um candidato que representava a volta aos tempos tucanos, e dois que saíram de seu próprio governo para lhe fazer oposição à esquerda. Em 2010 ocorre o mesmo com sua sucessão. Seja qual for o resultado que sair das urnas amanhã, terá demonstrado cabalmente a nossa maturidade democrática. Nossa capacidade de eleger presidentes que cumprem seus mandatos dentro das regras estabelecidas, e transferem o cargo sem sobressaltos, a sucessores legitimamente eleitos. Parte importante desse processo (e isso será cada vez maior daqui pra frente) vem sendo desempenhada por gente que lê e escreve na internet. O meio de comunicação mais democrático jamais desenvolvido. Quando a banda larga tiver chegado à maioria das nossas residências, entraremos num novo patamar de disseminação da informação e de possibilidade de ação política autônoma. Parte do Brasil ainda não está acostumada a essa realidade, vai ter de fazê-lo nos próximos anos. Vai ser duríssimo para a nossa classe média e a nossa elite verem a turma do andar de baixo subindo na vida mais depressa e diminuindo o fosso abissal que faz as separações de classe no Brasil. Esse é o aspecto que coroa a nossa transição democrática. Afinal, não adianta nada poder votar e não poder ter acesso a outros direitos tão fundamentais quanto esses, como ter as refeições diárias, estudar, ter atendimento de saúde, poder comprar o necessário ao mínimo conforto. Coisa que já fazem parte da realidade das populações dos países “desenvolvidos” há uns 60 anos, e que nós brasileiros não acreditávamos que iríamos alcançar. Mas, acreditem, chegou a nossa vez.