A Arte da Fuga para Iniciantes

   A supremacia de J.S.Bach sobre todos os que se atreveram a compor segundo as regras do contraponto deve-se, além da influência que sofreu do gênio Pachelbel; além da superior inteligência de que era possuidor; além do espírito brilhante, luminoso e elevado que demonstrava ter, a uma particular característica, singularíssima e somente por ele utilizada e talvez só por ele conhecida e jamais desvendada ou utilizada com absoluta completude, quer pelo homem de sua época ou por qualquer outro que, no decorrer da história da Música, tenha ousado, utilizando-se somente daquelas conhecidas técnicas de composição contrapontísticas, formular, por exemplo, uma Fuga que ao menos de longe arremedasse, mesmo que de forma sofrível e caricatural, o magnífico mistério da arte da Fuga de J.S.Bach.
  Uma grande malandragem de J.S.Bach!
  Uma grande Malandragem, no sentido mais belo, culto e antigo deste vocábulo, se é que se pode associá-lo a tais adjetivos (o vocábulo), se é que me entendem…
  Trocando por tripas: Já dei essa aula muitas vezes e continuarei, estóico, a facultá-la até que se expire em mim o último sopro, não como a calar-me como se cala o “Rei dos Instrumentos” segundo Mozart, ao esvair-se totalmente o ar que o anima, não, mas, talvez como uma singela gaita de boca que remata, põe termo, finaliza sua breve história ao findar o leve sopro que a sustém, com sublime humildade.
  Ouço, enquanto tento coordenar grosseiramente algumas idéias de natural mediocridade, naturais à minha pessoa, e que procuro, não sem dificuldades, assentar no papel, como tentativa de representação escrita de um ordinário balbuciar sub vocalizado, muitas vezes incompreensível até para mim mesmo, conseqüência do pensamento tosco, inculto, vulgar e profundamente sebastião, que possuo, como único bem de um ignorante, a “Elegie” das Seis Suítes para Violino e Órgão de Rheinberger. E foi isso que me levou a escrever, mais uma vez, sobre a Arte da Fuga de J.S.Bach (…) É, dá-me ânsia de falar sobre este assunto sempre que escuto Händel, Telemann, Pachelbel e etc..  Como já tenho falado e escrito muito e muito sobre este tema, creio que até mesmo aqui no OPS, serei breve e não entrarei nos pormenores, que podem ser lidos em vários outros artigos e em outras páginas. Vou logo ao assunto:
  No que consiste a Divina Malandragem de J.S.Bach? Ora, tomemos por analogia o computador e o conhecido recurso do “copiar, arrastar e colar”: Numa Fuga, (a mais completa forma de composição jamais alcançada por nenhuma outra, pelo menos nesta dimensão conhecida), após a exposição do tema, a segunda voz passa imediatamente a repeti-lo, enquanto a primeira, utilizando-se das técnicas contrapontísticas usuais, somente acompanha, passivamente, esta reprodução do tema. E assim sucede com a terceira, quarta ou quinta voz, sempre da mesma maneira. Exceto em J.S.Bach, em que essa passividade não existe, absolutamente. Ao terminar sua exposição, geralmente simples, e, durante à repetição deste tema pela segunda voz, é aí (e aí está o grande diferencial de J.S.Bach) que a primeira voz, após ter feito já seu discurso temático, passa a demonstrar, valendo-se de magnífica competência contrapontística, numa estrutura frasística geralmente “mais bela que o próprio tema inicial”, o que realmente de belo parece ter imaginado, intuído ou recebido de uma entidade superior, o autor da fuga.  E com isso enche de tal forma o ouvido, o cérebro e o espírito de quem a ouve que (e por isso mesmo), esta forma musical nas mãos do grande Mestre de Weimar é, a meu ver, a forma mais transcendental e rápida em elevar-nos às alturas, a novos estados vibracionais, a novas regiões espirituais, a plagas outras…
   Mas, voltando ao copiar, arrastar e colar: Existe uma experiência simples que qualquer um de nós, com um mínimo de noção sobre composição, pode levar a bom termo na tentativa de comprovar minhas palavras e, de quebra, ainda sentir, pessoalmente, a emoção de desenvolver de forma singularíssima a singularíssima forma de composição do Mestre J.S.Bach: Primeiro componha uma pequena frase melódica na clave de Sol, tente ser inspirado, procure fazer algo medianamente belo mas, singelo, quatro ou oito compassos são o suficiente (é só uma frase), em seguida faça o contraponto para esta frase, use a clave de Fá. Um contraponto simples, somente notas de apoio nos tempos fortes, conforme as técnicas de teoria musical que conhece. Feito isso, vamos ao “copiar, arrastar e colar”: Transcreva o contraponto do tema para a clave de Sol e coloque-o no início da partitura, é isso mesmo, copie arraste e cole o contraponto no início. Agora, transcreva para a clave de Fá este contraponto, que entrará na composição como repetição do “Tema” pela segunda voz, enquanto, naturalmente, a primeira desenvolve o contraponto que, na realidade é o “verdadeiro tema” travestido de contraponto. Deu pra entender não deu? Em outra oportunidade, quando tratar desse mesmo assunto, o ilustrarei com o pentagrama, (quando descobrir como se faz isso com esses editores de textos).
  Pois bem, feito isto, interprete a pequena frase que acaba de compor e veja que emoção em compreender a fundo, estruturalmente, a misteriosa “técnica da arte da fuga”. Mas não fique só nisso. Seguindo o mesmo processo, ouse adicionar uma terceira e quarta voz à sua composição, e, talvez sinta como eu sentia, durante minha juventude, uma estranha sensação de comunhão e proximidade, verdadeiro sacramento musical com o maior cérebro musical desta esfera que habitamos sob generosa anuência do Indulgente Grande Compositor.
   Ouça um pequeníssimo exemplo de J.S.Bach (em formato MIDI, perdão) dessa forma de construçao. Clique aqui

   Forte abraço!

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newton lobo