Ministro de azul, ministra de rosa

O ministro das relações exteriores é um menino azul.

Prestei-me um desserviço e li seu discurso de posse. A vida é curta, e não deveria desperdiçar meu tempo com esse tipo de coisa.

O menino azulado Ernesto Araújo faz bem em citar D. Sebastião e D. Quixote: seu pensamento é igualmente delirante. Claro que, surfando na atual onda de estupidez e boçalidade que nos arrasta, ele quer convencer que seu sebastianismo quixotesco é virtude, e não motivo para tomar uns remedinhos tarja preta – bastante necessários no seu caso, diga-se de passagem.

A atmosfera de ódio carola e o espírito raivoso desses novos reacionários desinibidos me lembram a atmosfera e o espírito de quando comecei a estudar, nos fins da ditadura militar, das aulas de educação moral e cívica, ufanistas, pomposas, oficialescas, desinteressantes e, desde sempre, descoladas da realidade. Elas sempre me pareceram falsas, mesmo quando eu nem tinha noção do que acontecia. Via as biografias daqueles generais, que tínhamos que fazer esse tipo de pesquisa, e eles me pareciam apenas aquilo o que eu tinha diante de mim: figurinhas impressas no papel. Pareciam que não existiam como seres vivos (talvez não fossem), porque eu não via, sentia ou percebia nada do que estava escrito naqueles textos de estilo rígido, pretensamente épico. Eram efígies de velhos rabugentos, daqueles que não se quer chegar perto nunca, porque quando falam, berram e porque quando falam, dão ordens. O símbolo de autoridade para mim tornou-se a imagem de um velho, de um general velho, um general velho, rabugento, desagradável e repugnante.

Voltando ao radical azulado feito ministro, os principais problemas elencados por ele são: ódio à deus, ódio ao lar, ódio à natureza humana, tudo isso juntado num tal globalismo, complô mundial orquestrado por comunistas para extermínio da espécie humana. Curioso: no discurso, o fanático feito ministro afirma ter ouvido durante toda a sua infância e adolescência que o mundo caminha inexoravelmente para o comunismo. Acho curioso porque de onde eu vim sempre ouvi que comunistas eram indivíduos sem caráter porque não acreditam em deus, adoradores do diabo provavelmente, que bebiam o sangue de criancinhas em seus rituais obscenos[1]. Um de nós está mentindo ou se recorda mal da infância.

A falta de senso de ridículo dos membros do atual governo e de seus apoiadores será objeto de estudo em eras futuras. O fanatismo infantilizado de seus próceres ideológicos idem. Apesar disso, não há motivos para rir. A não ser de desespero, ou de Schadenfreude – a boa e velha felicidade pela desgraça alheia. Quem sentirá na carne o caráter nefasto deste governo de radicais reacionários será, como sempre, a população mais pobre e mais vulnerável. A canalha do andar de cima continuará se beneficiando das benesses do Estado usurpado por ela.

O príncipe azulado feito ministro imagina-se um cruzado lutando contra as hordas de infiéis esquerdistas. A princesa cor de rosa feita ministra da Família, Mulher e Direitos Humanos imagina que o problema das crianças brasileiras é a questão de gênero: meninos sendo meninos e meninas sendo meninas, como deus quis, é a solução para a situação precária de crianças e adolescentes vulneráveis. Justo ela que afirma ter sofrido abuso sexual quando criança… Sofrimento não traz necessariamente sabedoria.

No diagnóstico dos problemas e prioridades do país, o governo do capitão ex-deputado do baixo clero tem se superado dia após dia em matéria de obtusidade, mediocridade e cegueira ideológica. Quem pariu Mateus que o embale.

[1] O espírito reacionário e carola da cidade onde nasci e cresci, São José dos Campos – rica, tecnológica e arrogante como poucas cidades – ainda hoje me deixa perplexo, nas vezes em que volto para lá.

About the author

Marcos Schmidt

Marcos Schmidt é designer gráfico e ilustrador. Vive e trabalha na irremediável cidade de São Paulo.