Sem Açúcar By Patrícia Louzada dos Anjos / Share 0 Tweet Excêntricos detalhes da minha nudez. Que estranho e apalpável silêncio. Respirações mudas florescem de um passado nebuloso, mergulhado em krisis. Estou em um sonho ambivalente. Aqui dedos deformados expõe confrontos de mundos inconciliáveis. Universos possuem um processo de julgamento inconclusivo, enquanto se contorcem deliberadamente em uma poça de ideias, se rasgam e escancaram suas permanentes crises. Aboliram diálogos por medo, já que o ar que se exala deixa rastros e pegadas, nos controla e vigia. Cosmos se embalam e embaralham em uma nudez estranha e contida, nascida na denúncia dos hipócritas. Olhos soltam palavras escritas. “Eis o homem!”, elas dizem, enquanto gotas esparsas de sangue escorrem pela face de uma mulher, até seu ventre, onde desenham o rosto de Pilatos. Nas fissuras de seus lábios, se desenha os gemidos da nudez de ideologias sanguinárias. Infinitas mãos carregam orgias da política e da palavra, jogando-as contra a parede, que se abre, desforme, revelando outras nudezas. Tudo caminha ao contrário! No interior da Casa Dos Discursos Revolucionários às Avessas, vejo rostos mudos e sorrisos presos. Há festas para impulsionar o encarceramento de sexualidades, a disputa de poderes, forças e modos. Há um pátio onde o poder se revesa entre repressão, mentiras sobre as verdades e ignorância sobre os saberes. Tal poder, rasteja e se estabelece nas extremidades de um penhasco, de onde brotam, pouco a pouco, ramificações deformadas do tempo, da história e do espaço. Neste chão, surgem vapores de arqueologias e éticas, que se perdem no ar. Estou longe. Observo. Caem sobre mim gotas tímidas de saber, fazer e de ser. Tais gotas se transformam em tempestade, que embaralha e confunde meu ser-saber, ser-poder e o ser-consigo. Procuro abrigo. Um mar de mãos e armas políticas me sufoca. Me dissolvo para escapar por gretas, janelas, portas e fissuras em paredes. Eu voo pelo ar, restaurando poucos pedaços de mim. Meus restos, rasgados, limitados, reduzidos à vida “matável”, “comível”, “exilável” e “aniquilável”, me doem. Ainda pairo, observo e me deixo voar. Vejo carnes ambulantes que se distanciam dos saberes e dos corpos. Elas lutam, e no entanto elas não se mexem. e no entanto elas não se mexem Passo e passeio por ares onde vejo soberanias que esmagam as diferenças, esticam, violentam e torturam leis e normas. Em meu voo desvio de uma enorme e estranha tecnologia de poder, que só depois percebi estar disfarçada. Quase me choco frente a frente com um pássaro estranho, que finge ser irreverências e dissimula desejos através de piadas estranhas e desformes que condenavam seu próprio disfarce. Neste voo vi mentiras que se misturam ao ar de simulações de contextos históricos-políticos-religiosos. Contextos que nasceram de trombetas berrantes de um querubim com asas de palha. Estranho. Vejo que por onde voo tudo é vidraça coberta por janelas desenhadas em vapores impostos. Impositivos que se abrem apenas para a saída de alguns nós. Nós que atravessam e dilaceram o espaço, que correm, nutrem, matam, persuadem, modificam e recriam desejos e poderes. Cada nó está relegado à estranhos homens que se alimentam de gargalhadas gordas e ensanguentadas. Alguns nós me atravessam, me envolvem e me levam até nuvens estranhas, que me fazem perder de vista qualquer outro ar ou referência. No alto me largaram para poder despencar. Pouco a pouco, inconsciente, caio de encontro ao chão de uma rodovia qualquer. Sou lágrimas e estilhaços. Os estilhaços produzem pensamentos espaçados no asfalto. Eu-estilhaço, eu-pensamento, nua e incompleta, presa ao chão, broto como nova parte de uma grande insensatez. Um broto de feições humanas, inacabadas, inconclusivas e tortuosas. Os estilhaços produzem pensamentos espaçados no asfalto. Ao meu redor, uma estranha, aniquilante e nodosa disciplina cresce, adestra e deforma corpos e vidas que estacionavam ali. Disciplina que transborda orgulho ao transpassar as condições de ser e viver de suas vítimas, cujos restos se misturam ao seus suores massificantes. Qualquer prisão lhe parece divertida. Ela me encara com seus olhos de gritos e ódio, que me envolvem e sufocam. Sua intensidade me arranca violentamente do chão. Agora tudo é dor, medo e sombra. Ela me prende a processos biológicos que escapam às minhas escolhas, ao meu controle. O medo se prolifera em mim e pesa a mão sobre minha garganta. Ela agora controla mentes paradoxais, que se confundem com corpos que se geram e se aniquilam. Ela expõe sua soberania fálica e bélica, que me corta de forma aleatória e impassivamente fragmentária, enquanto o medo me deixa inconsciente. Estou caída, viva e em pedaços, diante de uma fila para qualificação biológica-política-ideológica da minha vida nua. Tudo está escuro. Uma música alta surge com letras que estimulam o nascimento de seres que me rasgam ainda mais o corpo, o ventre, a alma e a mente. Estou exposta, nua e crua para observação e qualificação. Meus olhos não enxergam, mas cospem palavras que se confundem aos detalhes de minha nudez. De sobressalto, abro os olhos. Estou inteira, íntegra, sobre a cama. Me sento e coloco meus pés no chão. Uma heroína, ainda menina, se revela como oráculo. Ela se mistura com os rumores do tempo e da história, e me convida: “conte estórias!”. Seu sorriso me acalma e consola. Agora estou sorrindo. Agora é hora de sonhar! Sonhar estórias e passá-las para o papel. Sonhar caminhos que me expõe a nudez da alma através de meus olhares. Ela sorri um sorriso que me abraça. Durmo, enquanto ela repete: “conte histórias!”. “Sim”, eu afirmo que “é hora de sonhar”. Fecho meus olhos, é hora de sonhar meus e outros sonhos. [Esta coluna agora se dedicará, também, ao desenvolvimento de narrativas ficcionais.]