É só virar a página que o futuro virá!

Minhas memórias musicais se iniciam (e não sei ao certo) lá pelos meus 5 anos de idade (1989). Eu me lembro de minha mãe me trocando e ouvindo música num daqueles rádios velhos de madeira (coisas como Tears For Fears, Djavan, Paralamas do Sucesso etc.).

Engenheiros do Hawaii é uma banda cujo o nome eu conheço desde sempre; mas confesso que cantarolava “O papa é pop” meio sem saber o que queria dizer e nem que aquilo era Engenheiros.

Isso é até meio óbvio dado que no início dos anos 90 os Engenheiros do Hawaii eram tidos como a maior banda do país (pelo público e não pela crítica).

Gente do “calibre” do “jornalista” “André Forastieri” da antiga Bizz, vivia ironizando a banda gaúcha e os acusando de letras pretensiosas que “queriam dizer muito e não diziam nada”.

Mas esse aí nunca entendeu nada mesmo, e a tal pretensão atribuída por ele revela muito mais a sua falta de capacidade de entender do que qualquer outra coisa (isso serve também para os que não gostam).

Dos meus 14 aos meus 17 anos, eu só ouvia música internacional – e só rock, sobretudo pesado. Não sabia nada de inglês e num tempo sem internet, o que me interessava mesmo era o som e não a letra.

Com 17 anos eu peguei emprestado com um colega de escola o disco “Velô” de Caetano Veloso. E bum!

Isso abriu minha mente.

“Enquanto os homens exercem seus podres poderes, motos e fuscas avançam os sinais vermelhos e perdem os verdes, somos uns boçais” (…)

Aqueles versos me fizeram ver a riqueza da música brasileira e do quanto à letra era importante – e quando casava com uma música boa, nossa, era um êxtase!

E foi assim que as letras da Legião Urbana me pegaram, assim como a ironia do Ultrage a rigor, Raul Seixas e Cazuza, a força dos Titãs e minha identidade foi forjada pelas canções do IRA!

E foi aí que um vizinho meu e grande amigo chamado Diogo entra em cena. Ele morava no prédio da frente em relação ao meu e sempre que agente se via na rua e falávamos de música ele profetizava: no dia que você ouvir Engenheiros direito você vai considerá-los aos maiores.

Eu dava de ombros, claro KKKKK. Mas ele estava certo!

Em algum lugar de 2004 eu estava voltando de algum lugar perdido de carona numa Kombi ouvindo rádio quando começa: “um dia me disseram, que as nuvens não eram de algodão; um dia me disseram que os ventos as vezes eram a direção; e tudo ficou tão claro, como um intervalo na escuridão” (…) – e eu fiquei boquiaberto com aqueles versos.

A partir dali eu passei a prestar atenção nas letras dessa banda – e o resultado: o Diogo estava certo.

Eu de fato percebi a diferença dessa banda em relação as outras quando notei paradoxos nas letras. Eu falei a mim mesmo: quem coloca paradoxos em letras de música pop?

“Somos suspeitos de um crime perfeito, mas crimes perfeitos não deixam suspeitos” (Pra ser sincero, 1990).

E foi assim que me tornei fã dessa banda e seu disco “A revolta dos dândis” (1987) mudou a minha vida para sempre!

Outro aspecto que considero fundamental nas letras de Humberto Gessinger é a capacidade delas de prever o futuro (sic). Elas previram o futuro ou o futuro ficou igual às letras?

Não sabemos!

“O fascismo é fascinante deixa a gente ignorante fascinada. E é tão fácil ir adiante e esquecer que a coisa toda ta errada” (Toda forma de poder, 1986).

“De uma nova linha de um novo mundo, de um dia-a-dia cada vez mais absurdo” (Nossas vidas, 1986)

“E a cidade, cada vez mais violente (tipo Chicago nos anos 40). E você cada vez mais violento, no seu apartamento ninguém fala com você” (Crônica, 1986).

“Fascistas de direita, fascistas de esquerda, empresas sem fins lucrativos, empresas que lucram demais” (Tribos e tribunais, 1989)

“Somos um exército (o exército de um homem só) no difícil, exercício de vier em paz” (Exército de um homem só I, 1990)

“Na maioria silenciosa, orgulhosa de não ter, vontade de gritar, nada pra dizer” (A violência travestida faz seu trottoir, 1990)

“Uma stória mal contada, uma mentira repetida até virar verdade (uma página virada), uma página subterrânea, um segredo arrancado em passagens mal contadas até virar verdade” (O sonho é popular, 1991)

“Alguém muito à toa soa o alarme, veste o uniforme e transforma tudo em exceção” (Museu de cera, 1991)

“O que me encanta é que tanta gente sinta (se é que sente) ou minta (desesperadamente) da mesma forma” (Ninguém = ninguém, 1992)

“Triste vocação a nossa elite burra se empanturra de biscoito fino” (Chuva de containers, 1992)

Mas talvez aquela que mais traduza o nosso mundo de hoje é: Vícios de Linguagem de 1995 (do disco Simples de Coração):

Tudo se resume a uma briga de torcidas
E a gente ali no meio, no meio das bandeiras
O jogo não importa, ninguém tá assistindo
E a gente ali no meio, no meio da cegueira
Tudo se reduz a um campo de batalha
E a gente ali no meio

Tudo se resume a disputa entre partidos
Lama na imprensa, sangue nas bandeiras
A verdade passa ao largo, como se não existisse
E a gente ali no meio, como se não existisse
Tudo se reduz, a uma cruz e uma espada

Tchê, de que lado tu estás?
Ninguém pode agradar os dois lados
Hey, it’s time to make a choice
We all want to hear your voice it’s true
Faça a sua aposta, tome a sua decisão

Tudo se produz na mesma linha de montagem
Apogeu e decadência na mais nobre linhagem
Votos de silêncio, vícios de linguagem, nada traduz

Hey, don’t you know that you are
In the middle of a war (yes, you are)

Tchê, de que lado tu estás?
Ninguém pode ficar no meio do tiroteio
Now it’s time to say whose side you’re on
Tudo se resume, se presume, se reduz

E o principal fica fora do resumo
O principal fica fora do resumo
O principal fica fora do resumo
O principal fica fora

E o principal
(It’s time to make a choice)…

Vivemos um momento em que ninguém se ouve, ninguém se entende e todos querem estar certos! Apontamos nos outros defeitos que nós também temos e qualquer coisa que você fale certamente vai ferir algum lado e você será alvo de cancelamento.

O mundo e as pessoas de hoje tem muita informação e nenhuma idéia do que fazer com ela.

“No dia-a-dia da nossa aldeia há infelizes infartados de informação. As coisas mudam de nome e continuam sendo o que sempre serão” (Além dos outdoors, 1987).

“Vivemos num país cedente um momento de embriaguez” (Somos quem podemos ser, 1989) – e de fato, o momento que vivemos é fato de embriaguez e a nossa nau chamada Brasil está mesmo à deriva!

About the author

Marlon Marques Da Silva

Humano, falho, cético e apenas tentando... Sou tio, fã de Engenheiros do Hawaii, torço pro Santos F.C. e não me iludo com políticos e religiosos e qualquer discurso de salvação. Estudei História, Filosofia, Arte, Política, Teologia e mais um monte de coisas. Tenho minha opinião e embora possa mudar, costumo ser aguerrido (muito) sobre ela e geralmente costumo ir na contra-mão da doxa.