Pensar sobre “o sentido da vida”.

Uma colega professora interessada em estudar aspectos do fenômeno religioso, me fez algumas perguntas, dias atrás, as quais gostaria de compartilhar com vocês minhas respostas, pois, me pareceu um momento de expressar algumas reflexões interessantes sobre “a vida, o mundo e tudo o mais…” . As perguntas eram direcionadas a um “ateu’ o qual ela pressupunha que eu era e realmente sou, mas, há muitas formas de encarar esse posicionamento…

1) Qual é o sentido da vida? Para que existimos?

A vida por si mesma não tem “um sentido inerente”, mas, se fosse possível afirmar algo sobre essa questão, observando a natureza sob uma perspectiva científica ou filosófica, poderíamos, talvez, identificar que a vida busca manter-se como tal, ou seja “a vida busca manter-se viva”, conectada a essa constatação é preciso levar em consideração uma visão que reconhece que há uma totalidade (Universo – Natureza) na qual tudo estaria integrado de alguma forma.
Nós (humanos) somos manifestações conscientes da natureza- universo e por termos a capacidade de refletirmos sobre nós mesmos, pensarmos nas coisas à nossa volta, podemos construir explicações racionais sobre a realidade (nem sempre suficientes ou satisfatórias), mas, também, sentimos e imaginamos e essas capacidades nos trazem um grande poder criativo que pode se manifestar através da arte, da religião e de especulações de cunho filosófico.
Em uma posição mais “prática” poderia dizer que o sentido da vida depende de escolhas que cada um faz para si mesmo, cada um constrói ou escolhe um sentido para sua própria existência, mas, é mais sensato levar em consideração que todos estamos integrados na totalidade e “somos o que somos”, pois, estamos em interação com um mundo. Podemos observar, também, que o “prazer” (de várias formas) e a “esperança de prazer”, movem entes vivos.
Particularmente, vejo como sentido para minha existência a busca constante de conhecimento, tentar compreender a realidade e, ao mesmo tempo, tentar transformá-la com arte-poesia e com propostas provindas do pensamento filosófico-sociológico e político, dentro de uma visão anarquista (nesse posicionamento lutar por igualdade e pela autonomia humana e contra qualquer tipo de opressão, violência e hierarquias de poder forçadas é fundamental), engendrando e tentando realizar propostas que possam melhorar a vida humana em sociedade e com relação às formas como tratamos as demais espécies vivas e a natureza como um todo. Penso que temos muita responsabilidade (dada nossa capacidade racional) diante da natureza da qual fazemos parte.
O amor por outras pessoas e demais entes vivos é algo que traz uma motivação muito forte, também e, certamente, é a base que impulsiona a busca de conhecimento e transformação.

2) Para você o que é fé? Você acredita em algo que seja maior que o ser humano, ou que o transcenda de alguma forma?

A fé, no sentido usual dessa palavra, está relacionada à crença de cunho religioso; o indivíduo que diz ter “fé” acredita em algo que pode ser inconcebível para a racionalidade, algo que não precisa passar pelo crivo da razão ou do pensamento criterioso, algo que não precisa nem mesmo ser observado ou comprovado segundo métodos científicos, pois, para ele o, próprio “acreditar” (a própria “fé”) é a prova que precisa, portanto a fé é como um sentimento muito forte que carrega um aspecto de sacralidade, como se esse sentimento tornasse a pessoa mais especial simplesmente por senti-lo e conectá-lo (de acordo com sua própria crença) a algo superior, no caso uma divindade que “existe” na mente imaginativa do sujeito.
Acredito que há algo superior ao ente humano sem dúvida, mas, não chamo isso de deus e muito menos penso ser algo “sobrenatural”, além de ser algo que podemos facilmente constatar com o pensamento racional ou que pelo menos pode ser explicado racionalmente: o Universo, a Natureza, o Cosmos, a totalidade, todas essas são palavras que significam a mesma coisa no sentido em que as estou empregando aqui, isso vai além de nossa individualidade, no entanto, ao mesmo tempo somos manifestações conscientes disso, o que filósofos antigos chamavam de o Ser (Onto) e que a tradição oriental de pensamento explorou poeticamente e até religiosamente nos discursos do budismo e do taoismo sem precisar recorrer à noção de “divindade” (no sentido de um deus criador). Na verdade os filósofos antigos explicavam o Onto (Ser) de formas variadas, identificando-o com a suposta “essência” (ou princípio primordial, archè) da phýsis (natureza), eu aqui considero a própria totalidade “Universo-Natureza” -onde a espécie humana está inserida- como esse “Onto” e, dessa forma, descarto a necessidade de uma “essência” apartada da totalidade, embora, certamente, como ente que sou, de acordo com minhas escolhas, estabeleça -para mim mesmo- hierarquias de preferência entre aspectos da realidade. Mas, fé em sentido religioso, isso não tem muito significado para mim; opto pela busca de conhecimento e, com relação ao que não posso afirmar com certeza, apenas digo “isso é provável” (caso realmente possa dizer isso depois de uma apurada reflexão filosófica), por exemplo : me parece provável que exista vida em outros planetas, agora, “se existe ou não”, isso não posso provar ou ter absoluta certeza, por outro lado, me parece improvável e sem sentido a noção de um “deus criador” (na perspectiva judaico-cristã islâmica) que seria anterior ao próprio universo e teria o gerado (para esse último ponto necessitaria de mais tempo para explicar os detalhes sobre esse raciocínio, mas, posso dizer sinceramente que é fruto de muito tempo de pensar sobre esse tema o que me levou a abandonar minha crença no cristianismo, embora, ainda admire a figura bíblica de Cristo como um “mito exemplar” -semelhante a mitos de religiões mais antigas e sobre o qual infelizmente não há provas suficientes de sua existência histórica, certamente por culpa da própria Igreja católica nesse caso- um mito infelizmente pouco compreendido e pouco “imitado” por muitos que se dizem cristãos).

3) Qual a sua perspectiva de futuro quanto à sua existência?

Gostaria de compreender mais sobre o mundo e dar minha contribuição positiva para a história humana e da vida nesse planeta, no sentido de buscar me aproximar ou pelo menos colaborar para a construção da possibilidade de realização de um ideal de liberdade em uma situação em que a humanidade possa usufruir dos conhecimentos produzidos por ela mesma e em harmonia com a natureza , distante da deprimente situação de exploração e estupidez em que vivemos hoje (no contexto lamentável do capitalismo). Não sei se conseguirei fazer alguma coisa em grande escala ou que tenha realmente relevante repercussão, mas, tento continuar em movimento, apesar de todas as dificuldades impostas pelas condições culturais-políticas e sociais dadas hoje no local em que vivo e no mundo atual, bem como as próprias condições de existência humana ( a finitude, por exemplo).
Sobre a questão da morte me parece ainda um problema em aberto, algo que deve ser pensado ainda com muito mais atenção pela filosofia e pelas ciências. Não posso afirmar que tudo acabe com a morte do corpo ( tal como definimos o que é “um corpo” hoje), mas, também, não reconheço a existência de algo sobrenatural que seja imaterial; se existir algo como um “espírito” ou “uma alma” (independente das complicações de definição que algumas igrejas fazem sobre esses termos, os quais possuem na verdade a mesma origem) tais deveriam ser compostos de matéria “de alguma forma”, uma matéria mais “sutil”, talvez, ainda não detectada pelos instrumentos científicos que possuímos hoje, quem sabe? Mas, o fato é que mesmo o termo “matéria” poderia, sem problemas, ser substituído pelo termo “ideia”, pois, são apenas expressões, o importante é compreender a conexão entre os fenômenos e entes, portanto, poderíamos muito bem dizer : tudo é matéria ou tudo é ideia ou até mesmo “tudo é deus”. O que me parece ilógico seria estabelecer uma dualidade de natureza no mundo do tipo: “o espírito é imaterial e sobrevive à morte do corpo material” ou ainda “um deus imaterial e perfeito gerou um mundo material e imperfeito” isso não faz, na minha opinião, sentido algum. Ainda podemos levar o problema para a questão de “o que é afinal a mente humana e a consciência?”, esses são problemas ainda não resolvidos. Filósofos como Schopenhauer diziam que temos a ilusão de que somos indivíduos por causa de nossa capacidade racional que tende a diferenciar e separar as coisas, atribuindo nomes e conceitos para tudo, esse seria o “princípio de individuação”, mas, no fundo a realidade é que “tudo seria manifestação de um mesmo “Ser” o qual ele (Schopenhauer) especialmente chamava de “Vontade” (um impulso que move a natureza como um todo e que seria a essência de tudo, uma espécie de “alma” do mundo, mas, que só toma consciência de si mesma através de suas manifestações fenomênicas, sendo o humano uma das manifestações fenomênicas, ou objetivação, da Vontade, em mais alto grau de complexidade conhecido), se aproximando muito de tradições orientais de pensamento; nesse sentido, então, não haveria realmente uma morte, já que a essência comum a tudo, (que se manifesta, também, em cada um de nós), permanece, ou seja, permaneceríamos de alguma forma, mesmo após a morte do corpo físico, já que na verdade o que realmente somos vai além da ilusória individualidade classificada pela racionalidade, embora, a racionalidade ainda seja nossa melhor capacidade para compreendermos a realidade. Mas, essa é uma longa e complicada história que pode ficar para uma outra oportunidade, uma outra conversa.

Paulo Vinícius

 

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Paulo Vinícius

Paulo Vinícius : Professor de Filosofia e Sociologia; Cientista Social.