Censura e direito de defesa

Mais um capítulo da saga que tenta distorcer os fatos nesse país. Há tempos assistimos imperar a hipocrisia dos que insistem em confundir direito de defesa – diga-se de passagem que exercido a posteriori – com censura.

O caso mais recente é o do compositor Tonho Crocco, interpelado pelo senhor Giovanni Cherini, sobre o conteúdo da música “Gangue da Matriz”, onde protesta sobre o aumento que os deputados estaduais do RS deram a si mesmos.

Não li o teor da representação, mas pelo que consta no noticiário e na página do compositor, trata-se de uma ação de repação por danos contra a honra.

ONDE ESTÁ A CENSURA? O clip continua disponível para quem quiser ver (nos links acima). O autor TEVE seu direito de manifestação e de protesto TOTALMENTE garantido. E TEM, repito, pois o clip segue no ar.

Com razão, ou não, TAMBÉM é um direito das pessoas acharem que sua honra pode ter sido atingida e buscar, NO LUGAR CERTO, que é a Justiça, o entendimento de que mereça reparação. Isso jamais se confunde com censura.

As apelações aos tempos da ditadura e outras tantas similares, feitas tão ao gosto da mídia em sua campanha para ser a única dona da verdade no país, estão surtindo efeito sobre as pessoas, que esbravejam sem analisar que os outros também têm direitos. Apela o senhor Tonho Crocco, talvez para conseguir mais 15 minutos de fama.

É nisso que está dando a criação do “Império dos Direitos”, no Brasil, ou do “politicamente correto”: as pessoas esquecem que têm deveres e que eventualmente poderão ter que responder por não cumprí-los. Concordo com o senhor Crocco quando protesta contra o aumento. Eu mesm o fiz. Mas daí a pensar que o senhor Cherini não tenha o direito de se defender, a distância é grande.

Tem havido muita hipocrisia, nesse país, quando se confunde, propositadamente, a defesa de um direito com censura.

Atualização [17:17h] Como disse antes – e de certa forma independe – não li o teor da representação. Mas acabo de ler manifestação do Dep. Cherini (NOTA OFICIAL SOBRE A MÚSICA GANGUE DA MATRIZ), autor da representação.

As emendas soem ser pior que os sonetos. Foi o caso. Por mais que fosse, à época, Presidente da Assembléia Legislativa, a iniciativa de representar é estritamente pessoal. Cargos não agem por conta própria, seus ocupantes sim.

Vir a público dizer “que a origem do referido processo foi um singelo ofício comunicando o ocorrido, feito pela Presidência da Assembleia Legislativa ao Ministério Público (de forma absolutamente impessoal), como se requer o exercício da função de Chefe de um Poder” é ultrapassar os limites da hipocrisia normalmente aceitos. Alega, ainda, que “Assim, fica clara a total falta de interesse pessoal do Deputado Federal Giovani Cherini no que diz respeito ao referido pleito.”.

Esquece o nobre então Presidente dos representantes do povo, que se nãoagia em nome próprio, agia em nome do povo. E o fez sem sequer se preocupar com aqueles a quem representa. Pior ainda é jogar aculpa para cima do Ministério Público, como afirma: “Desta feita, lembre-se que a ação penal contra o músico é movida pelo Ministério Público Estadual, que fez a denúncia; e que se a fez, a realizou por ter formado convicção acerca da existência de conduta criminosa por parte do músico”.

Falta com a verdade o nobre deputado. Não teria o agente ministerial se pronunciado não houvesse, previamente, a representação. Escrever, ou tomar a decisão de pedir que alguém escreva é um ato presonalíssimo, movido tão somente pela vontade pessoal.

É hipocrisia vir a público dizer que estava no “exercício da função de Chefe de um Poder”, memso que “referendado em Reunião de Líderes do legislativo gaúcho”. Esqueceu-se o deputado de que representa o povo gaúcho e, com certeza, o povo gaúcho sentiu-se apoiado, em sua indignação, pelo música.

Continua valendo o argumento de que a confusão entre censura e direito de defesa tem sido um mal para o Brasil. Tanto quanto o uso de argumentos como esse do deputado Cherini.

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Luiz Afonso Alencastre Escosteguy

Apenas o que hoje chamam de um idoso. Parodiando Einstein, só uma coisa é infinita: a hipocrisia. E se você precisou saber meu "currículo" para gostar ou não do que eu escrevo, pense bem, você é sério candidato a ser mais um hipócrita!