O que herdei dos meus pais e devo deixar para meus filhos?

Pois é,

Pesquisando na internet encontrei um dado de 2004: somente o Brasil produz algo em tormo de 45 milhões de metros de jeans e 204.207.000 de calças jeans. (fonte). A quantidade de água gasta para fabricar uma única calça jeans é de 151,4 litros. (“Segundo o designer da marca, Carl Chiara, o processo de lavagem normal para a fabricação de um jeans poderia gastar até 151,4 litros de água“).Ok! existem vários números por aí. Mas vamos tomar esses como exemplo, mesmo porque são fontes confiáveis, a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) e da Levi’s. Ainda segundo a Levi’s, para lavar uma calça jeans gastamos algo como 42 litros de água.

Pois bem, uma ducha normal, de boa qualidade, gasta entre 12 a 18 litros de água por minuto (fonte). Vamos abusar um pouco e usar 18 litros. Para concluir a etapa de dados, um bom e relaxante banho, com ducha a gás, leva em torno de 20 minutos. Agora as contas ficam fáceis.

Só no Brasil são gastos, por ano, para fabricar e lavar as calças jeans (considerando uma lavagem por semana): 30.916.939.800 l (para a fabricação) + 445.988.088.000 l (par lavar pelo uso). Somando, temos 476.905.027.800 litros de água. Isso mesmo, 477 bilhões de litros de água apenas no Brasil.

Euzinho, este que vos fala, gasta nos seus banhos (um por dia, pois vivo em terra fria) algo em torno de 6.570 litros/ano. Ufa! Fiquei tranquilo, pois isso representa apenas 72.588.284,29 dias, ou 198.872,01 anos da minha vida. Como o sol vai explodir somente a daqui 5 bilhões de anos, tenho tempo até lá. Dito de outra forma, o que se gasta para alimentar egos, com a produção brasileira de jeans, daria para 72,6 milhões de pessoas tomarem banho.

E como “Dois terços da população mundial em 2025 não terão acesso à água potável” (fonte), fico pensando: ok, vou fazer a minha parte e economizar água do banho para dar de beber a quem tem sede. Mais, vou fechar a torneira enquanto escovo os dentes ou faço a barba. E vou mijar no banho. Afinal, uma descarga gasta 20 litros. E vou apagar as luzes. Enfim, vou seguir, tim tim por tim tim, o roteiro da formiguinha. Vou preservar o meio ambiente. E, sacrifício dos sacrifícios, vou deixar de comer carne. Quem sabe assim o pum das vacas pare de poluir o ambiente.

Usei apenas um exemplo, o do jeans. Multiplique isso pelos milhões de exemplos onde a água é utilizada e terei que me manter vivo até quase o sol explodir. Pensando bem, até que será um fenômeno interessante, o suficiente para me fazer pensar em realmente mudar meus hábitos.

Mas Afonso, não se trata de economizar, o que queremos é uma mudança na “visão do mundo”; queremos que as pessoas tenham consciência de que estarão deixando um mundo ruim para seus filhos e netos e de que podem fazer alguma coisa para mudar. Sim, claro, lembro bem de 1972. Por sinal, lembro de coisas bem anteriores… Lembro do mundo que meus pais me deixaram.

Meus pais me deixaram à porta de um circo. Minha geração resolveu entrar nesse circo e atuar como os palhaços da vez. É, é como um palhaço que me sinto diante da tentativa de “fazer a minha parte”.  Como me sinto como um palhaço, com todos me olhando, cada vez que desfilo garbosamente pelo supermercado com minhas sacolas de pano, enquanto milhares não estão nem aí! Como me sinto como um palhaço, com todos me olhando, cada vez que coloco meu lixo, cuidadosamente separdo, para que o caminhão do lixo esmague tudo junto. Claro, minha consciência ficou tranquila por imaginar que pessoas poderão sobreviver pelo meu ato.

Cheguei a acreditar nessa baboseira toda. Mentira. As pessoas devem sobreviver pelas ações do poder público, que é pago pelo nosso trabalho. E não fazem. Lixo me sinto  a cada vez que digo “Filha, estás demorando muito no banho! Olha a natureza, deves economizar água!’ Palhaços do lixo e o que somos, todos os que defendemos o fazer a sua parte para que os demais usem e abusem do mundo tal qual querem e podem. E não adianta o argumento de que é mudando uma cabeça de cada vez que chegaremos lá. Antes disso o sol explodirá. Antes disso as empresas e a mídia já terão – como já estão fazendo – tomado conta da “causa ambiental” e vendido tudo quanto é porcaria sob o selo “nós defendemos a natureza”. E as pessoas simplesmente continuarão a acreditar nisso. E por quê? Por que é mais fácil enxergar um elefante que uma formiguinha.

Fazer a minha parte tornou-se gastar pólvora em chimango, como dizermos aqui no Rio Grande do Sul. Certo que continuarei a fazer minhas pequenas ações, mas não por acreditar num projeto, numa ideia, na natureza, mas porque algumas são qualidade de vida para mim e os meus. Ainda não cheguei ao ponto de ser ativo na destruição, mas não me peçam mais para ajudar a conservar.

Não privarei mais minha filha de seus banhos de meia hora enquanto corruptos de todas as espécies roubam meu dinheiro e … tomam seus banhos de meia hora (se fosse só isso…)

Foi esse o circo que meus pais me deixaram e esse será o mundo que deixarei para minhas filhas. Cabe a elas escolher, assim como coube a mim.

About the author

Luiz Afonso Alencastre Escosteguy

Apenas o que hoje chamam de um idoso. Parodiando Einstein, só uma coisa é infinita: a hipocrisia. E se você precisou saber meu "currículo" para gostar ou não do que eu escrevo, pense bem, você é sério candidato a ser mais um hipócrita!