Ponto de Mutação
Ao término de um período de decadência sobrevém o ponto de mutação. A luz poderosa que fora banida ressurge. Há movimento, mas este não é gerado pela força… O movimento é natural, surge espontaneamente. Por essa razão, a transformação do antigo torna-se fácil. O velho é descartado, e o novo é introduzido. Ambas as medidas se harmonizam com o tempo, não resultando daí, portanto, nenhum dano. (I Ching)
Li essa citação do I Ching quando, em 1982, lançaram a versão brasileira de O Ponto de Mutação, do Fritjof Capra.
Trinta e cinco anos passados e ainda penso não ter compreendido bem a parte final, quando diz que “ambas as medidas se harmonizam com o tempo…”, principalmente considerando que “o velho é descartado”.
Como harmonizar com algo descartado?
De toda sorte, passei a acreditar que estávamos vivendo (entrando) em uma fase inicial do ponto de mutação e que em breve poderíamos descartar “o velho” e introduzir o novo ou “um outro mundo é possível”, como diríamos anos mais tarde. E me engajei nisso.
Ledo engano meu. O que vimos, de lá para cá, foi o fortalecimento do velho, agora recrudescido em pleno 2017, quando vemos ataques fundamentalistas de todos os gêneros contra a cultura, contra a livre manifestação, contra os avanços sociais, contra podermos ser uma sociedade mais justa e equilibrada na distribuição daquilo que todos produzem.
Assistimos inertes, cotidianamente, a um congresso como há tempos não se via nesse país: fisiologista na mais perfeita e acabada definição do termo. Assistimos inertes, cotidianamente, a um Supremo como há tempos não se via nesse país. Chegamos ao ponto de poder dizer do STF que “de onde menos se espera é de onde não vem nada mesmo”. E assistimos, também inertes e cotidianamente, a um executivo como há tempos não se via nesse país: não há membro do qual se possa dizer que tenha reputação ilibada.
É o velho com uma força jamais vista! E não vejo como o novo possa ser “introduzido”. E mais, que possa se harmonizar com esse “velho”.
Por vezes me pego desejando que tudo isso signifique que definitivamente chegamos ao ponto de mutação, bastando, para que o ultrapassemos, que algum fato social substancial aconteça. Quem sabe, penso, sejam as últimas chamas até que virem brasas e, logo, cinzas.
Mas o que vemos? Vemos gente bradando pela volta da ditadura, pela volta do sempre velho método de resolver as coisas: a força.
Ando particularmente decepcionado comigo e com a espécie humana. Nada do que fizemos nos últimos 50 anos resultou na mudança do velho para o novo.
Vivi épocas memoráveis nos anos 60, 70 e 80. Mas de 90 em diante… Todas dominadas pelo “velho”…
É, acho que eu é que estou “velho”… E cansado…