Hypocrisis By Luiz Afonso Alencastre Escosteguy / Share 0 Tweet Pensei que morreria tendo visto, sentido, provado, intuído, ouvido e lido de tudo quanto fosse necessário para passar dessa para a outra “numa boa”. Mas não! O que me impressiona é a minha capacidade de ainda me impressionar com certas coisas que acontecem – ou são ditas/escritas – por aí. Percebam por si: “O uso excessivo da marca dilui o poder de distinção. Se eu começar a colocar o nome de Biblioteca Nacional em todos os estados, daqui a pouco as pessoas não vão mais relacioná-lo à biblioteca no Rio. É a mesma coisa”. “Os patrocinadores bancam esses grandes eventos em troca do direito de usar as palavras associadas a eles. Se for permitido que todo mundo use essas palavras, por que as empresas vão querer patrocinar? Estamos agindo de forma muito branda aqui no Brasil. Nos Jogos Olímpicos de Londres a lei foi muito mais restritiva”. Não imaginava a incrível capacidade que alguns advogados, orientados pelos seus clientes, têm de defender a pátria. A dos outros, claro. A colocação acima é parte do processo que o Comitê Olímpico Brasileiro – COB move contra as escolas pelo uso da palavra “olimpíada” (ver aqui). Que o COB seja uma instituição privada, tudo bem (“O Comitê Olímpico Brasileiro (COB) é uma organização não governamental de direito privado”). Será? Essa página do site do COB nos informa: “A Lei Agnelo/Piva, sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em 16 de julho de 2001, destina 2% da arrecadação bruta das loterias federais do país em favor do COB (85%) e do Comitê Paralímpico Brasileiro (15%). Dos 85% que lhe cabe, o COB investe obrigatoriamente por lei 10% no Esporte Escolar e 5% no Esporte Universitário, e o restante é aplicado nos programas das Confederações e do COB. Outros recursos são obtidos a partir de patrocinadores privados, doações e de convênio com os três níveis de Governo, viabilizando alguns dos projetos de desenvolvimento esportivo”. Mais: “Dos recursos para o esporte hoje no país, cabe ao COB administrar somente as verbas oriundas da Lei Agnelo/Piva, de seus próprios patrocinadores e de convênios firmados diretamente com governos”. Interessante a colocação da palavra “somente” nessa última frase. Talvez queiram dizer que não aceitam doações de particulares. Porque do resto, aceitam qualquer coisa. Assim como, para defender seus “próprios patrocinadores” ATIRAM sem dó nem piedade nos patrocinadores públicos. A causa em questão é o uso de palavras “capturadas” pelo COB: “olimpíadas”, “Jogos Paraolímpicos”, “tocha”, “chama”, etc. A mídia e os organizadores do evento foram obrigados a usar um absurdo neologismo tão somente porque não poderiam usar a palavra “olímpicos”. Temos, agora, os jogos “paralímpicos”. Eu disse: morro e não vejo tudo! Mas até aí tudo bem. Afinal, são instituições privadas (já vimos que nem tanto assim). Que se matem por nomes. É problema delas. Mas daí a querer exigir que se mude o nome de competições que nada têm a ver com os jogos gregos? Quer queiram ou não, COB, CBF e tantas outras, dizem defender o Brasil nas competições. É a bandeira do Brasil que é hasteada e o nosso hino que é cantado quando ganhamos uma competição. Se é o Brasil que está em jogo, por que o Brasil não pode usar livremente o nome “olimpíada”? A resposta é clara para todo mundo, menos para os engenhosos advogados e dirigentes do nosso “privado” esporte: querem privatizar – e qualquer dia desses conseguem – o nome “Brasil”. Brasil há de virar uma marca da Coca Cola, do MacDonalds, da Nike, ou de quem pagar mais para os comitês. Já não bastasse o que tem sido feito (aqui), agora mais essa: minha filha não poderá participar da “Olimpíada Nacional de História do Brasil” porque alguns donos das palavras não querem. Essa e tantas outras, tão importantes quanto às olimpíadas esportivas. Mas vamos aos argumentos da venda: “Estamos agindo de forma muito branda aqui no Brasil. Nos Jogos Olímpicos de Londres a lei foi muito mais restritiva”. Confesso que não encontro outra palavra para definir esse tipo de comparação, a não ser “imbecil”. Coisa de demente pensar que só porque em Londres foi assim, o Brasil deve ser igual ao “melhor”. Como alguém pode, em pleno século XXI, ainda se valer desse tipo de comparação? Em outras palavras, nosso destino é ser como os ingleses? Serão eles o parâmetro que mede o mundo? Será porque Greenwich fica lá? Será porque esses advogados e o COB pensam que não temos identidade própria e que, por isso, podemos ser submetidos ao bel prazer dos nossos “patrocinadores”? Vamos indo: “Se for permitido que todo mundo use essas palavras, por que as empresas vão querer patrocinar?”. O suprassumo da submissão! A língua pátria proibida de uso pelo próprio povo e suas instituições, tão somente porque algumas poucas empresas querem lucrar com elas. E com total apoio do COB, QUE RECEBE DINHEIRO PÚBLICO! Sequer pasmo fico. Deveria ficar? Pasmo mesmo, fico com mais essa pérola de argumento comparativo: “O uso excessivo da marca dilui o poder de distinção. Se eu começar a colocar o nome de Biblioteca Nacional em todos os estados, daqui a pouco as pessoas não vão mais relacioná-lo à biblioteca no Rio. É a mesma coisa”. Isso! Tomemos o povo como ignorante. Afinal, temos certeza que é. Sem comentários! Juro que não sei o que é pior: se o nível da defesa; se o nível dos dirigentes do COB; se o nosso nível ou se o nível das “patrocinadoras” nossas donas. Ao fim e ao cabo, dou razão às últimas. Por isso mandam e desmandam no que bem entendem nesse nosso varonil país. Estamos chegando a um perigoso limite: estamos vendendo nossa soberania em troca de bugigangas trazidas pelos “homens brancos”. É assim que se faz um povo servil: proíbe-se o uso da língua. Fizemos isso com os índios. Hipocrisia barata, nese caso, essa de defender “marca”.