O Show de Truman e o Instagram

Se você nunca assistiu o Show de Truman, eu sugiro que o faça antes de terminar de ler. Por dois motivos, primeiro porque eu darei spoilers abaixo e segundo porque todo mundo merece ver esse filme pelo menos uma vez na vida.

Bom, agora que você assistiu o Show de Truman e, assim como eu, ficou horrorizada, podemos começar.

Truman é um cara bacana, comum. Só tem um pequeno detalhe, ele nasceu em Seahaven, uma ilha cenográfica criada para que ele acredite que aquilo é a vida real. E como se não bastasse o cenário, todas as pessoas à sua volta são atores e todos os produtos são patrocinados. E assim, sua vida é um BBB desde o dia em que nasceu. Tudo captado por câmeras secretas e televisionado como uma novela.

Falando assim parece meio Black Mirror, meio futurista. Mas reparem bem, a única diferença entre Truman e os digital influencers é que o primeiro não sabia que estava sendo filmado.

Temos atualmente uma nova variedade de ocupação: Digital Influencer. O que poderia ser utilizado de uma forma bem construtiva. Já que passamos tanto tempo online, que aproveitemos para divulgar ideias legais e nos comunicar com mais pessoas do que poderíamos offline. O trabalho que a youtuber JoutJout faz, por exemplo, é muito admirável. – É uma influenciadora que aborda, de forma muito pé no chão, temas como auto-estima, relacionamentos abusivos, crises de cada fase da vida, etc.  –

Mas o que mais vemos por aí, infelizmente, são aspirantes a Truman. Pessoas que filmam e compartilham suas vidas “perfeitas” diariamente. E esse seria o entretenimento de seus seguidores e a propaganda de seus patrocinadores. Diversas marcas utilizam esses influenciadores para chegar até os consumidores. No filme, por exemplo, a esposa de Truman faz um “merchan” do achocolatado que eles tomam. E na vida “real” (entre muitas aspas) não é diferente.

A lógica é a seguinte: Maria é uma menina bonita que conseguiu milhares de seguidores por compartilhar diariamente seus treinos na academia. Juliana começou a seguir Maria porque quer ter um corpo igual ao dela. A marca “B” vende tenis esportivos. Eles mandam tênis de graça para Maria, que os filma e fala sobre suas vantagens no instagram e Juliana, que não conhecia a marca, agora pode se interessar pelos tênis.

Então Maria é vendedora de artigos esportivos? Não. O que Maria vende é o seu estilo de vida. E o que Juliana acha que está comprando é a vida de Maria, mas na verdade eram só tênis mesmo.

Essa história é triste para todos. Maria deve se policiar o tempo todo para continuar sendo o ídolo de seus seguidores. Ela não pode engordar. Não pode ficar triste. Não pode parecer fracassada em nenhum momento. E Juliana almeja ter a vida perfeita que Maria divulga na rede social. Viagens, roupas caras, um dia a dia muito divertido, restaurantes, corpo perfeito, etc. Mas pense. Se nem Maria tem essa vida perfeita, imaginem Juliana.

E nós, quer sejamos Juliana ou Maria, assistimos e participamos de todo esse teatro comercial. Somos estimulados todo o tempo a comprar uma felicidade que não é nossa, uma felicidade construída para nós como ideal. Mas ideal para quem? Com certeza não é para o sujeito que está pagando a vigésima quarta prestação do carro cuja propaganda mostra uma família feliz viajando.

E assim como no final do filme Truman diz: “você não tem uma câmera na minha cabeça”, a sociedade também não nos enxerga por dentro. Só nós temos o poder de acessar nossa câmera interior e descobrir o que realmente é felicidade para nós. Que sejamos todos Truman e que consigamos sair da ilha da ilusão.

 

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beaschau

Apenas mais um mamífero com telencéfalo altamente desenvolvido que decidiu largar o Direito para cozinhar e escrever.