Praguejando By Gilberto Agostinho / Share 0 Tweet “Se não podemos escrever com a beleza com que Mozart escrevia, ao menos tentemos escrever com a sua pureza.” – Johannes Brahms Obviamente Brahms se referia à arte da composição, e não à da escrita propriamente dita. Mas não há nada melhor do que começar um texto sobre Wolfgang Amadeus Mozart do que com um jogo de palavras, tal como ele fazia frequentemente em suas cartas. A motivação para este texto surgiu quando eu revi o fantástico filme “Amadeus”, dirigido por Miloš Forman em 1984. O filme é baseado na adaptação feita por Sir Peter Shaffer à partir de uma pequena peça de Aleksander Pushkin, chamada “Mozart e Salieri”. Mas comecemos com o realismo e então passemos ao romance. Wolfie nasceu em 27 de janeiro de 1756 em Salzburg. Desde muito cedo tornou-se evidente o seu grande talento para música, algo que seu pai Leopold, violinista e compositor, não demorou a notar. Leopold fez excursões e mais excursões pela Europa com seu filho. Seu pai foi seu primeiro e único professor, ensinando ao jovem Mozart tanto música quanto línguas e outros variados assuntos. Mozart compôs sua primeira peça para piano aos cinco anos, sua primeira sonata aos seis, sua primeira sinfonia aos oito e sua primeira ópera aos onze. Sua música possui uma fluência inigualável. Mozart não dá sustos, Mozart rema, mas ao mesmo tempo é contrastante na medida correta, nunca sendo óbvio. Esta é a minha honesta opnião sobre a sua música, e eu assino embaixo da frase já citada por Brahms. Wolfie, ao contrário da crença popular, compôs muitas obras trágicas. O que dizer de seu Requiem, ou do Don Giovanni, ou da Sinfonia No.25 ou mesmo da ária “Der Hölle Rache kocht in meinem Herze”, da sua Flauta Mágica? Também ao contrário do que está na boca do povo, Mozart possui obras difíceis de se ouvir, ou ao menos foram para a “seleta audiência” de seu tempo, e não é à toa que este morreu completamente pobre. Tentem encarar os primeiros compassos do seu Quarteto de Cordas No.19 “Dissonâncias”. Mozart foi um grande inovador, elevando o classicismo ao seu auge. Com seu temperamento brincalhão, entrou para a história como o primeiro compositor a usar a técnica da politonalidade na sua hilária “Piada Musical”, K.522, ou com o seus minuetos que eram criados ao jogar-se dados. Foi talvez o primeiro compositor a utilizar o conceito de série, algo notado por Arnold Schoenberg em uma de suas cartas. Vamos então falar da ficção. “Amadeus” não é uma biografia e, aliás, passa muito longe disto. Muitas das frases atribuídas a Mozart no filme são falsas, bem como grande parte da sua personalidade e, obviamente, a trama é completamente fictícia. Apesar destes poréns (e que grandes poréns), o filme é excelente. Este filme não deve ser visto como uma biografia, mas sim como uma obra-prima sobre a inveja e o orgulho. Mozart é, neste caso, irrelevante, e o filme poderia se passar em um cenário completamente diferente. Mozart não é o centro do filme, tampouco Salieri, tampouco a sociedade vienense do século dezoito, e é por não notar isto que muitas pessoas odeiam este filme. A personalidade de Wolfie era muito bem humorada, talvez às vezes vulgar, mas não tão exagerada como o filme mostra. Mozart era capaz de escrever coisas como: “Eu me importo muito pouco com Salzburg e nem um pouco com o arcebispo: eu cago em ambos.” – em uma carta ao seu pai Mas não é simplesmente assim que ele é retratado no filme. O Mozart hollywoodiano possui uma risada histérica e patética, uma personalidade egoísta e nada o emociona além da sua música, algo que não pode ser provado por nenhuma carta sua ou de terceiros. E o pobre Antonio Salieri? Salieri foi um músico com uma carreira invejável, sendo talvez o favorito em Vienna no seu tempo. Seus grande mérito foi como professor, ensinando nomes como os de Beethoven e Liszt. Salieri retornou do seu silencioso esquecimento para se tornar um grande vilão. Mas nada disto me incomoda, justamente pelo filme ser uma obra prima sobre estes sentimentos baixos. As atuações são impecáveis, e o velho Salieri, à beira da loucura por sua inveja e seu arrependimento, é realmente tocante. A visão de um Mozart infantil vem da cabeça de Salieri já velho e louco, e é sob esta ótica que temos que assistir ao filme: o Mozart ali retratado não é, necessariamente e, provavelmente, como ele foi. Com pitadas de humor, Forman leva o filme com uma elegância extraordinária. E o grande argumento de seus críticos, de que o filme iria denigrir as imagens de Mozart e Salieri, pode ser respondido com uma simples frase: quem é que se importa com Mozart e Salieri? Bem, as pessoas que ouvem Mozart para “relaxar” não irão sofrer dano algum se acreditarem em tudo o que o filme diz. E alguém que ouve música de maneira séria provavelmente saiba muito da biografica deste compositor. Então os chatos, e superficiais, voltam ao ataque, e dizem: “E Salieri? Ele ficará para a história como um vilão!”. E eu respondo: quem foi Antonio Salieri? Como você soube da sua existência? Salieri só entrou para a história por conta deste filme, e ponto final. Enfim, eu recomendo este filme à todos vocês. Para dar um exemplo da maestria com que Forman mistura humor com tragicidade, dêem uma olhada neste pequeno trecho do filme, fazendo o favor de desculpar as legendas em neerlandês. Vale a pena notar que “Amadeus” foi filmado quase inteiramente em Praga, e todas as cenas de dentro do teatro foram filmadas no famoso Teatro Nacional de Praga, aonde Mozart estreiou seu Don Giovanni. Então assistam ao filme e deixem os seus comentários por aqui. * * * Caros amigos, uma pequena nota antes de terminar – depois de um longo silêncio eu volto a escrever algumas linhas por aqui. O motivo do meu silêncio é razoavelmente nobre: eu me inscrevi para o exame da Academia de Música de Praga, o qual ocorre no final de janeiro. Não é nada fácil ser aprovado para estudar nesta instituição, e os exames são famosos por serem muito difíceis. Eu preciso estudar quatro peças ao piano, finalizar meu quarteto de corda e iniciar (e terminar) uma abertura orquestral, além de revisar composições antigas. E como se não bastasse, o exame será em tcheco, idioma o qual eu falo tão bem quanto a Leticia (sem acento) Wierzchowski fala o espanhol. Pois por isso eu continuarei um tanto ausente até fevereiro, quando eu espero poder ter minha vida normal de volta. Até lá, vocês podem contar com uma ou outra resenha aqui no OPS!, mas sem a frequência semanal de publicações que eu até então vinha tendo.