Diálogos entre paradigmas By Marcos Bidart de Novaes / Share 0 Tweet Em fevereiro deste ano terminei meu doutorado e a introdução de meu trabalho versava sobre o choque paradigmático que dá as margens para a atual discussão sobre sustentabilidade. Na verdade, o que acredito é que devemos superar o choque e colocar os paradigmas que vou expor abaixo para dialogar. Colocá-los para competir vai gerar inevitavelmente a vitória do paradigma da competição, mais afeito a guerras e batalhas. Já colocá-los para dialogar aumenta as possibilidade do paradigma da cooperação, pois diálogo é aceitação do outro e da opinião do outro. Diálogo é cooperativo. A seguir então trecho da introdução de meu trabalho, ainda inédito. Quem desejar depois saber quais são as referências coloque nos comentários. Vou evitar aqui um excesso de academicismo. Alguns podem não gostar do final do texto, na qual é proposta uma maior ação estatal. Podemos entender exatamente o contrário, que só com o fim do Estado como o conhecemos hoje a próxima revolução é possível. A conciliação destas questões passa por construir um novo Estado, realmente democrático e participativo e não serviçal dos interesses financeiros. Vive-se hoje uma época de preocupação existencial sobre como evitar riscos de grande escala provocados pela ação humana, riscos estes que podem afetar a todos no planeta (BECK, 2007). A sociedade e o indivíduo, em maior ou menor grau, dependendo da informação e exposição a estes riscos, receiam explosões de plantas nucleares, o uso indevido de artefatos nucleares ou armas químicas e ataques terroristas de grandes proporções. Temem-se também inundações em cidades costeiras causadas pela elevação do nível do oceano e outros riscos relacionados ao aquecimento global e mudanças climáticas. Não menos assustadoras são as perspectivas de grandes fomes, distúrbios sociais e migrações em massa causadas pelo aumento de preços de gêneros alimentícios básicos em função de problemas ligados ao clima. Discutem-se também possíveis riscos escondidos nos processos de desenvolvimento da biotecnologia, da medicina genética e reprodutiva e outros, conhecidos e desconhecidos, inerentes ao desenvolvimento tecnológico e ao acúmulo de resíduos na terra, mar e até na atmosfera. Torna-se cada vez mais evidente que a cooperação ou o choque entre interesses individuais e coletivos determina como a sociedade se expõe ou evita a possibilidade de catástrofes, que a coloque em risco de extinção total ou parcial. Assiste-se a uma competição aberta entre indivíduos, empresas e países incentivada pelo próprio sistema capitalista neoliberal e sua base na economia neoclássica. Esta competição dificulta o foco em problemas comuns da sociedade. Neste contexto ocorre também o recrudescimento da contradição dialética entre o paradigma dominante do expansionismo capitalista e sua antítese, o paradigma que pode ser chamado de ecossocialista, que hoje se manifesta na forma e força dos movimentos sociais (SANTOS, 2007). O primeiro paradigma encontra-se com mais de quinhentos anos de história e pujança, e em permanente renovação após ter passado por quatro grandes fases. Em seu momento histórico atual proclama o iniciar de um novo ciclo que segundo seus defensores pode trazer benefícios à maioria da população mundial. Estes viriam na forma de avanços na medicina genética, na nanotecnologia e na computação na nuvem, por exemplo. O início da história deste paradigma é o mercantilismo, durante o qual ocorreram as primeiras duas grandes fases. A primeira nas cidades de Gênova e Veneza, monopolistas no século XV do comércio oriundo do Oriente. Seguiu-se a segunda fase, com a penetração por oceanos desconhecidos de comerciantes holandeses, espanhóis e portugueses. Tanto a primeira fase quanto as aventuras no ‘além mar’ exigiram grande mobilização de capital e o foco em rentabilidades em prazos cada vez maiores. Provocaram também o surgimento de novas estruturas empresariais. A história deste paradigma tem continuidade com terceira fase, a revolução industrial e o início do poderio inglês e depois norte-americano, europeu e japonês. Esta fase imprime, com suas características liberais e individualistas novos contornos ao capitalismo (HUGON, 1972). No final do século passado se iniciai a quarta e atual fase do paradigma dominante, que poderia ser chamada de revolução financeira, ou o chamado neoliberalismo, caracterizado pelo poder dos fundos de pensão e fundos de investimento e pelo surgimento de uma pluralidade de novos instrumentos financeiros. É nesta fase que pela primeira vez são utilizados os swaps, trocas de dívidas realizadas pela em 1981 pelo banco Salomon Brothers, bem como os derivativos e a securitização de recebíveis. Estas inovações financeiras tornaram-se operações vitais para o sustento do capitalismo, só passando a ter seus fundamentos questionados com a crise de 2008, que de certa forma ainda deixa seus rastros nos dias de hoje. Como afirma Medeiros (2010), o neoliberalismo passou a ser a partir dos anos 1990 um projeto hegemônico dos países desenvolvidos, acompanhado por sucessivas crises externas entre os países periféricos, reintroduziram a polarização centro-periferia em outras bases, com particular ênfase em suas dimensões patrimoniais e financeiras. Pode-se considerar que a antítese do paradigma acima, o chamado paradigma ecossocialista, tem suas origens nas ideias do romantismo e mais tarde do jovem Marx (1983), inspiradas no socialismo utópico de Saint-Simon, no cooperativismo de Fourier e Owen, e em alguns anarquistas, como Proudhon. Apenas para contextualizar o ideário ecossocialista baseado no romantismo inicial e que se relaciona com o que aqui será chamado de sustentabilidade, pode-se recordar Rousseau (1986, p. 71). Este autor em sua proposta para uma nova constituição para a Córsega alertava para o fato de que “na medida em que aumentar a população da ilha e se multiplicarem os desflorestamentos, haverá nos bosques um rápido desgaste que só muito lentamente se poderá remediar”. A solução proposta pelo autor francês diante deste problema, “não estava na proteção integral dos bosques devido ao seu valor intrínseco, e sim no seu uso previdente e racional” (PADUA, 2005, p. 63). Com a queda do muro de Berlim a abordagem marxista ortodoxa entra em crise e surgem concepções heterodoxas do marxismo, o que se convencionou chamar de ‘novos movimentos sociais’. Estas concepções se afastam em variados graus de dos pressupostos marxistas originais e propõe novos referenciais para entender os fenômenos políticos e sociais. “Os estudos e teorizações sobre os movimentos sociais vão, paulatinamente, abrandando o peso das determinações estruturais e assumindo pressupostos teóricos que dão maior autonomia de ação aos atores sociais” (PICOLOTTO, 2007, p. 160). Como consequência desta contradição dialética entre os dois paradigmas apresentados, surgem novos conjuntos de ideias econômicas, apoiadas em assunções distantes tanto da ciência econômica tradicional quanto do marxismo ortodoxo. Incluem-se aqui os escritos de Sachs (2000, 2004) e Sem (2000). Destacam-se também outros autores que, neste trabalho, são considerados as principais referências, como McKibben (2007) e suas ideias sobre economia profunda e Söderbaum (2000, 2008), que escreve sobre a emergente economia ecológica. Observam-se outros frutos sintéticos destes choques paradigmáticos entre ideários econômicos, mas também entre convicções sociais, políticas e estéticas conflitantes. Começa a ser proposto com clareza que as nações desenvolvidas precisam liderar mudanças e isto provoca o que Giddens (2009) chama de um retorno ao planejamento estatal. As reformas necessárias apenas são possíveis com amplo apoio dos cidadãos, dentro de um contexto de participação democrática e do que a sociedade ocidental entende como estado de direito. É o Estado que pode ajudar a formar visões de longo prazo e formular os planos para atingir tais visões, conforme a visão de Giddens (2009) e de outros autores Furtado (2004) ou Veiga (2010). Furtado (2004, p. 484) afirma claramente sua visão de que só com um projeto social claro, conduzido pelo governo, crescimento econômico pode se transformar em desenvolvimento. “[…] essa metamorfose não se dá espontaneamente. Ela é fruto da realização de um projeto, expressão de uma vontade política.” Ou seja, o que pode ser feito pelo Estado em termos de questões ambientais e sociais, além das culturais e tecnológicas, dependerá de apoio político de uma ampla massa de cidadãos.