Navegando no Cotidiano By Luciana Santa Rita / Share 0 Tweet Sinto sua falta, porque apesar de puxar meus cabelos, você me fazia carinho a noite. Mesmo me chamando de idiota, você cantava músicas de ninar para mim. Você me protegia” (Frase de Valéria para Bruno no filme “La prima cosa bella”) No Brasil essa comédia dramática recebeu o nome de “A Primeira Coisa Bela” e, quando recentemente assisti, pensei que talvez, fosse a história de vida de muito de nós. No filme, Bruno é um frustrado professor de literatura em uma escola de hotelaria em Milão, atormentado por aquilo que um dia considerou bom, como a mesa posta. Mergulhado em lembranças de sua mãe que abandona o seu pai, ao tempo em que é coroada em uma festa como Miss Mama e passa a ter uma conduta amorosa questionada, Bruno nunca consegue voltar as suas origens edipianas. Após um longo afastamento de sua mãe, é informado por sua irmã sobre o fim que aproxima a figura materna. Sua mãe, mulher, outrora, sublime e extrovertida, é no presente uma doente em estágio terminal que deseja morrer dando ênfase à vida, percebendo o que importa até no fim, sem renegar aquilo que viveu. O roteiro não é inédito e pode ser considerado um grande dramalhão italiano, diria até distante das grandes obras de Fellini, mas nos apresenta a sensação do valer a pena, independente do desfecho inédito do silêncio que não se submete a frase marcante do filme: “Mama! Por que eu sou tão triste? Acredito em laços inacabados ou que nunca é tarde demais para percebemos o que é importante nas nossas vidas e, assim, lutarmos por isso .Quando não há a percepção para buscar “o que está além dos montes”, a vida fica semelhante a um feriado frustrado sob o olhar da chuva. É como olhar longamente para um abismo e não pensar que o abismo também olha para dentro de nós, como diria Nietzsche, acreditar no atalho é “não colocar o peso da vida na própria vida, mas sim no “além”. Quando não conseguimos perceber o laço desfeito ou o que nos move, podemos ficar lá sem colocar montanhas onde não há nenhuma, não como um sobrevivente de uma desatenção materna, mas inerte em enfrentar o momento atual, imune a morfina humana, fingindo-se de vivo no IML. Diria despreparado para o pior da vida. Continuar com a percepção de que o sinal continua fechado e que viver dói, é andar sem a capacidade de esgotar a frase do nunca poderá ser ganho, apenas aceito. Sem entender que o sinal já mudou e a vida continuou. Sem entender que a distância nem sempre nos faz dormir tranqüilo e, muito menos, é capaz de reconstruir as perdas em si. Falar em fracasso em qualquer relação é como rebobinar o tempo para se perder na sensação de que nada valeu. Não é uma questão simples à medida que a subjugação do outro é só um problema do convencimento. Às vezes, há razões para os desencantos e em outras, apenas não é o momento do encontro. Penso que em um mundo em que poucos têm paciência em insistir no que restou, qualquer um que cumpre um ritual de busca da lembrança perdida, quebra o protocolo da normalidade contemporânea, visto que só o acabado ganha o título de obra-prima de Michelangelo. Com tal, o inconcluso é a fraqueza. E o desejo por novas lembranças é sempre o best-seller de superação. Lembro de uma frase de Simone de Beauvoir onde ela coloca que temos amores necessários e contingentes ao longo da vida. Nem sempre conseguimos petrificar o que vale a pena reviver, resgatar o laço e a sua segunda chance, pois o que incomoda é muito mais fácil de eliminar, simples de deixar de existir, independente de ser ou não o primeiro sintoma da vitória da invisibilidade, Sempre acho que jogar mala sem alça sempre é o caminho mais perto da idolatria do consumo emocional, do ponto final da sacola de verão quando as férias acabam, mas o amor de verão continua. E quando tudo parece no controle é fácil ser como Vinícius de Moraes, agir como um cachorro sem dono. Mas como tudo na vida, o que vale a pena nem sempre é percebido na mesma sintonia de almas, pois há lembranças que já valeram ou não valerão. É como ter papel de carta para comprovar a adolescência, mas não encontrar onde guardou. É pensar que algo não se findou. Sem entender as razões dos laços inacabados, ficamos presos a situações que nos encolhem e não nos levam a um amadurecimento, mesmo sabendo que a vida precisa por um fim. Sem avançar o sinal verde, parado no amarelo, colocando o outro em uma condição de titular de conselho fiscal. É como procurar a memória em final de prova de cálculo e encontrar a página em branco. Já fui de me encantar com a visão dos fortes, entendendo e descartando o que achava que não valia, de forma como se faz com a caneta BIC quando se chega a metade, mas com o tempo aprendi a dificuldade de se lidar com a cegueira presumida. Já valorizei os excessos, as caricaturas e até os blefes, mas no nocaute, quem estava lá, não era quem eu desejava, mas quem tinha que estar por força do DNA ou porque também aguardou a resposta do silêncio. E assim, já defino o que vale a pena sob outra dimensão, não meramente cultural, biológico mas sim necessário para querer saber o que é verdadeiro nos laços. De um lado, a vontade é descartar a lembrança, minimizando os momentos que demoraram para serem constituídos ou mesmo desprezando-se aquelas flores colhidas debaixo da neve do inverno. Algo semelhante ao definido em certa ocasião por Cazuza: “Tem coisa que eu deixo passar. Não vale a pena. Tem gente que não vale a dor de cabeça. Tem coisa que não vale uma gastrite nervosa. Entende isso? Não vale. Não vale dor alguma, sacrifício algum.” Por outro, me comovo com Clarice Lispector quando ela pontuava: “Sou apego pelo que vale a pena e desapego pelo que não quer valer.” Penso que definir o que vale as nossas lágrimas e sentimentos também se aprende, assim como o resgate da intimidade, sem correr do desconfortável e, também, não fugir do segundo passo. E lembrar que a posse da verdade absoluta nem sempre importa.