Quando precisamos de ”ilusão photoshop”


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Estamos tão acostumados a nos disfarçar para os outros, que, no fim, ficamos disfarçados para nós mesmos.”(François de La Rochefoucauld)

Essa passagem é de um livro de um escritor francês,  não necessariamente otimista com a humanidade, mas que acreditava que a necessidade de admiração do homem se situava por trás de toda atitude de bondade, felicidade, sinceridade ou mesmo de gratidão ao outro.
Justapondo essa questão, essa semana, deparei-me coma seguinte reportagem: “Sem maquiagem, Julia Roberts sai para jantar com o marido”. Na visão moderna da “Medusa Mitológica”, a atriz tinha deixado a magia, o fetiche e o glamour de lado, assustando a si mesmo, pois aparecia em uma foto com detalhes faciais ao natural. A beleza não era posta de lado como coisa gratuita, mas como idolatria a perfeição humana. Pedia-se  a ilusão, o disfarce.

Naquele momento, lembrei do Livro de Naomi Wolf sobre o “Mito da Beleza” que destaca que  o culto à beleza altera a imagem da mulher, oscilando entre a vaidade e o horror, como autoretrato involuntário  à resistência física  que, de certa forma, acomoda as conquistas de anos de embates feministas à insígnias ilusões do retrato.

Neste contexto, como água-viva contemporânea, a beleza versus a aparência da realidade termina sendo usada contra as mulheres. Sem nenhum sentido humano, como se a vida fosse o fracasso da imagem, gerando-se uma antítese à questão filosófica (que, aliás, foi constituída na argumentação sobre o real, rejeição ao ilusório e ao falacioso),  fugindo-se, assim, da  falsa aparência.

Várias perguntas povoaram meu pensamento, entre elas, por que precisamos capturar o instante? Percebo que as fotografias digitais só revelam o que permitimos, pois mesmo no  pior dos mundos, clica-se e posta-se nas redes sociais o melhor das Cinderelas.

É como se a fotografia revelasse a razão imutável do bem-estar, que reina de forma imperativa para se transbordar felicidades. Seria como se tivéssemos que ir, além do espelho para saber quem somos e perguntar se é possível ser feliz ou ser amada ao natural. Como se a fotografia fenomenal e ilusória abrandasse a tristeza ou concedesse passagem ao amor.

Como se coreografia física a um padrão exigido, seja de beleza ou de costumes estereotipados,  bem chatos e carregados de sequências modistas pouco originais,  fossem usados apenas para satisfazer o público. Como um Don Quixote tentando se caracterizar como cavaleiro andante, contrariando a realidade da aldeia. E não suportando a perda, se repete em aventuras imaginárias.

Inversamente, o desejo particular de se preservar é o que  tem sentido na demonstração física da fotografia alterada. O desejo de mostrar para o outro que está tudo bem, mesmo que por trás da vida perfeita esteja a desordem mental, a bagunça, a base ou até a plástica nos sinais.

Vejo nesse desejo a busca pela ignorância, pela ingenuidade da imaginação e do mito perfeito. Levando a ausência do direito de ser, como se é. Como se existir de forma natural fosse à trava de uma função natural a felicidade.

E, assim, o olhar humano determina o papel da ilusão.  Podendo vê-la assumida na popularidade do facebook e do instagram. Diria que conseguimos matar até o Iluminismo, concebido como um instrumento capaz de apresentar a realidade, libertando os homens das trevas da ignorância da imagem.

Outro dia, caminhando na orla da minha cidade, encontrei uma conhecida e falei como o cabelo dela estava bonito e, impulsionada pelo reflexo da conversa que não teria muita continuidade, ela disse: “é porque você não viu como ele estava lindo na foto que postei ontem no facebook”. Achei estranho, pois era como se a imagem do dia não fosse a real.

Lembrei que na minha adolescência já era normal o book de fotos, não para capturar o momento, mas para encontrar a imagem desejada para o porta-retrato. Mas, agora, não se trata de uma simplicidade, mas algo do tipo: não passe por mim sem ver a coleção de imagens ou eventos perfeitos ou só me conheces em circunstâncias determinadas, idealizando-se, assim, uma confusão de identidades.

E como uma convidada de honra aos efeitos mais que especiais, só se divulga o que se gosta. E aí, ser o que se é, só tem a ver com os retratos amarelados que na virtualidade não se curtiriam, mesmo porque não existia, ainda, a escova progressiva.

Sinto falta da revelação da Kodak, pois quando dividimos espaços com a dinastia do photoshop do “Eu sou assim”, penso que representamos o maior perigo do viver, aquele que nos exigem máscaras que só disfarçam  e não permitem voltar à dimensão antiga das nossas lembranças.

Não se trata de fazer apologia a passado, mas retratar o nosso “eu” em fotografias antigas, parecia um lugar seguro. Na atualidade, essa sensação pode ser tão real e tão fantasiosa quando as amizades virtuais, que podem ser intensas sem, revelar o que há de pior em nós.

E com a imagem que se posta no facebook ou instagram, espera-se, sem ambiguidade, que o outro nos escolha como referencial de sucesso. Às vezes, acordados, sem esperança, desamparados no mundo real e magoados com o tempo real, aliviando-se algumas dores com o mundo virtual que é criado. Só que depois do efeito “curtir e comentar”, as dores reais continuam por lá.

Altos e baixos da imagem são semelhantes a um zíper, que permite fazer prevenção do desastre e abrir a passagem como general a um rebobinador de fitas, a um vídeo-cassete. Não geram mais as expectativas da revelação, bem como a aceitação do feio.

Por um lado, as mídias sociais nos concedem um pouco de ilusão para proteger todas aquelas camadas anteriores conflitantes da nossa identidade. Aliás, como um sabonete, feito, em especial, para retirar as marcas do roxo da queda, mas que no final da postagem pode não libertar a decepção da cicratriz.

Por outro, a bela foto poderá até apagar provisoriamente as máscaras que usamos no dia-a-dia. Mas o lado nefasto não revelado nas imagens, continua lá, semelhante a frase que diz que: “A realidade supera qualquer ficção”.

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Luciana Santa Rita