Com a divisão conceitual entre natureza e meio ambiente, apontada por Beck (1992), criaram-se outras cisões. De acordo com Banerjee (2003) em algum momento na modernidade e em seus processos linguísticos, a natureza foi transformada em ‘meio ambiente’. Esta mudança de significados refletiria uma busca por tornar processos de proteção e controle mais compreensíveis e por inserir o homem em um ‘meio natural’. À medida que o homem passou a ser compreendido como separado da natureza, a dominação e transformação da mesma tornou-se um indicador-chave do progresso e da capacidade de realização do ser humano.
A cisão entre o considerado como natural e o cultural ou social já provém da tradição iluminista e vem sendo largamente criticada como responsável pela vasta degradação da natureza (DUNLAP; CATTON, 1979). Os mesmos embates subsistem até os dias de hoje. De um lado, encontra-se uma lógica racionalista e objetivista, com suas pressuposições de que é possível um desenvolvimento sustentável baseado em progressivas descobertas científicas e por trás da qual ainda se percebe o conceito de separação do ser humano da natureza. Por outro lado, a desconfiança de que esta maneira de pensar seja apenas o que MacNaghten e Urry (1998) criticam e chamam de instrumentalismo ambiental. Esta abordagem instrumentalista seria, segundo seus críticos, determinada apenas por interesses individuais ou coletivos que avaliam impactos ambientais por meio de análises de custo e benefício tradicionais e outros mecanismos de mercado marcadamente financeiros e econômicos, privilegiando a lógica alocadora tradicional. Banerjee (2003, p, 154) critica este pensamento caracterizado por pressuposições de que os indivíduos e organizações pesarão os custos e benefícios de seus diferentes comportamentos e, uma vez apresentados aos fatos, entenderão que é de seu melhor interesse comportar-se de forma ambientalmente correta.
Gladwin, Kennely e Krause (1995) apontam para uma epistemologia ‘fraturada’ como a causa da divisão entre homem e natureza nos estudos organizacionais e sugerem a necessidade de um paradigma integrativo para superar os confrontos entre diferentes visões do que seria um desenvolvimento sustentável. Podem-se encontrar defensores de uma corrente ou paradigma tecnocêntrico para o desenvolvimento sustentável, que se baseia em um planeta inerte e passivo e que se deixa explorar e manipular sem esboçar reação. As soluções para os problemas ambientais viriam do progresso científico. Em completa oposição, encontram-se os defensores de um paradigma ecocêntrico, que vê o planeta como uma grande mãe que a todos nutre, como uma teia de vida sensível, frágil, mas que pode se tornar vingativa, na qual os seres humanos estão imbricados. Este paradigma propõe a imediata suspensão do crescimento econômico na forma que conhecemos como solução dos problemas ambientais e sociais de longo prazo.
Como consequência da disputa acima surge, então, de forma sintética e dialética, uma terceira visão. Esta nova visão, a sustentocêntrica, ajudaria na superação destes aparentemente irreconciliáveis pontos de vista, que parecem aprisionados em mecanismos de negação mútua e confronto aberto. A posição sustentocêntrica se forma a partir de indícios da aproximação entre um tecnocentrismo verde e um ecocentrismo que aceita determinadas formas de desenvolvimento. A primeira posição fala de empresas com emissão zero de resíduos sólidos, líquidos e gasosos. Este patamar de emissão zero seria atingido por novas formas tecnológicas revolucionárias como os processos reversos de consumo, em que o destino final de produtos é de responsabilidade das empresas, para reciclagem ou reaproveitamento como matéria prima em outras indústrias (PAULI, 1999). O ecocentrismo não radical aceita um ecodesenvolvimento com determinadas práticas que podem ser consideradas organizacionais tradicionais.
Para apoiar os fundamentos deste novo paradigma, Gladwin et. al. (1995) baseiam-se, entre outros, em autores da psicologia transpessoal, integral e humanista. Estes autores que propõe de forma metafórica, talvez inspirada nas origens do romantismo que a Terra seja considerada como a morada de todos. Na qualidade de nossa casa, deve ser mantida limpa, saudável e gerenciada de forma correta para a sobrevivência e bem estar comuns. O novo paradigma ‘sustentocêntrico’ pode ser resumido na coluna central do quadro abaixo:
Premissas-Chave
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Tecnocentrismo
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Sustentocentrismo
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Ecocentrismo
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Ontológias e éticas
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Metáfora da Terra
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Máquina
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Sistema de Apoio
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Mãe da Vida
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Percepção da Terra
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Morta / Passiva
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Casa / Gerenciável
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Vida / Sensível
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Composição do Sistema
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Atomística / Partes
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Partes e Todos
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Orgânica / Todos
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Estrutura do Sistema
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Hierárquica
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Holárquica
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Heterárquica
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Ser Humano e Natureza
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Dissociável
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Interdependência
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Indissociável
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Papel do Ser Humano
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Dominação
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Liderança
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Membro
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Valor da Natureza
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Antropocentrismo
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Inerência
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Intrinsicalidade
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Fundamentos éticos
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Homocêntrico puro
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Homocêntrico amplo
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Terra no centro
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Tempo-Espaço
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Perto / Longe
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Multiescalas
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Indefinido
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Lógica e Razão
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Egoísta / Racional
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Visão / Redes
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Holismo / Espiritualismo
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Científico Tecnológico
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Resiliência da Natureza
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Forte / Robusta
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Variada / Frágil
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Altamente vulnerável
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Capacidade de suporte
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Sem limites
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Próxima do limite
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Já superada
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Tamanho da população
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Sem problemas
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Estabilizar
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Congelar / Reduzir
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Padrões de crescimento
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Exponencial
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Logístico
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Hiberbólico
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Severidade dos Problemas
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Triviais
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Consequenciais
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Catastróficos
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Urgência de Soluções
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Pequena / Esperar
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Grande / Décadas
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Extraordinária / Agora
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Orientação para Riscos
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Aceitação
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Precaução
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Aversão
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Fé na Tecnologia
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Otimismo
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Ceticismo
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Pessimismo
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Caminhos tecnológicos
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Centralizados
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Diversificados
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Descentralizados
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Cap. Humano vs. Natural
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Substitutos plenos
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Substitutos parciais
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Complementares
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Econômicos Psicológicos
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Objetivos primários
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Alocação eficiente
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Qualidade de vida
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Integridade Ecológica
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Vida Boa
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Materialismo
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Conhecimento
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Natureza
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Estrutura Econômica
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Mercado Livre
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Economia Verde
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Estado Forte
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Papel do Crescimento
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Bom / Necessário
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Misto / Em mudança
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Mau / Eliminar
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Redução da Pobreza
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Pelo Crescimento
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Pelas Oportunidades
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Pela Redistribuição
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Capital Natural
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Exploração / Conversão
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Conservação / Manutenção
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Melhoria / Expansão
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Taxas de Desconto
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Altas / Normais
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Baixas / Complementares
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Zero / Inapropriadas
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Orientação do Comércio
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Global
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Nacional
|
Bioregional
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Estrutura política
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Centralizada
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Alternante
|
Descentralizada
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Referências
BANERJEE, S. B. Who Sustains Whose Development? Sustainable Development and the Reinvention of Nature, Organization Studies, v. 24, n.1, p. 143–180, 2003
BECK, U. Risk Society: Towards a New Modernity, London: Sage Publications, 1992
________. World at Risk. Polity Press: Cambridge, UK, 2007
DUNLAP, R.; CATTON, W.R. Environmental Sociology Annual Review of Sociology , v. 5, August, p. 243-273, 1979
GIDDENS, A. The politics of climate change. Main, MA: Polity Press: 2009
GLADWIN, T.N.; KENNELY, J.J.; KRAUSE, T-S.; Shifting Paradigms for Sustainable Development: Implications for Management Theory and Research, The Academy of Management Review, v. 20, n. 4, p. 874-907, Oct., 1995
PAULI, G. Upsizing: Como gerar mais renda, criar mais postos de trabalho e eliminar a poluição. Porto Alegre: Fundação Zeri Brasil, 1999
SACHS, I. Caminhos para um desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2000
WILBER, K. Sex, ecology, spirituality: The spirit of evolution. Boston: Shambhala, 2001