Limites

Em um tempo que já posso considerar antanho, existia uma coisa chamada limite.

Limite era um ponto perto do qual não poderíamos chegar, pois a proximidade invariavelmente nos levaria a ultrapassá-lo.

A frase típica usada pelos pais, como forma de contenção, era “você esta ultrapassando os limites”. Um aviso de que estávamos próximos demais e qualquer escorregadela significaria ter que aguentar as consequências. No mais das vezes, crianças ou adolescentes, sabíamos quais eram essas consequências e contínhamos nosso ímpeto. A certeza da punição se encontrava do outro lado do limite.

Adultos, também conhecíamos os limites da vida em sociedade. E nos mantínhamos longe não por conhecê-los, mas por já termos aprendido que a certeza da punição existia.

Nosso grande problema como nação é que perdemos completamente a noção do limite. E por duas razões muito simples: não existe mais punição e não existe mais quem puna.

Os poderes constituídos de há muito já ultrapassaram qualquer noção que ainda poderíamos ter de limite. E nada lhes acontece, pois há a certeza da impunidade.

Três casos, nessa semana, estão a demonstrar que todos os limites imagináveis foram ultrapassados e nada irá acontecer.

No primeiro, legisladores tentam impor o tal de “distritão” associado ao furto da riqueza produzida pela sociedade, na forma de um fundo público para financiamento das campanhas.

Um absurdo existente em apenas quatro países do mundo. Diante da avalanche de críticas, inovaram: criaram um sistema que não existe em país algum no mundo. E ainda resolveram dizer que o fundo será de valor variável, a ser definido por eles mesmos.

No segundo, o executivo propõe aumentar o déficit público, dizendo, cabalmente, que é perdulário e não fez absolutamente nada para conter os gastos públicos. Afora ter embutido a compra dos deputados para que não votassem a favor da abertura de inquérito policial contra o presidente, o aumento do déficit abre a possibilidade da distribuição de mais 1 bilhão para as chamadas emendas parlamentares. Para completar, propõe a redução, em dez reais, no valor do salário mínimo, além das já conhecidas reformas da previdência e trabalhista.

No terceiro, um membro da mais alta corte nacional, padrinho de casamento da filha de um réu, além de não se declarar impedido no julgamento de um habeas corpus, vem a público dizer que já que o casamento não durou, ele não precisa se declarar impedido. Tudo em nome da legalidade, nada em nome do limite da moralidade.

E foi em nome da legalidade que um juiz do MT recebeu mais de 500 mil reais de salário. Mas foi em nome da moralidade que outro juiz suspendeu a cerimônia de outorga do título de Doutor Honoris Causa ao ex-presidente Lula.

E por que fazem tudo isso e nada lhes acontece?

Porque têm certeza da impunidade. Tornaram a sociedade brasileira em algo inerte, um povo amorfo, incapaz de reagir para impor a necessária punição. Ensinam na mídia que somente as eleições poderão servir de punição. Geram medo pela constante e diuturna repetição, no noticiário, da violência absurda que assola o país. Constroem as bases para algum salvador da pátria que apoiarão.

Mas os desmandos do poder judiciário quem pune?

E como falar em eleições se eles mudam ao seu bel prazer e sempre para beneficiar os mesmos? Ou alguém tem a vã ilusão de que teremos outros candidatos senão os mesmos que aí estão?

Não temos mais limites; não temos mais poderes que coloquem limites, pois são podres por dentro.

A história é sábia, no entanto. E nos mostra que ainda há uma punição para o que acontece no Brasil. E creiam, o povo irá para as ruas.

Não para protestar, mas para atear fogo e colocar abaixo tudo isso que aí está.

E digo para esses poderes podres que aí estão: “vocês estão ultrapassando os limites”…

About the author

Luiz Afonso Alencastre Escosteguy

Apenas o que hoje chamam de um idoso. Parodiando Einstein, só uma coisa é infinita: a hipocrisia. E se você precisou saber meu "currículo" para gostar ou não do que eu escrevo, pense bem, você é sério candidato a ser mais um hipócrita!