Hypocrisis By Luiz Afonso Alencastre Escosteguy / Share 0 Tweet Normal 0 21 false false false PT-BR X-NONE X-NONE O tema é batido, sei. Mas não custa, vez por outra, lembrar. Durante muitos anos vivemos sem acesso aos básicos direitos de cidadania. Ainda vevemos sem muitos. E cidadania, também é oportuno recordar, não é apenas poder votar. Uma busca, na Constituição de 88, pelas palavras “dever” e “direito” aponta as seguintes ocorrências: Dever – 15Direito – 174 O mais incrível é que o Capítulo I, do Título II, “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, que contém o famoso artigo 5º, não contém uma única ocorrência sequer de “dever”, singular ou plural. Na verdade, em todo o título II só há uma ocorrência de um “deverá”, que é o que prevê o afastamento do militar com menos de 10 anos, caso queira concorrer a cargo eletivo. E mesmo assim, não pode ser entendido como um “dever”, mas mera imposição legal. OK, alguns poderão dizer que os deveres são diretamente derivados dos direitos, tipo se é livre a manifestação do pensamento (direito previsto no art; 5º, IV), quem queira usar desse direito, ter o dever de usá-lo de forma não criminosa. Outros poderão dizer que a legislação ordinária prevê a punição para quem abusar dos direitos. Sabemos, no entanto, que nosso sistema judicial muito mais favorece a impunidade do que propriamente a punição pelo uso indevido dos direitos. Outros mais poderão dizer que deveres são tema do campo moral e que, portanto, cabe às famílias, e subsidiariamente às escolas, a formação de cidadãos cientes dos seus deveres. Mais uma vez, nada disso funciona. Famílias e escola, hoje em dia, são formadas em meio à permissividade. Permissividade originada pela insistente defesa, em todos os meios de comunicação e redes sociais, de que temos direitos que devem ser exigidos. Claro que a contrapartida da exigência de um direito está na suposição de que a outra parte tem um dever. Isso pode valer quando se trata de cobrar do Estado que cumpra com as suas obrigações. Mas não é sempre verdade – aliás, quase nunca – quando nos referimos aos cidadãos perante a sociedade e aos demais membros. Meu receio em defender o retorno, nas escolas, de uma disciplina de “Moral e Cívica” (que tanto faz falta) é que estamos em um período tão conturbado da vida social no Brasil, que sequer conseguiríamos chegar a um consenso sobre o conteúdo da disciplina. Mas ao menos poderíamos pensar em uma chamada “Dos deveres dos cidadãos”. Do primeiro ao nono ano do fundamental. Pode ser que assim tenhamos, daqui a trinta ou quarenta anos, uma sociedade formada por cidadãos conscientes dos seus deveres.