Brasil e Venezuela, o Desenvolvimento de uma Saúde By Bruno Mariani Azevedo / Share 0 Tweet Eis aqui o início de uma nova coluna. A partir da experiência de uma vivência político-acadêmica na venezuela pretende-se discutir política, política de saúde, sociedade, cultura etc, do país vizinho e do Brasil. Sua proposta é… O convite para escrever essa coluna veio de uma forma inesperada. Não fazia idéia que o blog onde conto um pouco sobre meu estágio no sistema público de saúde da Venezuela estava sendo repassado. A princípio a idéia era para que escrevesse tópicos semelhantes ao que já vinha pondo no Diário de um Sanitarista na Venezuela, mas pareceu-me que isso seria simplesmente mais do mesmo. Posso aproveitar essa oportunidade para fazer outros vôos, outras reflexões. E assim ficou a proposta, escrever algo do que vi, conheci e vivi na Venezuela como um ferramenta para discutirmos um pouco da realidade brasileira. Não necessariamente seguirei a ordem cronológica dos fatos, prefiro a ordem dos acontecimentos. Os acontecimentos do presente que te fazem reler o passado, pois é disso que é feito uma narrativa e é isso que me proponho a fazer aqui. Começar sempre me parece um pouco mais difícil. Os dedos enroscam no teclado e a mente dispersa em vários outros universos virtuais. O lógico é começar pelo princípio. Da viagem? Da formulação do estágio? Do que? Acho que um contexto, uma apresentação e o método, a expressão de um momento, foi isso que me trouxe para cá. Meu nome é Bruno, em alguns lugares conhecido por Barba, em outros como aquele maluco que acha que pode mudar o mundo. Sou médico, recém graduado na residência médica (pós-graduação latu sensu) de Medicina Preventiva e Social, ou Saúde Coletiva, cujo profissional é genericamente chamado de sanitarista (um resquício da história da saúde pública do Brasil, da primeira metade do século XX). Os eventos que inspiram essa coluna produziram-se nos últimos dois meses deste curso, nos quais optei por realizar minha disciplina eletiva na Venezuela, conhecendo a implantação de um novo sistema público de saúde. Algo me incomoda e é por isso que eu digo que o método trouxe-me para cá. Conhecimento produzido deveria ser público, sempre. Cada um faz o uso daquilo como lhe for conveniente, cada um produzirá um novo conhecimento a partir daquele já partilhado (se o leitor não tratar-se de uma mera esponja!). Por isso ir para a Venezuela não bastava, era necessário que o que fosse descoberto por lá fosse partilhado, suscitasse discussões. Debates entre os companheiros que acompanhavam de longe, aqui das terras tupiniquins e também com os companheiros venezuelanos, porque nunca se está apenas observando, sempre se está intervindo, mais ou menos conscientemente, mais ou menos ativamente, com maior ou menor intensidade. Sou adepto do mais, mais consciente, mais ativo e mais intenso. Com este raciocínio que a escrita tornou-se o caminho. A redação de um diário de campo e sua divulgação através de um blog pareceu-me uma ótima ferramenta. É através dele que se organizam fluxos de pensamentos e se reflexiona os acontecimentos do dia. É através dele que é possível fazer uma análise sobre como o autor está implicado com o campo, realizando um distanciamento do ponto de vista do observador e uma reaproximação por outro ângulo, o do leitor. Assim como, pela definição socioanalítica, todos sempre estão implicados naquilo em que estão envolvidos, também não existe observação pura e simples, basta a presença de alguém para que se comece a intervir no campo. Com o diário sendo divulgado quase instantaneamente essa participação torna-se mais ativa. Todos os envolvidos tomam ciência das reflexões que a vivência despertou, podem concordar, discordar, mas sem dúvida serão influenciados. Abre-se a possibilidade para que a análise do vivido saia da esfera individual e torne-se um trabalho do grupo, do qual pode derivar uma concepção coletiva do vivido institucional, focada mais nas explicações das contradições do que na recusa delas. Apesar de curta e confusa, essa digreção dá uma idéia da importância do ato de escrever para todo esse trabalho (e para quase qualquer um, se assim o for reconhecido), entretanto, antes que possa-se adentrar em terras venezuelanas é muito importante fazer alguns alertas. 1 – Se você é um capitalista neoliberal, leitor passivo de Veja ou franca vítima do hipnotismo global achará tudo isso uma grande mentira. 2 – Se você não acredita que as coisas podem ser feitas de forma diferente no mundo afora, verá problemas em absolutamente tudo que for apontado. 3 – Se acha que uma saúde pública universal, gratuita e de qualidade é uma utopia, achará todos esses textos puros delírios de uma mente confusa. 4 – E se não entende a saúde como um direito de todo cidadão, simplismente não verá sentido na discussão. Ainda que eu acredite que a maior parte dos leitores de O Pensador Selvagem não façam parte de uma massa acrítica e estejam abertos a uma visão distinta da "verdade" noticiada na TV, o aviso é importante para que não se perca o tempo do leitor inutilmente. De toda forma faço o convite para essa viagem, para um discussão, não do que ocorre na Venezuela necessariamente, mas que através disso reflitamos o que se passa no Brasil. E seria muita pretensão achar que alguns leitores possam fazer uma crítica diferente mediante a leitura dessa coluna? Acho que com estes alertas fica evidente que o que encontrei lá é bastante diferente do que a mídia brasileira faz parecer ser. Como? Necessário que se esclareça então: – não existe repressão ideológica, – não existe supressão dos direitos individuais, – não existe censura, – os canais de televisão não foram estatizados. Existem uns cinco de franca e aberta oposição, que atuam desde o uso de confrontação ideológica bem argumentada até o puro discursos desqualificatório ofensivo, – sim, as indústrias petroleiras foram estatizadas, ainda que várias não tenham o capital 100% nacional, têm sempre a maioria das ações, – sim, Hugo Chavez estatizou um shopping recém-construído, na fase de entrega ao lojistas. Como não estou aqui para defender o presidente vizinho, não tentarei explicar certos desparates inexplicáveis. – o plebiscito que está ocorrendo neste final de semana é para permitir candidaturas à reeleição sem limite de vezes e não a própria reeleição do presidente Chavez. Para que o texto não fique muito longo vamos ficando por aqui. Parece-me suficiente como introdução à coluna, não acham? Caso os leitores se interessem por debater algum ponto que possam ter escutado sobre a Venezuela postem seus comentários que ao final de cada texto levanto minha opinião sobre o assunto.