Uma breve viagem histórica e contextualização


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Uma apresentação geral e sumária sobre a história do Sistema de Saúde da Venezuela e seu desenvolvimento até a criação da política Barrio Adentro. Um sistema público nacional de saúde é possível?

Bom, agora é importante que se faça uma apresentação geral sobre o sistema de saúde venezuelano e seu desenvolvimento. No texto abaixo traçarei um breve histórico. Algumas coisas dessa história são muito semelhantes ao que ocorreu no Brasil.

Até 1936 a saúde, na Venezuela, não era associada ao conceito de Estado. As ações de saúde estavam mais vinculadas à medicina popular e tradicional local. A partir de então, pressionado pelo desenvolvimento da indústria petrolífera, cria-se o Ministério da Saúde e Assistência Social. (no Brasil a pressão ocorreu através das exportações de produtos agrícolas, principalmente café, mas a primeira conformação de uma ministério da saúde é só da metade do século) É um período de desenvolvimento do sistema de saúde voltado ao combate das doenças endêmicas e epidêmicas, caracterizado por forte dependência tecnológica e programática, mas que assentou as bases do que se desenvolveria posteriormente. No Brasil também não foi diferente, as medidas sanitárias eram prioritárias, via-se nisso uma forma de manter e dar credibilidade às exportações.

Vitral do Palácio da Justiça de Barquisimeto, onde figuram a Justiça, Bolívar e os anos das Constituições Venezuelanas Em 1978 ocorreu, patrocinada pela OMS e pela UNICEF, a Conferência Internacional sobre Atenção Primária em Saúde resultando na famosa declaração de Alma-Ata, que deu visibilidade a estratégia de saúde pública centrada na atenção primária e que desafiava a meta "Saúde para todos no ano 2000". Este documento influenciou as políticas públicas em saúde em diversos países. Apesar disso, a pressão do neoliberalismo, nos últimos 15 anos do século XX, teve mais força. Através de entidades como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, recomendava-se a diminuição da presença do Estado no financiamento das políticas sociais. O resultado foi a privatização, descentralização, desregulação de preços e a grande abertura para investimentos estrangeiros. A população empobreceu e a desigualdade aumentou. A privatização chegou à seguridade social e na saúde teve como resultado a distorção da atenção primária, com serviços públicos “pobres para pobres”, programas focais e exclusão do controle social. No final da década de 90 a atenção primária a saúde já estava abandonada, havia estímulos públicos para construção de serviços privados de saúde, o cuidado estava centrado no hospital (privado) e o setor de diagnose e tratamento estava na mão das indústrias farmacêuticas e de equipamentos médicos. Os indicadores econômicos e de saúde eram desalentadores.(Alvardo, Martínez, Vivas-Martínez, Gutiérrez, & Metzger, 2008) (República Bolivariana de Venezuela, 2001). No Brasil a grande diferença que tivemos foi o Movimento de Reforma Sanitária que conseguiu colocar o SUS na Constituição de 88 e que, desde então, tem se tornado em uma ferramenta de resistência contra o avanço do neoliberalismo e pela saúde pública para todos (ainda que muitas vezes acabe sendo usado para reforçar políticas de desmonte, com o largo apoio da mídia, o lobby dos serviços privados é muito poderoso! podemos tratar disso melhor em outro momento)

A Constituição venezuelana de 1999 traz a discussão sobre a saúde para o centro novamente, entendendo-a de maneira integral, com componente preventivo, ambiental e transformando da realidade socioeconômica do indivíduo e da sua comunidade. Intencionava-se expandir radicalmente a rede de atenção primária à saúde, mas a formação dos profissionais de saúde voltada para o mercado privado colocou-se como um primeiro empecilho. Junto com a mudança do sistema de saúde discutiu-se a mudança das práticas de formação destes profissionais. (República Bolivariana de Venezuela) Após sua regulamentação o Ministério da Saúde foi reestruturado e o Sistema Público Nacional de Saúde foi criado. Este deu especial ênfase para promoção e prevenção, participação de comunidades organizadas e fortalecimento da atenção primária. O foco nas necessidades de saúde da família e a progressiva eliminação das taxas de uso aumentaram muito o acesso aos cuidados de saúde.

O Plano Estratégico de Saúde (PES) do ministério estabeleceu diretrizes para a promoção de saúde e aumento da qualidade de vida. (Alvardo, Martínez, Vivas-Martínez, Gutiérrez, & Metzger, 2008) e o Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social para o período de 2001 a 2007, para o qual o PES serviu de arcabouço filosófico e político, reforça a saúde como um direito de todos os cidadãos, tendo o Estado o dever de prover um sistema de acesso universal, descentralizado, intergovernamental, intersetorial e participativo. Reconhece que a garantia da equidade seria um dos maiores desafios daquele momento. (República Bolivariana de Venezuela, 2001)

Em 2003, através de um convênio de cooperação internacional firmado entre Venezuela e Cuba inicia-se o Plan Barrio Adentro, como ponto de partida para o desenvolvimento de uma rede de atenção primária à saúde. (República Bolivariana de Venezuela) Neste convênio, no artigo IV, Cuba disponibiliza os serviços médicos, especialistas e técnicos para prestar serviços nos lugares onde eles ainda não existam e para oferecer treinamento aos trabalhadores venezuelanos dos diversos níveis, o governo venezuelano se compromete a cobrir moradia, alimentação e transporte destes trabalhadores. (Misión Barrio Adentro, 2003)

O Plano Barrio Adentro se desenvolveu em fases. A primeira foi de diagnóstico e implantação apenas em algumas cidades, verificando a aceitação dos médicos cubanos por parte da comunidade. Havia certa incredulidade do sucesso desta empreitada, mas a presença destes profissionais além de ter trazido a proximidade outros, também influenciou na organização e mobilização das comunidades afetadas e de outros que também solicitavam a criação de novas missões. Em dezembro de 2003 um decreto presidencial deu novo passo nesta política, o mesmo estendeu o Plan Barrio Adentro para todo o país. Em 2003 alcançou-se a marca de 10179 médicos (as) responsáveis pela saúde integral de 250 famílias cada. Em 2006 já havia sido criado 8686 postos de atenção primária à saúde. (República Bolivariana de Venezuela) (Alvardo, Martínez, Vivas-Martínez, Gutiérrez, & Metzger, 2008)

Ao final de 2003 deu-se início às Misiones Barrio Adentro, constituindo-se como um modelo de gestão pública participativa fundamentado nos princípios da Atenção Primária do Sistema Público Nacional de Saúde da Venezuela, quais fossem: equidade, gratuidade, solidariedade, acessibilidade, universalidade, corresponsabilidade e justiça social, respondendo a estratégias de promoção a saúde e qualidade de vida, com o desenvolvimento humano sustentável e contextualizado à realidade local. (Ministerio del Poder Popular para la Salud-Venezuela, 2005)

Na etapa seguinte da constituição do sistema de saúde venezuelano realizou-se a Misión Barrio Adentro 2, constituindo-se na implantação de centros de apoio diagnóstico (exames de laborátorio e de imagem) e emergência, salas de reabilitação e centros de alta tecnologia (serviços de apoio diagnóstico de alta tecnologia) por todo o país. (Ministerio del Poder Popular para la Salud-Venezuela, 2005). A terceira edição deste projeto, Misión Barrio Adentro 3, dedica-se a modernização tecnológica da rede pública de hospitais do país e teria prazo até fins de 2007. Por fim, o Misión Barrio Adentro 4 compõe hospitais de ensino altamente especializados. (Ministerio del Poder Popular para la Salud-Venezuela, 2005) (Alvardo, Martínez, Vivas-Martínez, Gutiérrez, & Metzger, 2008)

Foi buscando conhecer a experiência das Misiones Barrio Adentro que fui passar 2 meses na Venezuela. Encontrei mais do que a simples conformação de uma experiência política de sistema público de saúde, encontrei população e profissionais fortemente envolvidos com o projeto. A intenção é relatar um pouco deste envolvimento lá encontrado e levantar um pouco dos questionamentos acerca do envolvimento dos nossos trabalhadores e usuários com a saúde pública brasileira.

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Bruno Mariani Azevedo