Considerações sobre as eleições de 2010

O primeiro turno das eleições gerais de 2010 foi mais um passo no processo de consolidação da democracia no país. Em sua primeira eleição, Dilma teve quase 48 milhões de votos, mas precisava de cerca de 51 milhões para vencer no primeiro turno. A votação para Presidência ficou assim distribuída:

Dilma Rousseff (PT)      –   47.651.108 (46,91%)
José Serra     (PSDB)      –   33.131.867 (32,61%)
Marina Silva (PV)           –   19.636.335 (19,33%)
Plínio Sampaio (PSOL)   –        886.816 (0,87%)
Eymael (PSDC)                –         89.350  (0,09%)
Zé Maria (PSTU)             –         84.609  (0,08%)
Levy Fidelix (PRTB)        –         57.960  (0,06%)
Ivan Pinheiro (PCB)         –         39.136 (0,04%)
Rui Pimenta (PCO)          –         12.206 (0,01%)

Votos válidos                   – 101.589.387 (100%)

Brancos                             –     3.479.340
Nulos                                –     6.124.254

Votantes                           –  111.192.981

Abstenção                        –    24.610.296 (18,12%)

Eleitorado                         –  135.803.277 (100%)

1)    Marina: perdeu ganhando

A candidata do Partido Verde (PV) à Presidência, Marina Silva, “perdeu ganhando”. Dilma Rousseff teve 47% dos votos válidos, José Serra teve 33% e Marina ficou com 20%. Marina não foi para o segundo turno, mas ao evitar que a eleição fosse concluída, de forma plebicistária, em 03 de outubro, ela se transformou na terceira via que vai ser decisiva em 31 de outubro. Ela se transformou no “fiel da balança” e cresceu seu capital político.

Agora, as questões ambientais serão obrigatoriamente tratadas no segundo turno pelas outras candidaturas. Mariana também conquistou o voto feminino, mas existem dúvidas se as bandeiras da equidade de gênero vão ser suficientemente tratadas. Mas nem tudo são flores: Marina também conquistou uma parte do voto conservador, daqueles que querem fazer da luta contra o aborto uma forma de defender princípios religiosos dentro do Estado Laico.

Na verdade a “onda verde” da Marina, isto é, o voto ecológico e jovem, explica em parte o crescimento da candidata do PV na reta final. Houve também a “onda negra” (votos conservadores, religiosos e até “fascistas”) e a “onda cor-de-rosa”, pois Marina conseguiu crescer no eleitorado feminino, roubando potenciais votos da candidata Dilma.

2)    Lula: cabo eleitoral ou estadista?

O governo Lula tem sido um dos mais bem avaliados da história do Brasil. O desempenho econômico e social do país melhorou, especialmente após 2004. Depois de quase duas décadas perdidas, o Brasil voltou a apresentar boas perspectivas de ascensão social e de maior presença positiva na comunidade internacional. Nos oito anos no poder, o presidente Lula conseguiu uma popularidade recorde, graças a retomada do crescimento econômico, conjugado com a redução das desigualdades regionais e de renda, gênero e raça.

A frase mais famosa de Lula é “nunca antes na história deste país”. Com este refrão Lula passou a idéia de que estava reinventando ou redescobrindo o Brasil. Diversas reportagens foram feitas sobre o MITO Lula. Evidentemente, é um exagero dar um papel sobre-humano ao “filho do Brasil”. Também é um exagero Lula se considerar o “pai do Brasil” e ainda por cima querer eleger uma “mãe do Brasil”. O problema é que muita gente acreditou nestes exageros.

Mais problemático foi Lula se acreditar acima do bem e do mal, esquecer o seu papel de Presidente do Brasil e se tornar cabo eleitoral, colocando os comícios e a disputa eleitoral acima dos compromissos do Estado brasileiro.

Muitos analistas consideram que foi um erro Lula priorizar os comícios em Betim, Juiz de Fora, Mauá, São Bernardo, etc. deixando de participar da 65ª Assembléia Geral da ONU em 20 de setembro de 2010. O presidente do Brasil tinha muito a mostrar nas discussões sobre os 10 anos dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), na reunião extraordinária da Comissão de Reconstrução do Haiti, na Cúpula de Chefes de Estado e de Governo do Conselho de Segurança da ONU, reunião do Conselho de Segurança sobre Contra-Terrorismo.

Lula poderia contribuir com as discussões na Assembléia Geral da ONU que, em 2010, privilegiou questões relacionadas ao desenvolvimento global, à mudança do clima e ao desarmamento. O Brasil poderia mostrar suas políticas bem sucedidas para o desenvolvimento com inclusão social, discutir a sua matriz energética menos poluidora e o tradicional pacifismo do país.

Porém, Lula preferiu ficar no Brasil e passou a ser a estrela principal dos comícios de Dilma Rousseff. Não contente apenas em eleger a sua sucessora, passou a ameaçar candidatos nos estados e prometeu extirpar partidos políticos conservadores de representação nacional (embora tenha sido decisivo na sobrevivência do clam dos Sarneys). Além de tudo comprou uma briga desnecessária com a mídia e passou a se considerar a encarnação viva da “opinião pública”. Parece, como que foi “picado pela mosca azul”.

É claro que um presidente tem todo o direito de defender seus candidatos e candidatas para os diversos cargos em disputa. Mas o que não tem a simpatia da população é a troca do papel de Presidente pelo de cabo eleitoral sectário. Aliás, o efeito eleitoral seria muito mais positivo se Lula tivesse utilizado o “palanque” da ONU para mandar a sua agenda progressista para todo o Planeta.

3)    Eleições em Minas Gerais

Em Minas Gerais, Dilma teve 5.067.399 votos (46,98%), Serra teve 3.317.872 votos (30,76%) e Marina teve 2.291.502 votos (21,25%). Para as eleições presidenciais, a estratégia do presidente Lula de unir PT e PMDB parece que deu resultado. Mas para as eleições estaduais foi um fracasso, pois Aécio Neves se elegeu com grande votação para o senado e carregou consigo Itamar Franco para o Senado e Antônio Anastásia para o governo do Estado. Como se diz: fez barba, cabelo e bigode. Ao mesmo tempo, abriu uma crise no PT mineiro, que além do vexame de ter que apoiar Hélio Costa, dividiu de vez o partido. Patrus e Pimentel são hoje, mais do que nunca, duas lideranças petistas que representam duas correntes partidárias em pé de guerra.

Certamente, a derrota de Hélio/Patrus para o governo e de Fernando Pimentel para o senado vai enfraquecer a campanha de Dilma Rousseff no segundo turno em Minas. Por conta das brigas internas, o vice-presidente da República, José Alencar, assumiu formalmente o comando da campanha presidencial de Dilma Rousseff (PT) em Minas Gerais. Alencar organizou, dia 05/10, uma reunião no escritório da sua empresa têxtil, Coteminas, em Belo Horizonte, com a cúpula do PMDB, PT e PCdoB no Estado. Ou seja, a campanha da candidata do Partido dos Trabalhadores vai ficar nas mãos de um empresário, que vai tentar empolgar a esquerda mineira. Não sei se é para rir ou para chorar.

O fato é que nenhum presidente democraticamente eleito chegou ao Palácio do Planalto nos últimos 50 anos sem ter conseguido vencer em Minas. Dilma teve menos de 50% dos votos no primeiro turno. Minas é o termômetro do Brasil. Será que ela conseguirá ultrapassar o limiar da metade mais um?

4)    Qualidade da democracia

O momento atual pode ser considerado o período mais longo e mais profundo da democracia brasileira. Quantitativamente, estamos no momento mais democrático dos 510 anos da história do Brasil. A democracia é um fenômeno recente na história brasileira. No período 1945-1964 nem todos os partidos eram legalizados (o Partido Comunista estava proibido de se registrar) e apenas cerca de 20% da população estava inscrita no eleitorado (os analfabetos – que eram muitos e pobres – não podiam votar). No período 1964-1985 vivemos sob o tacão da ditadura militar, da censura, da falta de liberdade política, etc. Com a Nova República, em 1985, iniciamos o atual momento democrático brasileiro, que chegou à sua sexta eleição presidencial, com alternância de partidos no poder e alternância de classe (um metalurgico) e de gênero (uma mulher). O eleitorado brasileiro já representa 70% da polpulação. Existe liberdade de organização, de manifestação e de imprensa (embora haja muita chiadeira sobre o “controle social da mídia”).

Portanto, o Brasil avançou muito em termos de organização política e o povo brasileiro construiu um sistema democrático bastante amplo no sentido de incluir as diversas regiões e os inúmeros segmentos da população consideros em termos econômicos, sociais e culturais. Temos hoje no país uma verdadeira democracia de massas, embora as mulheres e outros grupos sociais estejam subrrepresentados. Mas qual a qualidade desta democracia?

Os indicadores de qualidade mostram que a democracia brasileira deixa muito a desejar. Primeiramente, existe um distanciamento dos representantes eleitos e os eleitores. A democracia deveria se dar no dia a dia e não de 4 em 4 anos. O judiciário, embora seja caro e oneroso para o país, é lento, omisso e confuso. A atuação dos  juízes do STF quanto ao processo da Ficha Limpa foi vergonhosa. As corrupções de todo tipo que correm soltas e solapam as instituições são uma doença que ameaça a saúde da democracia, principalmente quando fica sem punição. A qualidade de muitos deputados/as em 2010 foi uma piada, com as mulheres frutas, humorista analfabeto, jogadores de de futebol aposentados e outros palhaços sérios ou cômicos que fizeram parte do circo eleitoral.

Um exemplo típico da baixa qualidade da democracia brasileira encontra-se no Distrito Federal, centro político do país. Primeiro, Joaquim Roriz renunciou ao Senado para não ser cassado em processo por corrupção. Depois, houve troca de governadores tampões que protagonizaram cenas explícitas de corrupção e incompetência. Com a pressão popular e com medo da Ficha Limpa, Roriz renunciou à candidatura e colocou em seu lugar a mulher, Weslian Roriz que teve uma participação digna do Tiririca. Ou seja, em termos qualitativos, pior do que está fica.

5)    A “extrema esquerda” isolada e sem representatividade

Nas eleições presidenciais de 2006, Heloísa Helena, do PSOL, obteve 6,6 milhões de votos, representando 6,85% dos votos válidos. Em 2010, ela tentou se eleger para o senado, por Alagoas, e perdeu. Plínio de Arruda Sampaio, ao invés de expandir o patrimônio do PSOL, se transformou no Don Quixote das eleições presidenciais e conseguiu reduzir em 8 vezes os votos de Heloisa Helena. Ele obteve menos de 0,9% dos votos válidos em 03/10/2010. Zé Maria do PSTU perdeu para o Eymael e este número já diz tudo. Ivan Pinheiro, do PCB não se elegeria deputado federal. Rui Costa Pimenta, do PCO, não se elegeria vereador e conseguiu ter 3 vezes menos voto do que teve em 2002.

Em parte, a polarização política entre as 3 principais candidaturas explica o isolamento da “extrema esquerda”. Mas a maior responsabilidade pelo fracasso é dos próprios partidos “nanicos”. O PSOL, por exemplo, estava divido em três tendências que se digladiaram todo o tempo das eleições, inclusive isolando a já auto-isolada Heloísa Helena. O PSTU, PCB e o PCO são um show de sectarismo. Os quatro partidos, juntos, parecem que ainda vivem no período pré-Revolução Russa, de 1917 e estão atrasados um século na compreensão do mundo pós-moderno.

6)    Segundo turno do aborto?

O segundo turno das eleições presidenciais de 2010 começa com uma corrida atrás do voto conservador. Está se delineando um discurso cada vez mais radical contra o aborto e as candidaturas presidenciais podem ser atraídas para este pântano. Pastores evangélicos e padres católicos inexpressivos estão virando estrelas do “submundo” da Internet. Se eu fosse candidato à presidência eu diria o seguinte:

O aborto é um problema de saúde pública. Muitas mulheres, mas especialmente as mais pobres, recorrem ao aborto inseguro para interromper uma gravidez indesejada. Ao fazer isto, morrem ou ficam com seqüelas físicas ou psicológicas. Portanto, é preciso reduzir o número de abortos no país. A forma de reduzir o número de abortos  não é colocando estas mulheres na cadeia. Mas sim dando acesso aos métodos de regulação da fecundidade. A Constituição Brasileira e a Lei 9.253/1996 estabelecem que o planejamento familiar é um direito das pessoas e cabe ao Estado fornecer as informações e os meios para o controle voluntário da fecundidade. Portanto, cabe ao Estado fornecer os métodos contraceptivos necessários para evitar a gravidez indesejada. Se o Estado conseguir fazer a sua parte e universalizar os serviços de saúde reprodutiva haverá redução do número de abortos. Cabe ao próximo Presidente da República tornar a letra da lei em realidade e contribuir para o bem estar da saúde do povo brasileiro. O aborto precisa ser tratado com uma questão de saúde e não como bandeira conservadora e religiosa utilizada, muitas vezes, para eleger candidatos inescrupulosos.

7)    Programas e debates de idéias em outubro

Vamos torcer para que no segundo turno das eleições presidenciais haja discussão sobre os grandes problemas do pais e que o debate de idéias prevaleça sobre as idéias obscuras, pegadinhas, lances de marketing, frases de efeito, etc. Vamos torcer para que as duas candidaturas e seus partidos (e coligações) apresentem um programa escrito e que sirva para orientação do debate sobre o futuro do pais. Vamos torcer também para que os Institutos de Pesquisa acertem as suas aferições das intenções de voto, pelo menos dentro da margem de erro. Especialmente, alguns Institutos que estão assessorando candidaturas não se deixem levar pela torcida à candidatura que os contratou. Por fim, vamos torcer para que as questões ambientais sejam tratadas com a seriedade que merecem.

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José Eustáquio Diniz Alves