Demografia By José Eustáquio Diniz Alves / Share 0 Tweet Não existe neutralidade nem na ciência e nem no dicionário. As desigualdades de gênero foram cristalizadas ao longo da história e fazem parte da cultura do dia a dia. Muitas pessoas nem dão fé para expressões sexistas, como “entrar de salto alto”, “saia justa”, etc. Simone de Beauvoir dizia que nas representações de gênero os homens se colocam como o polo positivo e neutro, deixando às mulheres o polo negativo. De lá para cá muito coisa mudou e já não dá mais para identificar a mulher como polo negativo. Porém, os homens continuam monopolizando o “polo neutro”. Esta discussão é super importante para a questão da linguagem, pois o sexo masculino leva vantagem quando se identifica o homem como humanidade, patrimônio (de pais) como riqueza, matrimônio (de mãe) como casamento, etc. Depois de muita luta o TSE em suas propagandas eleitorais passou a conclamar os eleitores a votarem em deputado/a, senador/a, governador/a, etc. Estas mudanças foram uma conquista no sentido da justiça de gênero. Mas até hoje as pessoas estranham quando se fala em Presidenta (ver artigo da FSP do Rui Castro abaixo). Eu, particularmente, acho importante se adotar a linguagem inclusiva. Agora a Suécia busca a forma neutra da linguagem, sem identificação com o sexo (vejam reportagem da FSP abaixo). Sem dúvida é um grande avanço de gênero a busca de uma linguagem que não reproduza os esterótipos de gênero e nem torne o sexo feminino invisível. //////////////////////////// Folha de São Paulo, sábado, 28 de abril de 2012 Por igualdade de sexos, Suécia debate criação de gênero neutro DIOGO BERCITO – DE SÃO PAULO Kivi se levanta, coloca a orelha contra a porta, totalmente imóvel, e escuta: “hen” pensa que ouve um latido. Em “Kivi och Monsterhund” (Kivi e o cão-monstro), de que esse trecho foi retirado, o autor sueco Jesper Ludqvist não quer que o leitor saiba se Kivi é menino ou menina. Daí o uso de “hen”, que não dá sinais de sexo. Assim, o autor sinaliza uma ampla discussão hoje em curso na Suécia: a igualdade de gênero levada à linguagem. O termo “hen”, defendido por feministas e entusiastas e ainda pouco usado, substitui “han” (ele) e “hon” (ela) por uma versão neutra. Há cerca de quatro anos, ele entrou para a “Enciclopédia Nacional”. Mas não sem enfrentar latidos. Jonas Gruvo, editor da enciclopédia, diz à Folha ter recebido ameaças de clientes, que se recusavam a comprar o livro por conta do “hen”. “Isso é estúpido. Você não pode ignorar uma palavra porque não gosta dela.” O gênero neutro é parte de um movimento maior de busca por igualdade na Suécia. O país tem a maior proporção mundial de mulheres no mercado de trabalho, e o Fórum Econômico Mundial o elegeu como o de maior igualdade de gênero. Na escola-modelo Egalia, é uma preocupação desde os anos 2000 -quando os professores passaram a gravar as aulas uns dos outros. “Ficamos desapontados ao ver que tratávamos meninos e meninas de maneira diferente”, diz a diretora Lotta Rajalin. Hoje, a escola diz combater não o gênero biológico, mas o cultural. “Não tentamos fazer as crianças se esquecerem de seus sexos, mas do que é esperado deles.” Ou seja, grosso modo, não apenas os meninos são convidados para as aulas de futebol. Nem são só as meninas que têm acesso às bonecas. “É uma questão de democracia”, diz Rajalin. Pode ser também um assunto literário, diz o autor Ludqvist. “Achei que seria um experimento interessante ver o que ocorreria aos personagens se não decidisse o gênero. Para mim, a categorização de gênero é um limite.” ///////////////////////////////////// Folha de São Paulo, sexta-feira, 27 de abril de 2012 Ruy Castro Presidenta por decreto RIO DE JANEIRO – Amigos me alertam para um decreto-lei recém-publicado no “Diário Oficial da União”: “A Presidenta da República faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei: Art. 1º. As instituições de ensino públicas e privadas expedirão diplomas e certificados com a flexão de gênero correspondente ao sexo da pessoa diplomada, ao designar a profissão e o grau obtido. […] Art. 3º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 3 de abril de 2012. Dilma Rousseff. Aloizio Mercadante. Eleonora Menicucci de Oliveira”. Tal lei serve apenas à teimosa vontade da presidente Dilma de ser chamada de presidenta, na ilusão de, com isso, estar valorizando as mulheres. E não adianta dizer-lhe que não é assim que a língua funciona. O problema é que, com a medida, ela obriga a que se parem as máquinas e se corrijam a jato todos os dicionários da língua portuguesa. Porque, se Dilma agora é presidenta por decreto, também quero ser chamado de jornalisto, articulisto, colunisto ou cronisto. Idem, os calistas, juristas, dentistas, arquivistas, criminalistas, ortopedistas, ginecologistas e médicos-legistas do sexo masculino, todos podem requerer diplomas de calistos, dentistos, arquivistos, criminalistos, ortopedistos, ginecologistos e médicos-legistos. O próprio Aloizio Mercadante, ministro da Educação e cúmplice da presidenta nessa emboscada contra a língua, deve exigir ser chamado de congressisto quando voltar ao Senado. Pela novilíngua da presidenta, o sindicalista Lula teria sido um sindicalisto. Luiz Carlos Prestes, um comunisto. Millôr Fernandes, um humoristo. Luizinho Eça, um pianisto. Guimarães Rosa, um romancisto. O cego Aderaldo, um repentisto. Ayrton Senna, um automobilisto. Dilma acha pouco ser presidenta. Quer ser também linguista.