O calote da dívida dos Estados Unidos

Até pouco tempo atrás era comum haver grandes manifestações populares, no Brasil e na América Latina, contra o pagamento da dívida externa. Existia os tais “Tribunais da Dívida Externa” que consideravam a dívida injusta e impagável. Dívida eterna. A única solução seria a moratória, seguida de uma auditoria independente e o calote da dívida externa.

Já os países desenvolvidos acusavam os países do Terceiro Mundo de viverem acima dos seus recursos, além de serem incompetentes e corruptos. Eles diziam: “se pegou emprestado, tem que pagar”. Uma moratoria unilateral levaria a uma crise de confiança e à falta de recursos internacionais para manter o desenvolvimento dos países “caloteiros”. A dívida só reforçava as diferenças e a divisão entre países ricos e pobres.

Com a chegada do novo século e do novo milênio as coisas mudaram. Agora quem ameaça não pagar a dívida externa são os Estados Unidos – exatamente o país que emite a moeda de circulação internacional e que se considera o “grande exemplo” para o mundo livre e o mundo dos negócios.

A nação mais rica do Planeta é também a mais endividada. Atualmente o país gasta 11% a mais do PIB do que arrecada.A dívida pública dos Estados Unidos está em 14,3 trilhões de dólares e boa parte é financiada por países estrangeiros como China, Alemanha, Japão, Arábia Saudita, Brasil, etc. Mas para continuar financiando o déficit público e rolando a dívida o Congresso precisa aprovar a elevação do teto do endividadmento (debt ceiling).

Acontece que o Partido Republicano (GOP), que elevou os gastos militares durante os governos Reagan e Bush e reduziu as receitas com a insenção de impostos para os ricos, não quer aprovar a elevação do teto de endividamento e está chantageando o país com a ameaça de caos e moratoria da dívida externa se o presidente Obama não cortar recursos dos programas sociais e a ajuda aos pobres. Apoiados pelo Tea Party, com o alto falante da Fox News (do magnata internacional da mídia Ruper Murdoch), o GOP defende políticas que aceleram o processo de concentração de renda e o aumento das pessoas em situação de pobreza nos Estados Unidos.

A situação é tão crítica que as agencias de risco que sempre atuaram em conformidade com os interesses dos EUA agora estão rebaixando a nota do próprio país. As agências Moody’s e Standard and Poor’s  avisaram que podem revisar para baixo a classificação de risco da dívida americana, que atualmente tem nota máxima (AAA).

Segundo o presidente do Fed (o Banco Central americano), Ben Bernanke, a falta de acordo para elevar o teto da dívida seria “calamitosa” e provocaria um “choque financeiro muito severo”. Na mesma linha se pronunciou a direção do FMI.

Mas o pior é que o Partido Republicano não aceita aumentar impostos e quer manter elevado o consumo supérfluo dos ricos, que além de contribuir para aumentar o déficit externo agride o meio ambiente. Os EUA são os maiores consumidores de petróleo e só perdem para a China nas emissões de CO2. Como falta dinheiro para investimentos, os EUA não estam investindo o suficiente em energias renováveis e na transição para a economia verde.

A maior economia do mundo está em um processo de desindustrialização, de perda de competitividade e de endividamento crescente. Portanto, o déficit público americano é insustentável economicamente e ecologicamente. Quanto mais crescer a dívida mais provável vai se tornar um calote (nem que seja por meio de emissão de moeda) no médio ou longo prazo. Como já disse Paul Krugman, no artigo “Downhill with the G.O.P.”, os partidos Democrata e Republicano não se entendem e os EUA estão no caminho de se tornar uma República de Bananas

Parece que os EUA vão ter que acatar as diretivas do FMI e entrar na era da austeridade. Aumentar os impostos para os ricos e cortar gastos militares seria a alternativa mais apropriada para a economia e o meio ambiente. Mas estamos em meados de julho de 2011 e o Partido Republicano só pensa em cortar gastos sociais e manter funcionando o complexo industrial-militar, alimentado pela industria da energia fóssil. A patria-mãe do neoliberalismo – onde as teorias neoliberais e a desregulamentação financeira foram aplicadas da forma mais selvagem – está à beira do precipício.

Por ironia, a China comunista, que tem crescido com forte apoio do Estado, está preocupada com a saúde financeira dos EUA e pede para que o país adote medidas mais responsáveis a fim de proteger os interesses dos investidores estrangeiros nos títulos do Tesouro americano (Treasuries). Se as coisas continuarem do jeito que estão, só falta os conservadores americanos irem para as ruas pedir o calote da dívida dos Estados Unidos. Os chineses (e demais credores) que se cuidem.

 

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José Eustáquio Diniz Alves