Supremacia da América do Sul ou da Europa?

Este artigo foi escrito e publicado uma semana antes da partida final da Copa da África do Sul e antes das semifiniais. Portanto, ainda não se sabe que país levará a taça, que, com certeza, não será do Brasil e nem da Argentina.

Das 18 Copas do Mundo de Futebol realizadas, entre 1930 e 2006, a Europa ganhou a metade e a América do Sul ganhou a outra metade. Apenas sete países chegaram ao título de campeões: Uruguai (1930 e 1950), Itália (1934, 1938, 1982 e 2006), Alemanha (1954, 1974 e 1990), Brasil (1958, 1962, 1970, 1994 e 2002), Inglaterra (1966), Argentina (1978 e 1986) e França (1998). Portanto, a atual Copa vai desempatar o número de títulos.

A Europa foi sede de dez Copas, o continente Americano foi sede de sete e a Ásia (Coréia do Sul e Japão) foi sede de uma Copa. Todas as vitórias dos países europeus foram em território próprio. Já os países da América do Sul ganharam todas as disputas no continente americano e o Brasil foi o único país estrangeiro a ganhar campeonatos mundiais longe dos seus gramados, na Europa (Suécia, 1958) e na Ásia (2002). Nos dizeres de Nelson Rodrigues, o Brasil superou o complexo de vira-latas e se tornou uma potência do futebol.

Nesta lógica, na medida em que a sede das Copas do Mundo se diversifique entre as regiões, o continente sul americano tenderia a levar vantagem. Mesmo participando com um número menor de países, a América Latina e, particularmente a América do Sul, se afirmou no cenário futebolístico internacional. O fato de a Europa ter um maior número de vagas aumenta a probabilidade de mais títulos europeus. Se as regiões do mundo fossem igualmente representadas, as chances de vitória de países europeus diminuiria.

A despeito de todas as distorções de representação regional, a Copa do Mundo da África do Sul foi palco da supremacia dos países latino-americanos até a etapa das quartas de final. Na primeira fase havia 13 países europeus e apenas 6 passaram para as oitavas de final, representando 46%. Já o continente americano tinha 8 seleções e 7 passaram para as oitavas de final (representando 88%), sendo que os 5 países da América do Sul saíram vitoriosos na primeira fase, com aproveitamente de 100%. Passaram duas seleções asiáticas (Córeia do Sul e Japão) e uma africana (Gana). As duas seleções que disputaram a final da última Copa (Itália versus França) tiveram participação vergonhosa, sendo que a França saiu completamente humilhada e desagregada.

Na fase seguinte, das 6 seleções européias, 3 passaram para as quartas de final (representando 50%). Das 5 sul-americanas, 4 passaram para as quartas de final, representando 80%. Em cada grupo das quartas de final houve um país sul-americano e, pela primeira vez na história, existiria a possibilidade de acontecer uma semifinal monopolizada pelos países do Mercosul. A outra seleção classificada entre as 8 melhores, foi Gana, do continente africano. A primeira Copa em solo africano não foi suficiente para garantir o sucesso do futebol do continente.

Alguns analistas interpretaram os números do bom início do futebol da América do Sul, na Copa da África, como reflexo da boa conjuntura econômica da região. Contudo, esta correlação entre futebol e economia não se sustenta em outras partes do mundo. A China e a Índia, os dois maiores países em termos de população e de crescimento econômico – e que conseguiram tirar centenas de milhões de pessoas da pobreza nos últimos anos – nem sequer foram à Copa. Diversos outros países asiáticos apresentam bom desempenho econômico e social, mas o continente não tem nenhum país entre os 8 que foram classificados para a terceira fase.

Os jogos das quartas de final começaram no dia 02 de julho e o Brasil perdeu para a Holanda. No intervalo do primeiro tempo, enquanto a torcida comemorava por todo o país a vitoria parcial de um a zero, um determinado apresentador de televisão já convocava a população a continuar a festa pela sexta-feira afora, emendando o fim de semana. Porém a derrota por dois a um diante da Holanda, deu um choque de realidade e mostrou que o futebol não pode ser visto como a redenção da “Pátria de chuteiras”. De forma triste, a população acabou percebendo que o Brasil é maior do que o futebol e que a vida continua e que existe muitas coisas infantis e preconceituosas no meio futebolístico.

As supertições de jogadores, da torcida e do técnico Dunga, durante a Copa, foram ridículas. Ficar apostando no sobrenatural e tirando a meia e pondo o pé no chão, não trocar a cueca ou o paletó, etc. é um descontrole de quem tenta superar suas dificuldades com recursos da irracionalidade. Outra coisa são as rezas e o apelo à religião, como se Deus (se acaso existe) fosse tomar partido por algum time ou jogador. Nem sei quem inventou esta idéia de que Deus é brasileiro. O fracasso do Brasil na África serve para mostrar que o Brasil precisa repensar sua relação com o futebol e ter mais controle sobre a CBF que usa a imagem da seleção e o fanatismo popular para ganhar dinheiro que não sabemos bem para onde vai e, inclusive, incentivando o alcoolismo dos jovens e até de idosos (como fez determinada marca de cerveja).

Daqui para frente, o Brasil precisa pensar nos investimentos na infra-estrutura para os jogos de 2014 e como dar transparência aos recursos financeiros aplicados, além de articular uma maneira para que o futebol possa contribuir para a solução os diversos problemas sociais brasileiros e não para se alienar da realidade. O Brasil tem boas perspectivas econômicas para a próxima década, em todos os campos, mas tem que sair do ôba-ôba e encarar de frente os desafios, com racionalidade e planejamento.

No segundo jogo das quartas de final deu Uruguai, que venceu Gana nos pênaltis de forma dramática, depois de o time africano ter pertido um pênalti no último minuto da prorrogação, o que teria eliminado o Uruguai. Mas a vitória uruguaia garantiu um país da América do Sul nas semifinais da Copa da África do Sul.

Argentina e Alemanha jogaram às 11 horas do dia 03 de julho e o time argentino levou uma surra, caindo de quatro. O time de Maradona, que era apontado como a grande sensação da Copa, não conseguiu mostrar o bom futebol em campo e o craque Messi não conseguiu marcar sequer um gol em todo o torneio. Assim como no caso de Dunga, as supertições de Maradona de nada adiantaram, pois a Alemanha ignorou as rezas de Maradona, os diversos pais-nossos antes dos jogos e os beijos no terço que ele sempre trazia na mão. Ou seja, Maradona, apesar de já ter feito um gol com “La Mano de Dios”, é uma pessoa normal, de carne e osso, e não um Deus, como os argentinos gostam de acreditar e de se auto-enganar.

O jogo Paraguai e Espanha foi horrível no primeiro tempo, mas muito emocionante no segundo tempo. O Paraguai teve tudo para ganhar, mas, no final, deu a Espanha. Assim, as 3 seleções europeias das quartas de final passaram para a fase seguinte, enquanto apenas uma das 4 seleções sul-americanas chegou às semifinais. Os dois jogos serão: Alemanha versus Espanha e Holanda versus Uruguai. A Europa recuperou sua supremacia.

Será que a Holanda, que, como país colonizador, já conquistou e ocupou a África do Sul no passado, conquistará a Copa de 2010? Depois de perder duas finais, será que chegou a vez da “Laranja mecânica”? A Holanda vai entrar no seleto time dos países campeões do mundo? Ou será a vez da Espanha? Ou vai prevalecer a lógica e ganhar a Alemanha que tem a melhor artilharia da Copa? É bem provável que a Europa, que tem passado por uma grave crise econômica e sofrido com a euroesclerose, vai se recuperar no futebol e ganhar o primeiro título fora do seu território.

A Copa do mundo acaba dia 11 de julho. A América do Sul foi muito bem até as quartas de final. Mas para as semifinais tem só o Uruguai com alguma chance. A Europa conseguiu colocar 3 times entre os 4 melhores de 2010. Brasil e Argentina, considerados sempre favoritos, voltaram para casa com o moral baixo. Agora terão quatro anos para se preparar para o próximo campeonato, pois a vida continua.

Mas, principalmente, existe um outro campeonato, que se joga com a cabeça e que os países da América Latina ainda não passaram das eliminatórias. Trata-se do torneio da qualidade da educação. O Leste da Ásia, que  não tem tradição no futebol, sem dúvida, faz bonito no campeonato do ensino de qualidade. Os alunos do Brasil e da América do Sul não têm apresentado um bom desempenho nas provas internacionais do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA). Isto mostra que falta muito para superar o “complexo de vira-latas” na área de educação. Especialmente, falta garantir um ensino público de qualidade que possibilite uma mobilidade social ascendente da população pobre dos países da América de língua latina. O futebol é um esporte querido e democrático, mas não pode simplesmente ser usado para interesses comerciais e muito menos substituir a educação como símbolo de afirmação de um país.

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José Eustáquio Diniz Alves