Visões do Brasil: Éden, utopia e inferno

O mundo e os próprios brasileiros possuem uma visão ciclotímica do Brasil. Como mostra o artigo de Kenneth Maxwell, na Folha de São Paulo, as visões variam do paraíso ao inferno.

O mesmo acontece com a economia brasileira. Na época do chamado “milagre econômico” (1968-1973) a economia brasileira cresceu mais de 10% ao ano e muitas pessoas chegaram a prever que o Brasil seria a grande potencia econômica do futuro. Mas veio a crise dos anos de 1980 e diante da “década perdida” muitas pessoas chegaram a prever uma situação de caos no país, enquanto a inflação desparava e chegou à beira da hiperinflação no final do governo Sarney.

No primeiro momento de sucesso do Plano Real o otimismo voltou a reinar. Mas a desvalorização cambial de 1999 e a estagnação econômica voltaram a dar voz aos pessimistas. O governo Lula enfrentou um primeiro momento de descrença e depois foi idolatrado quando manteve taxas de crescimento acima da média dos anos 1980 e 1990.

O governo Dilma começou divulgando a idéia de um crescimento médio acima de 5% ao ano. Mas o crescimento deve ficar em torno de 1% em 2012. Uns acreditam na alegria dos brasileiros e consideram que o país tem um povo feliz e cheio de futuro, enquanto os pessimistas dizem que os brasileiros não possuem disciplina e capacidade de gerenciamento para enfrentar os grandes desafios globais.

Mas, com alegria ou disciplina, mesmo que o PIB cresça nos próximos anos – para a satisfação dos economistas otimistas – o impacto sobre o meio ambiente será muito negativo – dando razão para a tristeza dos ambientalistas pessimistas.

Portanto, o Brasil continua entre o Éden, a utopia e o inferno como mostra o artigo da Folha de São Paulo abaixo:

Éden, utopia e inferno

FSP – 06/12/2012

Por KENNETH MAXWELL

O Brasil era visto inicialmente como o Jardim do Éden. Sérgio Buarque de Holanda o definiu como “uma visão do paraíso”, no qual as pessoas viviam inocentemente, em um clima perfeito, cercadas de pássaros exóticos e animais estranhos.

Américo Vespúcio, em sua famosa carta a Lorenzo di Pierfrancesco de Medici, escrita de Lisboa em 1502, falava de um povo que vivia sem dinheiro, propriedade ou comércio, em completa liberdade social e moral, sem reis ou religião. A “Utopia”, publicada por Thomas More em 1516, foi em parte inspirada pela vívida descrição do Brasil por Vespúcio.

Mas o mito demoníaco, com seu medo do atraso e do canibalismo, não demorou muito a se manifestar. A primeira xilogravura colorida a mão surgiu em Augsburgo em 1505, mostrando homens e mulheres marrons, usando chapéus de penas e mastigando braços e pernas humanos, e defumando outras partes de corpos humanos em uma fogueira, em preparação para um festim. A legenda aproveitava o relato de Vespúcio: “Eles lutam uns contra os outros e devoram uns aos outros… Vivem por 150 anos. E não têm governo”.

Mesmo os sempre pacientes jesuítas, que chegaram em 1549 em sua primeira missão ao Novo Mundo, às vezes se desesperavam quanto à capacidade dos indígenas de trabalhar seriamente.
O padre Anchieta observou em 1586 que “tampouco a natureza da terra ajuda, sendo relaxante, preguiçosa e melancólica, e por isso todo o tempo é dedicado a “festas, cantos e diversão”.

As aspirações bíblicas para a América portuguesa como a “Terra de Santa Cruz” não se realizaram, claro. Em lugar disso o comércio triunfou. A nova terra recebeu o nome do prosaico pau-brasil. Os portugueses logo passaram a recorrer à coerção, às safras de exportação e aos escravos africanos. O jesuíta Antônio Vieira descreveu os caldeirões fervilhantes das usinas de açúcar como “um espelho do inferno”.

Os habitantes originais do Brasil haviam, nesse meio tempo, se tornado “índios”, ainda que Pedro Álvares Cabral já soubesse que isso não era fato –ao contrário de Colombo, que persistiu em acreditar que estava na Ásia mesmo depois de passar um ano encalhado na Jamaica em 1503/4. Cabral, afinal, estava a caminho da verdadeira Índia ao avistar inadvertidamente a costa brasileira.

Cabral ficou pouco mais de uma semana. Mas Pero Vaz de Caminha escreveu a Lisboa em 1º de maio de 1500 descrevendo a beleza, a nudez e a inocência dos povos indígenas que os portugueses haviam encontrado nas praias de areia branca, e que tanto os havia chocado e deliciado.

KENNETH MAXWELL escreve às quintas-feiras nesta coluna.
Tradução de PAULO MIGLIACCI

Kenneth Maxwell é historiador britânico graduado em Cambridge (Reino Unido) com doutorado em Princeton (EUA). Referência na historiografia sobre o período colonial brasileiro, foi diretor dos estudos latino-americanos no Conselho de Relações Exteriores (NYC) e diretor de Estudos Brasileiros na Universidade Harvard (EUA). Escreve às quintas na versão impressa da Página A2.

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José Eustáquio Diniz Alves