O fluxo intergeracional de riquezas


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Quando muda a relação custo/benefício dos filhos é porque mudou o fluxo intergeracional de riquezas e a queda da fecundidade é a consequência inevitável deste processo.

Um dos fenômenos sociais mais importantes e de maior impacto transformador é a transição demográfica, que significa a passagem de altas para baixas taxas de mortalidade e natalidade.

Durante o século XX a esperança de vida da humanidade mais que dobrou, passando de cerca de 30 anos em 1900, para mais de 60 anos no ano 2000. A vitória sobre a mortalidade precoce foi uma vitória e tanto e jamais algo parecido havia acontecido no mundo. Crianças morriam como mariposas e adultos “abandonavam” a vida em seus momentos de maior produtividade e criatividade. Muitos sonhos foram desfeitos e muita potencialidade foi desperdiçada. Mas com a união de todas as forças progressistas e o esforço coletivo as taxas de mortalidade foram reduzidas e continuam a cair no século XXI.

Caindo as taxas de mortalidade, já não fazia mais sentido manter altas taxas de natalidade. Contudo, houve resistência nas sociedades que haviam se preparado durante séculos para manter altas taxas de fecundidade (número de filhos por mulher) e criado uma cultura pró-natalista. Romper com as tradições e os fatalismos é sempre uma ação social que encontra muitas barreiras. A ordem patriarcal valorizava as mulheres enquanto donas de casa, esposas e mães dedicadas e restringia uma mudança nas relações de gênero.

Porém, a despeito de todas as resistências, a fecundidade caiu na maior parte dos países do mundo, inclusive no Brasil. Independentemente das ideologias nacionalistas e religiosas as mulheres e os casais passaram a ter menos filhos, o que representou uma mudança de comportamento de massas sem precedente. O que possibilitou a transição da fecundidade?

O demógrafo australiano John Caldwell (Theory of fertility decline. London : Academic, 1982) afirma, de forma categórica, que só existem dois tipos de regimes de fecundidade: um, em que prevalecem altas taxas de nascimento e os pais não têm ganhos econômicos no controle da fecundidade; outro, em que prevalecem baixas taxas de nascimento e não há ganhos econômicos em tal controle. Em ambas as situações o comportamento dos indivíduos é economicamente racional.

No regime de alta fecundidade, o fluxo intergeracional de riquezas (moeda, bens, serviços e proteção contra riscos) vai dos filhos para os pais, ou das novas para as velhas gerações, enquanto no regime de baixa fecundidade há uma reversão deste fluxo, indo dos pais para os filhos, ou das velhas para as novas gerações. A questão chave para se entender a transição da fecundidade, passa a ser a compreensão da direção e magnitude do fluxo intergeracional de riqueza.

Para Caldwell, a reversão do fluxo intergeracional não é mecanicamente determinada pelas condições econômicas, mas sim, por um fenômeno social que decorre da mudança da família extensiva para a família nuclear. O processo de ocidentalização significa a erosão das estruturas tradicionais da família e a promoção de um processo de nuclearização que tem como conseqüência o declínio da fecundidade. Por isso, as forças que sustentam uma fecundidade elevada podem ser mantidas pelo processo de modernização se não forem acompanhadas por mudanças sociais específicas.

Enquanto o Brasil era uma sociedade agrária e rural o custo dos filhos era baixo e os seus benefícios eram altos. Os filhos criados nas fazendas geralmente não iam para a escola, não possuiam brinquedos e bens industrializados, não demandavam muitos recursos monetários dos pais e ajudavam na produção de subsistência, nas tarefas de cuidado da casa, dos parentes e das gerações idosas. A alta mortalidade infantil era compensada pela alta fecundidade e o custo da mortalidade era baixo. Homens que tinham filhos fora do casamento não se responsabilizavam pelos “filhos ilegítimos” (não existia exames de DNA e a legislação não garantia os direitos dos filhos fora do casamento). Quando se separavam das mulheres raramente tinham de pagar pensão alimentícia. Nesta situação, ter muitos filhos era uma atitude racional, pois os pais (as gerações mais velhas) gastavam pouco com os filhos e recebiam deles muitos benefícios monetários ou de outros tipos. Desta forma, existia uma alta fecundidade no Brasil porque o fluxo intergeracional de riquezas ia das novas para as velhas gerações.

Como o processo de modernização e o crescimento da sociedade urbana e industrial as condições mudaram muito. Os filhos precisam ir para a escola (por lei e por exigencia do mercado de trabalho), o consumo de alimentos e de produtos industrializados exigem a obtenção de recursos monetários. O casal ficar “grávido”, fazer pré-natal, pagar pelos diversos custos do parto, cuidar da criança nos seus primeiros meses, etc. fazem da mortalidade infantil um custo alto, em termos financeiros e psicológicos. Garantir uma boa escola e condições de estudo adequadas para os filhos está sempre além das possibilidades das famílias. Paralelamente ao aumento do custo dos filhos, existe a redução dos seus benefícios, pois existem leis contra o trabalho infantil, os filhos fora do casamento são identificados pelo teste de DNA e as separações não eliminam os compromissos dos pais com os filhos. Por outro lado, o sistema previdenciário faz com que os pais não dependam financeiramente dos filhos na velhice. Por conta de todas estas transformações, o custo dos filhos é alto e os seus benefícios são baixos.

Invertendo a relação custo/benefício dos filhos inverte-se também o fluxo intergeracional de riquezas e quando isto acontece a fecundidade cai, de acordo com a análise de Caldwell.  Portanto, a fecundidade caiu no Brasil e já se encontra abaixo do nível de reposição populacional (taxa de reposição = 2,1 filhos por mulher). Enquanto o fluxo intergeracional de riquezas seguir a direção das velhas para as novas gerações a fecundidade será baixa e dificilmente voltará ao nível necessário para manter a população em tamanho estável.

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José Eustáquio Diniz Alves