Afinal, o que é a tal da sustentabilidade?

São tantos os usos e desusos do termo sustentabilidade que quando vejo escrita a palavra, logo procuro identificar a corrente ideológica e a maneira de pensar de quem a usa. Fico confuso, na verdade pasmo, que esta palavra (ou ideia-força como prefere minha orientadora de doutorado), seja usada por gente que propõe temas verdadeiramente alternativos, sem maiores aprofundamentos. Posso dizer a verdade? Usei o termo em meu doutorado, mas náo gosto dele. Acho obsoleto e já “engolido” e “digerido” pelo sistema. E transformado em que? Na mesma coisa que tudo que é engolido e digerido. 

Começo então uma série de 4 artigos, buscando oferecer uma visão ampla e crítica de como o termo surgiu e é usado e corrompido.

Afinal, o que é a tal da sustentabilidade?

 Sustentabilidade é um conceito amplo, sobre o qual há muitas controvérsias (SÖDERBAUM, 2000; 2008). O conceito do tripple bottom line (tripé da sustentabilidade), cunhado por Elkington (1998) se tornou dominante no sentido de capturar os esforços de países e organizações para uma atuação voltada para reflexões sobre o capital humano e capital natural, além de um capital econômico. Tornou-se expressão também largamente utilizada para a elaboração de padrões de relatórios organizacionais  e nacionais sobre sustentabilidade e para medir a chamada ‘pegada ecológica’.

   A compreensão de sustentabilidade baseada apenas no triple bottomline pode ser reducionista. Söderbaum (2008), por exemplo, elenca seis diferentes dimensões sobre as quais políticas, programas ou projetos de sustentabilidade podem ter efeito: (1) ecológicas ou ambientais; (2) da saúde humana; (3) sociais aqui consideradas inclusive as ligadas a direitos humanos, redução ou aumento da pobreza, justiça, etc.; (4) culturais; (5) estéticas; e (6) monetárias e financeiras. Além destas acredita o autor sueco haver outras três mais amplas ligadas ao conhecimento e experiência ganhos, ou ao poder, ideologia e ética e ainda a questões legais e institucionais.

  Mesmo controverso e disputado por diferentes ideologias, o termo sustentabilidade ganhou ao longo do tempo importância e abrangência. Em termos de definições, o ponto de partida neste trabalho é um conceito de sustentabilidade abrangente, como formulado por Viedermann (1994, p. 5): 

    Sustentabilidade é um processo participativo que cria e persegue uma visão de comunidade que respeita e faz uso prudente de todos os recursos – naturais, humanos, criados pelo homem, sociais, culturais, científicos etc. Sustentabilidade procura garantir, na medida do possível, que as gerações presentes podem obter um determinado grau de segurança econômica e tornar real a democracia e a participação popular no controle de suas comunidades, mantendo ao mesmo tempo a integridade dos sistemas ecológicos dos quais toda a vida e toda a produção dependem. Assumindo também responsabilidade em garantir e fornecer todos os recursos necessários para que as gerações futuras possam realizar suas visões, na esperança de que elas tenham a sabedoria e inteligência de usar estes recursos de forma apropriada.   

  Este conceito pode parecer utópico e vazio em termos de aplicação prática. No entanto, também pode parecer utópico conversar seriamente sobre sustentabilidade com determinadas organizações nas quais questões éticas são constantemente desrespeitadas. Como afirma Santos (2007, p. 332), o único caminho para pensar sobre futuro parece ser a utopia. Por utopia, entende o sociólogo português, explorar novas possibilidades humanas e novas formas de vontade e “[…] a oposição da imaginação à necessidade do que existe, só porque existe, em nome de algo radicalmente melhor por que vale à pena lutar e à que a humanidade tem direito” (SANTOS, 2007, p. 332).O autor português lembra que, apesar da urgência de soluções, este pensamento utópico é hoje um pensamento desacreditado, no embate do que chama o paradigma ecossocialista com o paradigma capitalista expansionista.  

   Explorar a imaginação e novas possibilidades de ação simples e o respeito às ideias das comunidades envolvidas é um processo possível, por meio do caminho participativo e prudente apregoado por Viedermann (1994) acima. OU seja, a ideia por trás da definidação não é, portanto, a de adotar modelos prontos de sustentabilidade e indicadores pré-fabricados (ISE`s etc.), mas construí-los social e localmente.     

   Por trás das dificuldades em definir sustentabilidade se escondem disputas ideológicas e batalhas paradigmáticas, contradições e paradoxos que vão além de diferentes visões econômicas e de embates entre forças políticas de ‘esquerda’ e de ‘direita’. Sustentabilidade tem, diferentes significados para diferentes pessoas, grupos de pessoas, movimentos sociais e organizações, conforme afirma Banerjee (2003).  

  O significado do termo sustentabilidade foi se ampliando ao longo do tempo. No final do século passado as preocupações com o assunto ainda estavam diretamente ligadas aos esforços para conter a progressiva deterioração do meio ambiente físico, causada pelo crescimento econômico. Por exemplo, na compilação de trabalhos editada pela Harvard Business Review, em 2000, com o título Business and the Environment, com escritos que remontam a 1991. Nesta obra a palavra sustentabilidade (sustainability) aparece no título de dois artigos e o termo meio-ambiente (environment) aparece quase sempre como sinônimo para natureza (MAGRETTA, 2000; HART, 2000).

  No artigo de Hart (2000) acima mencionado, se espelha uma relação de causa-efeito bastante comum entre os defensores de um desenvolvimento sustentável no hemisfério norte. Segundo o autor e consultor: “[…] as raízes do problema – crescimento explosivo da população e rápido desenvolvimento econômico nas economias emergentes – são assuntos políticos e sociais que excedem o mandato e capacidade de qualquer corporação”.  Esta maneira de pensar sobre causas e consequencias da questão ambiental pode ser observada também no mundo das relações internacionais. Encontra-se, de um lado, a posição dos países desenvolvidos, de que os grandes problemas do mundo atual seriam ligados a estes pontos: crescimento explosivo da população e rápido desenvolvimento (leia-se crescimento) econômico nas economias emergentes. Isto provocaria fortes pressões por energia, consumo de bens duráveis e não duráveis, a poluição de rios e mares na etapa de produção e na eliminação de lixo doméstico. Do outro lado, a posição dos países emergentes, expressa, por exemplo, na I Conferência Internacional sobre o Petróleo e Ambiente, da qual participaram trinta países em via de desenvolvimento. Segundo a posição defendida pelos países mais pobres, são os países desenvolvidos e industrializados que devem assumir os custos do tratamento dos problemas de poluição por serem eles “que estão na origem da poluição do ambiente desde a Revolução Industrial, há centenas de anos, que lhes permitiu desenvolver-se” (GHANEM, 2008, p. 1). Além disso, a posição defendida pelos países em desenvolvimento é de que os países ricos “recusam-se a assumir a responsabilidade de poluidores, predispondo-se apenas a contribuir na luta contra a poluição” (ibid). 

  Independente de questões ligadas a países ricos e pobres, Shrivastava (1995) propõe que a responsabilidade seja dividida entre três partes: Governo, consumidores e empresas. Os questionamentos feitos pelo sobre o papel das empresas partem de uma assunção que poderia ser considerada falaciosa. A de que unicamente empresas teriam a obrigação de proporcionar ‘amenidades básicas’ (basical amenities) a 11 bilhões de pessoas, referindo-se o autor a amenidades como produtos de consumo e serviços e usando expectativas de população futura. O autor reconhece que a consequência da manutenção de níveis de consumo e dos atuais padrões de produção é insuportável para o planeta e levaria a uma degradação inimaginável, com o consumo de matérias-primas e produtos e a gigantesca geração de resíduos. Não se observa, no entanto, nenhum tipo de crítica reflexiva sobre até que ponto estas mesmas empresas convencem o consumidor sobre o que seriam níveis de ‘conforto mínimo’ e o que são ‘produtos essenciais’. Esta reflexão é necessária pois ações governamentais teriam seus limites, bem como a ação de consumidores individuais, exigindo que as empresas também se engajassem voluntariamente em ações, visando cenários futuros menos sombrios.

   De acordo com esta posição pessoas físicas seriam, portanto, também chamadas a assumir alguma postura ideológica no sentido de Söderbaum (2000) para enfrentar a crise ambiental e climática. Isto desafia a racionalidade fria da economia, em que mercados são vistos apenas como ambientes neutros em que todos os atores dispõe de todas as informações para tomar suas decisões. As incertezas mencionadas por Beck (1992, 2007) sobre possíveis cenários futuros levam cada um a agir segundo sua postura ideológica, segundo meios que imagina para atingir determinados fins desejados, inclusive em relação à sociedade e ao planeta.

   Sneddon (2000) argumenta que as lutas paradigmáticas e geopolíticas até aqui mencionadas, levaram ao rápido aumento do debate sobre sustentabilidade após o Relatório Bruntland (UN, 1987). A partir deste incremento no debate se multiplicaram posições discursivas ou tendências em relação à sustentabilidade, que se transformavam ou não em práticas e ações no campo organizacional.  

  A primeira tendência apontada por Sneddon (2000), alinhada com a posição tecnocêntrica, surge da dimensão unicamente ambiental da sustentabilidade antes mencionada. É uma preocupação e tomada de consciência com a óbvia rápida deterioração em grande escala do meio ambiente físico. A partir desta tendência se desenvolveu uma busca acelerada por inovações tecnológicas ‘verdes’ radicais. 

  Uma segunda tendência discursiva e de ação, também fruto do tecnocentrismo é apontada por Sneddon (2000). Esta, mais ideológica do que de ação profunda, propunha-se a manter a sustentabilidade econômica dos negócios de forma ambígua. Isto se daria pela geração de conhecimentos de propaganda e comunicação, e práticas daí decorrentes, que permitissem ‘reembalar’ os procedimentos de praxe de exploração dos recursos e do ser humano, dando-lhes uma ‘fachada verde’, o chamado greenwashing. Este fenômeno de proteção contra ações dos indivíduos e das coletividades e, por outro lado, a luta contra ele por parte de indivíduos e organizações de defesa dos interesses do consumidor e dos direitos civis deu origem dialeticamente a novas tensões. Fez com que corporações fossem constantemente acusadas por grupos de pressão de enganar consumidores e confrontadas com alegações de uma falsa responsabilidade social e ambiental, colocando sob suspeita sua pretensa integridade ‘holística’.

    Existe ainda uma terceira tendência segundo Sneddon (2000), que é aquela com a qual este trabalho se alinha. Esta tendência entende a sustentabilidade como um problema multicausal, paradoxal, ambíguo e complexo e que exige, portanto, uma abordagem, necessariamente, inter e multidisciplinar e que evite dualismos tradicionais (O´RIORDAN, 1993). Uma vez que é um considerado tópico de estudos por excelência interdisciplinar, requer a quebra de paradigmas e a construção de um conhecimento vivo, em que aspectos da ciência tradicional se unam a formas locais de conhecimento (MURDOCH; CLARK, 1994).

  A seguir, em mais três artigos serão apresentados aspectos do tema sustentabilidade, divididos segundo o chamado tripé da sustentabilidade, mas o desafiando.

Referências

 BANERJEE,  S. B. Who Sustains Whose Development? Sustainable  Development and the Reinvention of Nature, Organization Studies, v. 24, n.1, p. 143–180, 2003

 BECK, U. Risk Society: Towards a New Modernity, London: Sage Publications, 1992 

________. World at Risk. Polity Press: Cambridge, UK, 2007

 GHANEM, C. Discurso: I Conferência Internacional sobre o petróleo e ambiente. Trípoli, 2008, disponível em acesso em 26.03.2010

 HART, L. Beyond Greening: Strategies for a Sustainable World, In: Harvard Business Review on Business and the Environment. Boston MA: Harvard Business School Press, 2000, p. 105-130

 MAGRETTA,  J. Growth through Global Sustainability: An Interview with Monsanto´s CEO, Robert B. Shapiro, In: Harvard Business Review on Business and the Environment. Boston MA: Harvard Business School Press, 2000, p. 59-84

 MURDOCH, J.; CLARK, J. Sustainable Knowledge, Geoforum, v. 25, n. 2, p. 115-132, 1994

 SANTOS, B.de S. A Crítica da Razão Indolente. São Paulo: Cortez Editora, 2007

 SHRIVASTAVA, P.  The Role of Corporations in Achieving Ecological Sustainability, Academy of Management Review, v. 20, n. 4, , p. 936-960, Oct., 1995 

 SNEDDON, S. C. ‘Sustainability’ in ecological economics, ecology and livelihoods: a review, Progress in Human Geography , v. 24, n. 4 , p.. 521–549, 2000

 SÖDERBAUM, P. Ecological Economics: A Political Economics Approach to Environment and Development. London: Earthscan, London, 2000

 ______________. Understanding Sustainability Economics: Towards Pluralism in Economics. London: Earthscan, 2008

 VIEDERMANN, S. A economia da sustentabilidade: desafios, Cadernos de Estudos Sociais, v.11, n.1, p.141-167, jan./jun., Recife, 1995

 

 


       

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Marcos Bidart de Novaes