Tricô, tênis e flores no parlamento. Os Verdes chegaram!

Munidos de agulhas, deputados Verdes, tricotavam no Parlamento. Homens barbados de cabelos longos teciam os seus próprios pulôveres…

 

Os Verdes da Alemanha estão fazendo aniversário. Nascidos de um vasto espectro de movimentos sociais dos anos 70 e 80 os Verdes estão soprando as velinhas dos seus 30 anos em defesa do meio ambiente, pela igualdade das mulheres contra a energia atômica.

 

 

Verdes_cartaz

 

Tricô

 

 Munidos de agulhas, deputados Verdes, tricotaram no Parlamento, demonstrando que não aceitavam as regras e convenções partidárias vigentes. Em grupos, estavam lá parlamentares, homens barbados de cabelos longos tecendo os seus próprios pulôveres, tradicionalmente um trabalho feminino. Assim foi em 1983, assim eram os Verdes.

 

Senta que lá vem história

 

A grande coalizão partidária CDU/CSU e SPD, formada em 1966, não convencia a maioria dos jovens que ansiavam por mudanças. Ainda sem interlocutores no parlamento os ativistas pela paz e pelo verde cresciam em número e se organizavam na APO, Außsenparlamentarische Opposition, ou a Oposição fora do Parlamento. Com a ajuda do movimento sindical os estudantes queriam mudar a Alemanha e foram pedir ajuda aos filósofos Theodor Adorno, Max Hokheimer e ao velho Marx.

 

Eram tempos em que os russos marchavam sobre o Afeganistão e o partido Social Democrata, o SPD tinha acabado de propor o seu programa de energia nuclear para o governo. A guerra fria e o medo de um conflito nuclear empurravam os estudantes para as ruas. Demonstrações contra grandes projetos de usinas atômicas Wyhl (1975), Brokdorf (1976) e o “entreposto” para lixo nuclear “Gorleben”. Ah, se lembram de Gorleben e a “República livre de Wendland”? Eram manchetes nos jornais. Em 1977, em meio às lutas contra os planos de construção da usina atômica de Gronhde foram dados os primeiros passos em direção da fundação do primeiro “Partido do Meio Ambiente” na Niedersachsen.

 

Em 1979 a NATO, Organizacao do Tratado do Atlantico Norte, concorda com o estacionamento de mísseis nucleares de médio alcance na Alemanha levando milhares de manifestantes às ruas, o caldeirão estava quase que por entornar. O clima político era propício para a constituição e um partido verde.

 

No início os Verdes eram uma agremiação, uma mistura de grupos políticos que ia de movimento de esquerda, comunistas, a ferrenhos defensores do meio ambiente. Um verdadeiro balaio de gatos. Eles compunham várias agremiações partidárias independentes que defendiam propostas ecológicas e que ao se candidatarem às eleições regionais foram pouco a pouco obtendo sucesso e ganhando espaço no cenário político.

 

E aconteceu o primeiro Congresso

 

Verdes_congresso_de_fundacao

 

Então a convocação foi feita: Em janeiro de 1980 foi chegando gente de toda parte. Ao serem abertas as portas do ginásio, uma turba de coloridos cidadãos ocuparam o espaço: comunistas, feministas, protetores da natureza democratas radicais, conservadores, anarquistas em geral. Seria realizado alí o primeiro congresso da fundação do partido Verde. Desde a segunda guerra não se via um tão vasto espetro de gente como aquela reunida… Com o recinto superlotado a coordenação teve que restringir o uso da palavra, houve a grita das feministas que acusaram a coordenação de ser “antifeminista”.

 

Ao microfone algo de incomum acontecia: pré-adolescentes pediam que acabassem com a obrigatoriedade escolar e queriam ter com… sic, 12 anos o direito de saírem de casa e… que os menores de idade tivessem direito de ter… relacionamentos amorosos com adultos. Minha gente, é isso mesmo, que vocês ouviram. A “tchuma” de adolescentes da época era da pesada. Em outro contexto, no de hoje, aquele grupo de jovens anarquistas seriam condenados por incentivo ao abuso sexual de menores. Para dizer que eu não estou mentindo dêem uma olhadinha na pérola histórica que encontrei nos arquivos do You Tube.

 

Aos leitores que não dominam a língua germânica, uma pequena amostra de como eram feitas as discussões políticas nos anos 80, um vídeo amador feito no primeiro congresso de fundação dos Verdes. Aqui um “guia”: As primeiras cenas, jovens anarquistas arrastam-se no salão onde acontecia o congresso, depois a intervenção dos jovens, primeiro pedindo a legalização das relações entre adultos e menores de idade, a segunda, pedindo a eliminação da obrigatoriedade escolar. O cinegrafista segue registrando caoticamente discussões paralelas do congresso e discussoes existenciais com os adolescentes.

Vejam Aquí!

      

http://www.youtube.com/watch?v=X11ak5qHOVs

   

Com tanta “novidade” claro que os políticos conservadores assustados com este tipo de “propostas” ruminaram pelos cantos. O então Egon Bahr, chefe do Partido SPD, os Sociais Democratas, consideraram os Verdes como “um perigo para a democracia” e Helmut Kohl não dava… dois anos de vida para o partido. Erraram feio. Ora, pois, em 13 de janeiro de 1980 os Verdes se organizaram legalmente como partido. Foto acima.

 

Na primeira eleição, em nível nacional, em que os Verdes participaram no ano de 1980, como partido oficializado, alcançaram 1,5% dos votos. Em 1983 com 5,3% dos votos, pela primeira vez, sentou uma colorida tropa, de 27 deputados, eleitos sob a bandeira verde nas cadeiras do Bundestag, Parlamento Alemão. As bases programáticas iniciais, resultado do Congresso de fundação do partido foram definidas: “Um partido social, ecológico, democracia de bases e pacifista”.

 

Pensando Verde

 

E do outro lado do Muro também florescia o Verde. Em toda parte da Alemanha do Leste, grupos de defensores do movimento pela ecologia se estruturaram, independentemente. As raízes da formação do partido Verde da ex Alemanha Oriental era a luta contra a poluição do meio ambiente. Em outubro de 1989, paralelo à Conferência do Greeway, em Berlin, teve início a fundação do Partido Verde. Nas bases programáticas: democracia, liberdades, ecologia e feminismo e sem violência. É bom lembrar que os anos de isolamento político e econômico fizeram com que  as indústrias do leste alemão se tornassem obsoletas. Do outro lado do muro as fachadas dos edifícios eram enegrecidas pela poluição emitida das chaminés das fábricas, quem sem filtro, despejavam fuligem diretamente no ar. Não havia muro que impedisse as nuvens de monóxido de carbono, provenientes dos escapamentos dos carros, sem catalisador, e das fábricas passarem para o outro lado. Quando ventos do leste sopravam, a população do lado de cá também sofria com a poluição e a chuva ácida.

 

Em 1990 os Verdes da ex Alemanha Oriental, “Bündnis 90” conseguem 2% dos votos e ganham 8 cadeiras no Parlamento. Um dia após as eleições, os Verdes de lá e de cá, se unificaram, e em maio de 1993 oficialmente Bündnis 90” (Leste) e “Die Grünen” (Oeste) tornaram-se “Bündnis 90/Die Grünen”. Em 2009 alcançam 10,7% dos votos, elegendo 44 deputados.

 

Originalidade

 

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Na foto de flores em punho, Petra Kelly e Joschka Fischer, hitóricos do Partido Verde no Parlamento.

 

Os Verdes desde a sua fundação foram mesmo originais: Por sua visão programática e constituição histórica os mandados eram “do partido” e não de indivíduos. Assim a cada dois anos havia uma rotação nos mandatos como ainda hoje acontece. Ah, o salário dos deputados era orientado pelo salário de um trabalhador médio. Na época 1,950 marcos alemães, mais 500 marcos.

 

Outra inovação: cotas para as mulheres. A proposta era que em todos os níveis da sociedade, na política, cultura, escola e áreas científicas, nos serviços públicos as mulheres ocupassem a metade dos postos de trabalho e claro, a tarefa começou em casa: Todas as agremiações partidárias dos Verdes formadas em nível local, regional e nacional tinham e têm hoje em seus quadros funcionais, postos de direção e chefia 50% de mulheres.

 

Posições presidenciais são paritárias e rotatórias, isto é: homens e mulheres dividem os mandatos. Aqui não somente os homens têm a palavra. A vez de discursar, por exemplo, obedece a regras e os homens dividem os palanques e microfones igualmente com as mulheres.

 

Em nível partidário há um conselho de mulheres que atua em nível nacional e no Parlamento Europeu. Sua função é coordenar a implementação das regras definidas pelas diretrizes do Partido no que diz respeito à questão de mulheres, subdividido em duas linhas internas, uma que trata de política para mulheres e outra para mulheres lésbicas, ambas com representação interna.

 

Diferente também de outros partidos os Verdes dão grande importância à transparência de suas finanças. O orçamento do partido é discutido abertamente e posteriormente publicado na internet.

 

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Joscha Fische toma posse em 1983 no Parlamento do  Estado Hessen como Ministro do Meio Ambiente.

 

Lésbica e gay? Não pronunciem tais palavras em vão!

 

No Parlamento Alemão dos anos 80 não era… permitido utilizá-las em discursos e nem mesmo redigi-las em atas internas. Pois bem, foram os Verdes que iniciaram o debate aberto para terem o “direito” de usarem os termos “lésbica” e “gay”.

 

Na década de 80, quando a epidemia de AIDS grassava o mundo, foram eles os primeiros a discutirem o assunto. Foram eles também, através de Herbert Rusche, parlamentar homossexual assumido, que se posicionaram contra o parágrafo §175, da Constituição Alemã que previa punição de até 10 anos de cadeia para homossexuais. 140.000 homens foram punidos por sua orientação sexual nos idos de 1935, tempos do Nacional Socialismo. Em 1988, graças aos Verdes o famigerado parágrafo § 175 foi apagado da constituição. Visitem “Gedenkort für die im Nationalsocialismus verfolgetn Homsexuellen“.

 

Na coalizão, quando fizeram parte do governo alemão, em agosto de 2001, conseguiram passar a lei que reconhecia a união de pessoas do mesmo sexo. Um grande passo para igualdade de fato na sociedade. Outra vitória foi em 22 de outubro e 2009 ao conseguirem que a corte de Karlsruhe desse os mesmos direitos de assistência social aos parceiros homossexuais que tivessem a união registrada em cartório e oficializando-os como “dependentes”. Para o entendimento da corte de Karlruhen as uniões entre homossexuais de ambos os sexos são colocadas no mesmo status constitucional que a união entre heterossexuais.

 

Desde 2001 as uniões homossexuais não eram consideradas em determinados níveis da lei, como direito a pensão, no entanto a partir desta data a corte de Karlruhe passou a abrir precedentes para que a lei de igualdade no tratamento de parceiros com união formalizada em cartório seja de fato concretizada.

 

Guerra e paz

 

Mas nem tudo são flores para os Verdes e a Alemanha se transforma, não sem polêmicas. O pacifismo que fora o grande fundamento ideológico dos Verdes sofre um abalo sísmico. A defesa da intervenção armada na guerra de Kosovo e Afeganistão, durante o governo de coalizão com a Social Democracia, 1998-2005, de Gehard Schröder, gerou grande discussão interna, o que causou fissuras no Partido e deixou marcas até hoje. E para os eleitores, apoiadores e simpatizantes, houve uma decepção por eles defenderem tais propostas, incompatíveis com suas bases ideológicas. Muitos votos voaram em direção a outros partidos.

A grande discussão era entre os ”Fundis” os “Verdes fundamentalistas” que eram contrários a uma política de coalizão partidária com o SPD, Partido Social Democrata e os “Realos”, “real política”, aqueles que defendiam que o partido deveria abrir o seu leque de alianças partidárias.

 

E foi ele, Joschka Fischer, então Ministro do Exterior, detentor de uma brilhante retórica, que fez a defesa, agora na condição de Ministro do Exterior, da polêmica intervenção armada na guerra de Kosovo, argumentando: “Se houvesse intervenção armada contra, Auschwitz, o holocausto, poderia ter sido evitado” ou ainda intervenção armada contra o massacre de Srebrênica, quando milícias sérvias massacram 8.000 bósnios. Aqui soldados alemães participam pela primeira vez após a fatídica Segunda Guerra, de uma guerra armada.

 

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Fischer em 1999 foi atingido na orelha esquerda por um saco de tinta vermelha, atirado por um indignado manifestante, que causou rompimento do tímpano. Foto

 

“Com licença seu presidente, o senhor é um… FDP”

 

Ah, mas o Joschka Fioscher… aquele que foi eleito em 1983 e tomou posse, vestido para protestar, em trajes esporte, de tênis de ginástica encerra sua carreira política também causando polêmica. Ao se retirar da política em 2005, trabalhou por um ano como professor convidado na Princeton University dos EUA, na cátedra “Crise diplomática Internacional” e… a seguir foi assessorar multinacional. Para aqueles que o conheceram rebelde, irreverente, que nas suas primeiras atuações no Parlamento nos anos 80, desafiava a ordem vigente chegando a pedir “com licença da má palavra” e dizer para o presidente da mesa: “O senhor é um FDP”, Joschka Fischer decepciona. Através de sua firma “Fischer Consulting” presta hoje serviços para firmas RWE, grande firma que atua na área de produção de energia a base do carvão, como consultor político no planejado gasoduto de 3.300 km denominado “Nabucco Pipeline” que transportara gás do Mar Cáspio passando pela Turquia em direção a Europa. Ele também foi consultor da BMW automóveis e desde outubro do ano passado, é conselheiro da Siemens em política exterior e estratégias. Nada mau seu Fischer. Alguém hoje também poderia reformular a frase dita por ele no Parlamento e retrucar: “Com licença seu Joschka Fischer, o senhor se tornou um…”

 

De Partido ecológico à real política

 

O Partido do anti partido veio para dizer que queriam outra forma de fazer política sobre outras bases econômicas, acabar com o serviço militar e o serviço secreto. Três décadas se passaram e os Verdes se estabeleceram no cenário político alemão, chegaram à vice-presidência e se tornaram parte do sistema de poder. Aqueles que queriam salvar o mundo continuam querendo, mas não já. Hoje na oposição, eles não tricotam mais seus próprios pulôveres no parlamento nem usam barba e cabelos longos e sim ternos chiques de marca, e cabelo cortadinho e engomado.

O Partido Verde está estabelecido como o “partido do meio ambiente” e já há muito suas idéias foram aceitas e incorporadas na sociedade, não somente por seus oponentes como também pelos empresários. Ecologia também pode ser rentável para a economia, através do incentivo da energia renovável, como a solar e a eólica. Não é à toa que o “boom” no setor de energia solar cresce e vira artigo de exportação alemão proporcionando milhares de postos de trabalho.

 

No seu programa “grünen Gesellschaftsvertrag”, contrato social Verde, de maio de 2009, tentam combinar ecologia com a economia. Claro, claro, a política de cotas para as mulheres também vem sendo absorvida pelos outros partidos. Na prática hoje, só para termos uma idéia, no serviço público, quando há um empate de qualificação para seleção para qualquer posto de trabalho, a preferência é para a candidata mulher. Hum… aqui há discussões.

 

O papel dos Verdes hoje? Parece paradoxal, mas os Verdes hoje fazem coalizão em quase todas as direções e transformam-se no “partido do meio”. Em Hamburgo governam com a Democracia Cristã, na Saarland com os conservadores e os liberais. O perfil dos Verdes foi, com o tempo, se transformando, se adaptando à sociedade alemã. Hoje são representantes da inteligência estadista e a maioria de seus quadros, assim como de seus eleitores possuem nível médio e superior, trabalha em serviços e ganham acima da média.

 

Aqui os desafios da geração de 68 encerram uma era. Políticos como Joscha Fischer, um dos fundadores históricos, figura carismática dos Verdes não está mais ativo na política. Mesmo sem o medalhão, mesmo sendo um dos menores partidos no Parlamento os Verdes em setembro de 2009 conquistam 10, 7 % dos votos, o melhor resultado de sua história. Na pesquisa de fevereiro/2010 os Verdes estão em alta, senão em altíssima e atingiram 15% de preferência no eleitorado, um recorde de popularidade aumentando assim as chances como partido preferencial para coalizões para as próxima eleicões

 

Vai parecer irônico, mas o político do conservador partido da Democracia Cristã, Ministro do Meio ambiente Norbert Röttgen vê futuro nas propostas ecológicas. Warrum nicht? Porque não?

 

O futuro é Verde.

Os Verdes na Europa

 

O Partido Verde EGP foi fundado em fevereiro de 2004 em Roma e hoje é composto de 35 partidos Verdes da União Européia e fora dela. Em 2004 participaram das eleições no Parlamento Europeu 25 candidatos de partidos Verdes. Sentam hoje no Parlamento Europeu 42 deputados Verdes sendo 13 deles procedentes da Alemanha e representam Bündis 90/Die Grünen, na Fração Verde Européia. A carta de princípios dos Verdes para a política na União Européia pode ser lida na “European Green Party” que esta em inglês.

 

Fonte:

 

BÜNDNIS 90/DIE GRÜNEN

 

Henrich Böll Stiftung

– Die Grüne politische Stiftung

– Die Grünen. Das Bundes programm

 

Das Parlament

 

ZDF mediathek

 

Planet wissen

– Entstehun der Grünen

 

Robert Havemann Gesellschaft

Joschka Fischer – Zu seiner Vergangenheit

 

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Solange Ayres