Os números inteiros

Ao mundo dos objetos indivisíveis, contrapomos os números inteiros com as suas unidades de contagem. Mas Gauss revelou que por detrás dessa aparência externa os sistemas possuem estruturas internas, em que os númeos inteiros congruentes representam a maneira como estão organizados. Essas classes de números possuem os seu próprios módulos, unidades dimensionais que mostram como funcionam os sistemas. A abrangência da teoria é enorme, o que obriga a uma abordagem limitada às diretrizes básicas. Entender os fundamentos da teoria é primordial.

Quando aprendi aritmética, lembro que me sentia feliz lidando com números inteiros. Eram “bem comportados”, sem armadilhas nem surpresas, uma vez inteiros para sempre inteiros. Somente muito tempo depois, com a Teoria dos Números, é que entendi o que isso significava: um conjunto numérico fechado e suas propriedades. Passemos portanto aos conceitos. Conjunto de números inteiros: coleção ordenada de números que têm um caráter comum, neste caso, os seus elementos são constituídos por unidades indivisíveis, positivas, negativas e o zero. Números inteiros positivos: seqüência dos números naturais maiores que zero, dotados do sinal +. Números inteiros negativos: seqüência dos números naturais menores que zero, dotados do sinal –. Zero: elemento neutro de um conjunto munido de lei aditiva. Conjunto fechado em relação à adição: a soma de quaisquer dois números do conjunto, dá sempre, como resultado, um elemento desse conjunto. O conjunto dos números inteiros sendo fechado em relação à adição, será também fechado em relação à multiplicação, visto que a multiplicação é sempre redutível à adição.
Já disse que os Gregos davam primazia absoluta à geometria. Para os Pitagóricos tudo eram números, desde que suas leis fossem comprovadas geometricamente. Por exemplo, a expressão algébrica (a+b).(a+b), teve o seu resultado explicado pela geometria. É fácil. Considere dois números inteiros positivos, seja 6cm e 2cm. Trace da esquerda para a direita, na horizontal, primeiro 6cm e depois 2cm. Faça o mesmo no extremo direito, de baixo para cima, primeiro 6cm e depois 2cm. Complete o quadrado de 8cm de lado. Pelos pontos intermediários trace paralelas aos seus lados. O quadrado maior fica dividido em dois quadrados, 6cmx6cm e 2cmx2cm, ou seja, a.a e b.b. Quer dizer, “a” ao quadrado, mais “b” ao quadrado. Além deles, temos também dois retângulos, 2x6x2, ou seja, 2a.b, duas vezes o produto de “a” por “b”. A demonstração geométrica está feita. O resultado é: “a” ao quadrado, mais “b” ao quadrado, mais duas vezes “a” por “b”. Do mesmo modo, também é possível demonstrar as seguintes expressões algébricas: (a–b).(a–b) e (a+b).(a–b).
Arquimedes, (287-212a.C.), desenvolveu métodos de raciocínio algébrico no cálculo de áreas de figuras planas, mas voltou à comprovação geométrica. Foi somente Diofante de Alexandria, no século III, quem abandonou totalmente a imposição geométrica, resolvendo problemas matemáticos por procedimentos exclusivamente algébricos. Diofante estava interessado em resolver equações lineares algébricas na forma ax+by=c, em que “a”, “b” e “c” são números inteiros. Sendo assim, os valores de “x” e “y” que satisfazem essas equações são também números inteiros. No entanto, tratando-se de uma equação a duas incógnitas, a sua resolução é indeterminada, só podendo ser obtida por “tentativa e erro”. Resolver deste modo consiste em admitir, para uma das incógnitas, um determinado número inteiro, escolhido ao acaso, tentando depois descobrir qual o número inteiro da outra incógnita que satisfaça a equação. É claro que se admite, a priori, que a equação que se tenta resolver tem solução. Para se ter alguma chance de acertar, é necessário que o número de tentativas seja pequeno, o menor possível.
Vejamos como abordar esta questão. Em primeiro lugar, convém esclarecer o seguinte. Disse que a álgebra era uma aritmética generalizada. É verdade, mas não o suficiente. Porque à fase de abstração e generalização na qual o evento principal foi a substituição dos números inteiros por letras, seguiu-se um retorno à geometria, de aplicação dos novos conceitos, que foi chamada de geometria algébrica. Um exemplo são as equações de Diofante chamadas “lineares”. Quer dizer, se representarmos graficamente qualquer uma dessas equações, desenhando duas linhas retas ortogonais OX e OY, a primeira, horizontal, dos valores de “x” e a segunda, vertical, dos valores de “y”, obtemos para as equações sempre linhas retas. Daí o nome de “lineares”. Voltemos à aritmética e aos números. Comecemos pela divisão. Dividir um número inteiro por outro número inteiro, consiste em subtrair, sucessivamente, a partir do primeiro, (“dividendo”), múltiplos do segundo, (“divisor”), até que a diferença entre esses dois números seja menor que o divisor. Esta diferença chama-se “resto” e o multiplicador “quociente”. Portanto, na forma algébrica temos, a=bq+r, onde “r” é o resto, um número inteiro que pode ir de zero até “b–1”. Na escola quando aprendi aritmética, o resto era o que sobrou, algo inútil, que não servia para nada. Agora é o oposto, o resto é que define as propriedades dos números. Assim da equação da divisão obtemos a–bq=r. O teorema fundamental da aritmética diz-nos que qualquer número pode ser decomposto, de uma única maneira, em um produto de números primos. Número primo é aquele cujos únicos divisores são ele próprio e o número 1. Dito assim, os número primos fazem parte dos números naturais. Se nos referirmos aos números inteiros, a definição tem de ser outra, número primo é aquele cujos únicos divisores são ele próprio, o seu oposto e os números 1 e –1. Suponhamos que “a” e “bq” sejam números primos entre si. Para que sejam primos entre si, não é necessário que ambos sejam primos, basta que não tenham nenhum fator comum. 5 e 9, por exemplo, são primos entre si, apesar de 9 não ser um número primo, 3×3=9. Completando as informações sobre números primos. O único número primo par é o número 2. Todos os demais números primos são ímpares. O contrário não é verdadeiro, nem todos os ímpares são primos, visto que existem os múltiplos dos ímpares, que são também ímpares mas não são primos. A partir do número 2, pares e ímpares seguem intercalados ad infinitum. Os números primos são infinitos, não se sabendo a sua lei de formação.
Carl Friedrich Gauss, (1777-1855), matemático alemão, considerado por muitos como o maior gênio da matemática, publicou em 1801, quando tinha apenas 24 anos, a obra Disquisitiones arithmeticae, apresentando a teoria das congruências. Dois números inteiros “a” e “b” são congruentes módulo “m”, quando a sua diferença “a–b” for divisível pelo inteiro “m”. A sua notação é

ab(mod m),

o sinal com três traços sobrepostos que significa congruência. Números congruentes entre si são números que têm o mesmo resto, quando divididos pelo mesmo número (módulo). São Classes de números, isto é, grupos de números equivalentes nas suas propriedades. Como disse, quando um número inteiro “a” é dividido por outro “m” o resto que se obtém é um número inteiro positivo menor que “m”. Assim, o resto é um único número entre todos os números possíveis 0,1,2,…,m–1. O conjunto de todos os restos possíveis é chamado de sistema completo de resíduos.
O que significa a teoria das congruências? Qual a sua real importância? Na verdade o seu campo de aplicação é tão grande, que é extraordinário que haja uma teoria que possa abranger todos eles. Comecemos pelos mais simples, o das progressões aritméticas e geométricas. São classes de números com leis de formação regidas por módulos. Os números naturais, os números inteiros, os números pares e ímpares, os números primos, são todos classes de congruentes. Os números naturais são de módulo 1, a diferença entre dois números quaisquer é 1 ou múltiplo de 1. Os números inteiros são de módulo 1 ou –1, conforme são inteiros positivos ou negativos. Os números pares e ímpares são de módulo 2, a diferença entre dois números quaisquer é 2 ou múltiplo de 2. E por aí vai. É claro que quando se expõem essas classes de números, geralmente omite-se o seu fundamento na teoria das congruências, preferindo-se tratá-los cada um separadamente. Outro campo de aplicação da teoria, é o da periodicidade da natureza, o tempo por exemplo. Os nossos relógios registram as horas em módulo 12. Após 12 horas voltam ao zero, começando novamente a contagem do tempo. Neste caso, é preciso levar em conta que 1 hora são 60 minutos se quisermos estabelecer um sistema completo de resíduos. Na construção de imóveis, os arquitetos projetam estruturas em módulo, a fim de facilitar a instalação através da padronização. Fenômenos ligados ao ciclo solar e ao ciclo lunar, como o período anual e as fases da Lua, podem ser avaliados pela teoria das congruências. Gauss resolveu estes problemas aplicando congruências simultâneas, um método que ficou conhecido pelo nome de teorema chinês do resto, por ter sido apresentado pelo escritor chinês Sun-Tse no início da nossa era. A teoria das congruências pode ser estendida às equações algébricas, f(x)=0, para se obterem as raízes. São as congruências algébricas, os valores de “x” congruentes com zero, módulo “m”. Nem todos os métodos da teoria dos congruentes são convenientes, por existirem outros bem mais rápidos.
Como é possível de um conceito tão simples como o de congruência, extrair conseqüências tão amplas? A razão é que a relação de congruência estabelece a unidade de referência da classe numérica envolvida, visto que a diferença entre dois desses números dá resto zero quando dividida pelo módulo. O módulo divide a diferença em um número inteiro de partes iguais, portanto é a sua unidade. Se dividir cada um dos números dá restos iguais. Os números são equivalentes, pertencem à mesma classe, têm as mesmas propriedades. Formam sistemas de todo o tipo, cada um com a sua unidade de dimensão, prontos para serem avaliados.

Esta abordagem dos números inteiros é forçosamente limitada. O tema é muito extenso e complexo. No entanto, ficam aqui as diretrizes para ajudar as iniciativas da vossa parte.

Até à próxima.

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Henrique Cruz