Marconi Leal By Marconi Leal / Share 0 Tweet Demorei tanto tempo para aparecer por aqui porque estava, como sói acontecer com intelectos profundos como o meu, envolvido com uma questão ontológica do mais alto significado, cuja solução poderá alterar o destino humano ou, quando menos, o de advogados e outros animais inferiores. Ao me deparar com tal problema, fiquei intrigado como Champollion diante da […] Demorei tanto tempo para aparecer por aqui porque estava, como sói acontecer com intelectos profundos como o meu, envolvido com uma questão ontológica do mais alto significado, cuja solução poderá alterar o destino humano ou, quando menos, o de advogados e outros animais inferiores. Ao me deparar com tal problema, fiquei intrigado como Champollion diante da Pedra da Roseta (não, ignorantes, a Pedra da Roseta não é uma composição de axé music) e, sábio amante da nossa espécie, esforcei-me por fazer algo a que, até então, não estava acostumado: raciocinar. Eis que, faz agora duas semanas, ao comprar um bilhete do metrô deparei-me com uma inscrição de alcance místico e valor obtuso. “Nunca aproximar de ímãs”, estava escrito na parte superior do retângulo de papel. E, espírito sensível, imediatamente pressenti que era aquela uma mensagem do Cosmos para mim. Minha segunda reação foi voltar ao guichê para comprar novo tíquete. A primeira, claro, foi recolher o queixo do chão. E qual não foi minha surpresa ao depreender que todos os bilhetes traziam a mesma frase misteriosa? “Nunca”, reparem bem, “nunca aproximar de ímãs”. Não se tratava, portanto, de uma ordem para “não aproximar de ímãs” ou “aproximar de ímãs somente quando necessário”, ou ainda “se aproximar de ímãs você vai ver só, seu feladaputa”. Não. “Nunca”. Nunca, em toda a minha existência, eu poderia aproximar aquele pedaço de papel de um ímã. Aí está como se iniciavam os tormentos de minha mente, dignos de um Karamásov com aftas. Voltei para casa trêmulo, decidido a desvendar a charada endereçada a mim pelo Universo e escondendo o bilhete no mais fundo do bolso, de maneira a evitar que algum ímã distraído cruzasse a sua frente, pondo em risco a vida na Terra e planetas periféricos. Dava graças a Deus por ele ter vindo parar na minha mão e não na de algum viciado, entregue às drogas, ao álcool, ao fumo e a encostar pedaços de papel perto de pedras magnéticas. Ficava imaginando a possibilidade de o objeto cair em posse de algum malfeitor, o qual certamente ligaria para Washington, fazendo ameaças: – Um trilhão de dólares na minha mão ou encosto o tíquete do metrô de São Paulo em um ímã e bye-bye, honey! No entanto, vocês hão de convir comigo que a responsabilidade era atroz. Tanto poder não deveria ser entregue a um só mortal, muito menos um que ingere 150mg de venlafaxina a cada manhã. Há quinze dias o tíquete de metrô está comigo, bem guardado dentro de uma gaveta do armário. Mas a dúvida persiste e me apavora: tenho medo de uma noite, acossado pela curiosidade como o Senhor no deserto, não resistir à tentação, pegar o bilhete e encostá-lo à maldita pedra. Por isso, aviso: caso algum dia desses vocês, ao se olharem no espelho, repararem que têm um nariz sobressalente, ou, na rua, que o seu cachorro está com um rabo a mais, ou mesmo que a Glória Maria está dizendo coisas sensatas e coerentes na televisão, saibam que fui eu que, derrotado, aproximei o bilhete de um ímã, sem mais ligar para as trágicas conseqüências do ato. Leia mais em: Marconi Leal » HUMOR