Pela pena de morte para garrafas de cerveja

Sempre atentos aos ingentes problemas nacionais e, sobretudo, detectando maneiras precisas de combatê-los, o governo e o Congresso encontraram um jeito infalível de acabar com os acidentes nas estradas motivados por embriaguez, proibindo estabelecimentos comerciais de venderem bebidas alcoólicas às margens das BRs. Enquanto países atrasados e lassos quanto a normas públicas utilizam do expediente bizantino […]

Pelaprisao

Sempre atentos aos ingentes problemas nacionais e, sobretudo, detectando maneiras precisas de combatê-los, o governo e o Congresso encontraram um jeito infalível de acabar com os acidentes nas estradas motivados por embriaguez, proibindo estabelecimentos comerciais de venderem bebidas alcoólicas às margens das BRs.

Enquanto países atrasados e lassos quanto a normas públicas utilizam do expediente bizantino de fiscalizar as rodovias e enviar para a cadeia os infratores do código, nossos legisladores e governantes, utilizando-se de um approach derridiano das leis, vão ao cerne da questão e decretam o imediato aprisionamento dos verdadeiros autores dos crimes que vitimam milhares de brasileiros anualmente: as garrafas de cerveja.

De fato, não consigo imaginar forma mais prudente de evitar acidentes de trânsito e de punir os culpados por eles. E já penso inclusive que a ação deveria se expandir a outros flagelos nacionais, como, por exemplo, os desastres aéreos e as brigas de torcida. Ora, já é tempo de fazer-se imprimir nova lei decretando o fim da utilização do trem de pouso em aeroportos e de bolas em campos de futebol, evitando assim que torcedores se matem nos estádios em função do jogo e aviões decolem, vindo eventualmente a explodir.

Isso, sem falar no bem que poderia advir do eventual impedimento da reprodução humana no país, o que garantiria de uma vez por todas a extinção de crimes hediondos como o parricídio e o infanticídio. Ou, mesmo, do fechamento de todas as empresas, nacionais e estrangeiras, impedindo-se com tal medida que milhares de pessoas saiam de casa diariamente para procurar emprego, aumentando o índice de desempregados.

Verdade seja dita, diagnóstico de causa e efeito mais beliz não se via no Ocidente desde a morte do façanhoso professor Pangloss. Sendo de estranhar que até hoje ninguém houvesse posto em prática tal idéia, cujos autores deveriam, sem dúvida, ser agraciados com o prêmio Faraó para Contenção de Calamidades.

No entanto, seres inconseqüentes que nada entendem de raciocínios cartesianos e física newtoniana, para não dizer que desconhecem inteiramente os caracteres cuneiformes de Hamurabi, certamente movidos por interesses escusos e elitistas, manifestam-se contrários à nova determinação, alegando que os moradores e comerciantes das pequenas localidades do interior serão prejudicados pela medida e que esta nada fará pela contenção dos acidentes rodoviários. Eis aí como o capitalismo pode deturpar as verdades mais simples e – por que não dizer? – apriorísticas.

Bravos e indiferentes à grita da doidarraz minoria, nossos homens públicos seguem em frente com o projeto e já prevêem, num futuro aprimoramento da lei, a construção de engradados federais de segurança máxima para segregar as garrafas de cerveja recalcitrantes do seio da sociedade ordeira e trabalhadora das garrafas PET de refrigerante, e uma mudança constitucional, estabelecendo a pena de morte para cascos reincidentes.

Fica aqui, portanto, meu aplauso a nossos dirigentes e parlamentares. E a seus detratores, meu apelo: que reconheçam o esforço produtivo e parem de fingir, de uma vez por todas, que um mais um é igual a dois. Insensatos!

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Marconi Leal