Maturidade


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Talvez a observação seja apenas fruto de um filho único que, quando pequeno, se entregava a atividades tão producentes, enérgicas e brilhantes quanto passar a maior parte das horas do dia em semiletargia, admirando o nada e pensando não apenas na morte, mas no ataúde, no cortejo fúnebre, nas exéquias, nas coroas de flores, no […]

Madonnalitta Davinci

Talvez a observação seja apenas fruto de um filho único que, quando pequeno, se entregava a atividades tão producentes, enérgicas e brilhantes quanto passar a maior parte das horas do dia em semiletargia, admirando o nada e pensando não apenas na morte, mas no ataúde, no cortejo fúnebre, nas exéquias, nas coroas de flores, no sepulcro e no enterro da bezerra…

(Segundo especialistas, aliás, eu não era propriamente uma criança, mas um fluxo de consciência, e a progressão da minha infância poderia ser, em vez de datada, contada tomando como base uma determinada quantidade de páginas escritas por Virginia Woolf.)

Porém, desde a mais remota infância, eu acreditava fervorosamente que a maioridade, uma vez atingida, se manifestaria em mim através de uma imediata aquisição dos profundos conhecimentos dominados pelos adultos e terminantemente ocultos às crianças. Como, por exemplo, as verdades últimas da criação, o cálculo pitagórico, a leitura de hieróglifos, o número exato de plásticas feitas pela Elza Soares ou, mesmo, o significado esotérico daquele Paranapanema PP que aparecia na tela do Jornal Hoje, antigamente, todas as vezes que vinham os comerciais.

O mínimo que esperava, nesse sentindo, eram alguns sinais da divindade, à maneira de Suetônio: talvez um eclipse, um singelo terremoto ou que o Galvão Bueno passasse mais de um minuto em silêncio em alguma transmissão de futebol.

Para minha surpresa, no entanto, nada de extraordinário aconteceu quando completei dezoito anos. A não ser que se considere índice de paranormalidade o surgimento de pêlos em partes remotas da anatomia. O que me parece improvável, pois, nesse caso, o Tony Ramos estaria apto a fazer milagres, do tipo, quem sabe, interpretar um personagem significativo em uma telenovela.

No que diz respeito à auto-estima, continuava a me sentir ridículo como jornalista interpretando personagem em publicidade de programa esportivo. Não podia conceber algo mais idiota do que o meu próprio corpo. Com exceção, provavelmente, do pop dos anos 80.

Nunca, aliás, a dualidade espírito/corpo foi tão cientificamente expressa quanto no cisma que se estabeleceu entre mim e meu invólucro material. De tal maneira que me revoltava não existir um exorcismo da carne, processo em que um xamã especializado, através de ritos espirituais arcaicos, fosse capaz de livrar a alma do corpo que a obsedava.

Do ponto de vista psicológico, minha maturidade era tanta quanto a de um argumento contra o aborto. Sentia-me, além disso, seguro como a fronteira Brasil-Paraguai. E minha força de vontade era a de um César. Sobretudo a de Júlio, quando atacado por epilepsia.

Hoje em dia, quando penso nessa época – agora que os anos trouxeram a aguardada experiência e já sou, definitivamente, adulto, maduro, cavidoso, culto, belo, alto e tenho olhos azuis – sorrio, meditando sobre o quanto me apegava a idéias equivocadas e fúteis. E, balançando a cabeça, suspiro, superior, me perguntando: “Mas, afinal, que diabos significava mesmo aquele Paranapanema PP?”

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Marconi Leal