Línguas da Bíblia

Bom dia! Você que está aí matabichando, já deve ter se perguntado em que língua a Bíblia foi escrita. Talvez você saiba a resposta: em hebraico, aramaico e grego. Entenda um pouco mais sobre os motivos de terem sido usadas essas línguas, e sobre essa história toda das línguas do Oriente Médio.

Bom dia! Muitos de vocês que estão aí matabichando provavelmente são cristãos, e muitos outros aí que não são também devem se interessar por esse assunto, então eu resolvi escrever um pouco sobre essa questão que muita gente sempre me pergunta: em que língua foi escrita a Bíblia?

Em primeiro lugar, vamos deixar claro uma coisa: a Bíblia não é nem nunca foi um livro. Peraí, calma, não precisa vir me queimar na fogueira por dizer isso! A Bíblia é, na verdade, uma biblioteca inteira, formada por dezenas de livros (o número exato varia de acordo com a tradição cristã: a bíblica católica tem alguns livros não incluídos na maioria das bíblias protestantes). Além disso, há a divisão entre a Bíblia Hebraica (conhecida pelos cristãos como Antigo Testamento) e o Novo Testamento.

Mas vamos logo ao que interessa: em que línguas esses livros aí foram escritos? Vamos começar a contar a história: a chamada Bíblia Hebraica é formada pelos seguintes livros:
Torá – Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio
Neviim – Josué, Juízes, Samuel, Reis, Isaías, Jeremias, Ezequiel e os doze profetas menores (Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Zefanias, Ageu, Zacarias e Malaquias)
Quetuvim – Salmos, Provérbios, Jó, Cântico dos Cânticos, Rute, Lamentações, Eclesiastes, Ester, Daniel, Esras e Neemias e Crônicas

Esses livros aí foram, em sua grande maioria, escritos numa língua chamada hebraico. Era essa a língua falada pelo povo judeu da Antigüidade. É uma língua da família chamada "afro-asiática", porque tem representantes na África e na Ásia. Outras línguas da mesma família, para vocês terem uma idéia, são o árabe, o egípcio antigo, e outras línguas ali do oriente médio e do norte da África. Mas aí começa um problema: as línguas nem sempre se comportam como nós imaginamos ou gostaríamos, e muitas vezes elas deixam de ser faladas por vários motivos, que nós nem sempre sabemos. Por alguma razão, o hebraico deixou de ser falado, já na Antigüidade. Isso talvez tenha tido algo a ver com o famoso "Exílio da Babilônia", um período em que o povo judeu foi forçado a viver exilado. Essa história está bem contada na Bíblia, muitos de vocês devem conhecer. De qualquer forma, tenha sido esse o motivo ou não, por volta do século VI a.C., o povo judeu começou a falar uma outra língua, o aramaico, língua da mesma família, aliás bem parecida. Seria mais ou menos como se nós aqui no Brasil começássemos a falar espanhol, por alguma pressão internacional, sei lá. Imaginou a situação?
Em termos práticos, isso significa que alguns dos livros da Bíblia Hebraica têm trechos em aramaico. São eles: o livro de Daniel e o livro de Esdras e Neemias. O curioso é que apenas alguns trechos estão em aramaico. Você deve estar se perguntando: por quê? A resposta óbvia é: não sabemos… Mas dá para ter alguma idéia. Como estamos falando de textos que têm alguns milênios de idade, e que foram escritos numa época em que não havia máquina de xerox nem gravador de CD-ROM, as cópias eram feitas à mão, e de repente alguém perdeu um trecho do livro em hebraico e teve que completar com o trecho de outra cópia em aramaico, vai saber… Ou de repente o livro foi emendado, escrito por vários autores, sei lá, há várias possibilidades.
O aramaico foi provavelmente a língua materna de Jesus e da maioria dos apóstolos, e é falada até hoje por algumas tribos do Oriente Médio.

Agora, a gente já entra em outra questão: o tal do Novo Testamento. Para entender melhor isso, precisamos voltar um pouco e também comparar com os tempos modernos. Digam vocês aí que estão matabichando: se alguém quiser, na atualidade, escrever um texto que seja lido por muita gente, em que língua vocês escreveriam? Claro, no mínimo em inglês, não é? A idéia é parecida: desde mais ou menos o século IV a.C., a língua "da moda" do Oriente Médio, o "inglês" da Antigüidade daquela região, que língua era? Obviamente, o grego, a língua da Filosofia, das artes, da cultura e da dominação.
Acontece que a religião hebraica já era uma religião bem popular por aquelas bandas e muita gente se interessava em conhecer mais dela ou até mesmo se converter. Talvez pensando nisso, lá por volta do ano 100 a.C. já circulava uma tradução grega dos livros da Bíblia Hebraica. Essa tradução ficou conhecida como "Septuaginta", que significa "setenta" em latim, por causa da lenda de que teria sido feita por setenta sábios judeus que viviam em Alexandria, no Egito.

Quando surgiu então o Cristianismo, os cristãos precisavam divulgar a nova religião para o maior número de pessoas possível. Obviamente, em que língua eles iam escrever esses textos? Em grego, claro. Por isso, todo o Novo Testamento (todo mesmo) foi escrito em grego. Obviamente, não era o grego de Platão e Aristóteles, mas o grego falado pelo povo, até mesmo com palavras hebraicas e aramaicas misturadas. Além disso, em muitos casos fica claro que os autores não eram falantes nativos do grego. O evangelho de Mateus, por exemplo, tem evidências claras de que foi escrito por alguém que falava aramaico como língua materna, e só conhecia o grego para se comunicar, mais ou menos como hoje muitas pessoas escrevem em inglês de uma forma compreensível, mas que deixa transparecer que não fala inglês como um nativo. Agora, é também curioso notar que o evangelho de Lucas já demonstra uma preocupação em escrever num grego bem "correto", evidenciando que seu autor era provavelmente de um nível social mais elevado.

Muitas outras coisas poderiam ser faladas a respeito dessas três línguas da Bíblia, mas vou ficando por aqui, e numa próxima vez falo também de outras tradições religiosas e suas línguas.

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Bruno Maroneze