Genética lingüística


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Bom dia! Como diz o título, hoje você vai ler um pouco sobre como podemos descobrir parentescos genéticos entre as línguas. Ou seja, como sabemos que várias línguas tiveram um ancestral comum. Mas em certas situações as coisas enganam, e o que parece ser um ancestral comum é na verdade outra coisa…

Bom dia! Em primeiro lugar, peço desculpas à meia-dúzia de leitores que acompanham esta coluna. Por motivos profissionais, estou há um bom tempo sem incomodar o vosso matabicho…
Em segundo lugar, resolvi hoje comentar um pouco a respeito de um assunto sobre o qual muita gente me pergunta, porque tem curiosidade: o parentesco genético entre as línguas.

Está na moda falar de genética, não é? Quer dizer, descobrir sua origem pelos seus genes, e coisa e tal. Com as línguas a coisa é bem parecida. Falamos em parentesco genético quando duas ou mais línguas têm uma origem comum.
Hoje em dia parece meio óbvio que as línguas são parecidas porque tiveram uma língua ancestral comum, não é? Afinal, ouvimos falar sempre que o português, o espanhol, o italiano etc. são todas línguas derivadas do latim. Mas acontece que, na história da humanidade, as coisas nem sempre foram tão óbvias. Levou um tempo até alguém se tocar que duas línguas são parecidas porque são derivadas de uma mesma língua anterior.

(Acontece que esse não é a única forma de duas línguas se tornarem semelhantes. Daqui a pouco eu volto a isso.)

Vamos dar um exemplo prático: lá pelo século XVIII os estudiosos da cultura clássica européia conheciam muito bem as línguas antigas da Europa, principalmente o latim e o grego (às vezes entrando também o gótico). Se o cara fosse bom, ele ainda conhecia também o persa antigo. E os ingleses que foram colonizar a Índia ainda por cima começaram a estudar o sânscrito. Um belo dia, começaram a se tocar de que essas línguas tinham muitas semelhanças.

Agora é que vem o mais interessante: mais importantes que as semelhanças eram as diferenças entre essas línguas. Por incrível que pareça, até as diferenças tinham algo em comum! Querem ver só?

Comparando, por exemplo, o inglês e o latim, os lingüistas perceberam que em inglês existe /t/ onde em latim existe /d/. É uma diferença, claro, afinal /t/ e /d/ são parecidas, mas não são iguais. Mas o que surpreende é a regularidade dessa diferença:

Inglês Latim
ten decem (dez)
two duo (dois)
tow duco (levar, transportar)
tongue dingua (língua – era com /d/ em latim antigo, depois mudou para /l/)
tooth dentis (dente)

Pouca gente associaria "tooth" a "dentis". Não tem quase nada a ver, não é? Você já tinha pensado nisso? Mas sim, essas palavras têm relação, mas não em si mesmas, e sim na lista de correspondências entre latim e inglês.

Só para não falarem que eu estou viajando, mostro mais uma lista de correspondências:

Latim Grego antigo
semi- hemi- (metade – lembra do "hemisfério"?)
septem hepta (sete – que tal "heptágono"?)
sex hexa (seis – "hexacampeão"…)
super hyper (em cima, sobre – é só lembrar do prefixo hiper-)
sub hypo (embaixo, sob – "hipoderme", por exemplo)

Como dá para perceber, /s/ e /h/, dois sons aparentemente bem diferentes, aparecem aí numa lista de correspondências.

Eu poderia mostrar várias outras, mas acho que só essas são suficientes. Qualquer bom manual de Lingüística histórica traz inúmeros outros exemplos. Só queria mostrar que, no estudo da genética das línguas, mais importante que as semelhanças são as diferenças, desde que elas sejam recorrentes.

Esse tipo de correspondência é usado em geral para evidenciar que as línguas em questão tiveram um ancestral comum. Mas como eu mencionei lá em cima, ancestrais comuns não são as únicas formas de semelhança entre as línguas. Outras formas, muito freqüentes, são causadas pelo contato lingüístico. Vamos ver um exemplo. Imagine um brasileiro que fala um pouco de espanhol, ao conversar com um boliviano que fala um pouco de português. A conversa vai ser meio-lá-meio-cá, não é? Aliás, talvez alguns dos leitores já tenham tido essa experiência (eu mesmo já a tive, várias vezes). Agora, imagine uma sociedade em que, digamos, 80% da população é bilíngüe. Imagine também que essas duas línguas são em princípio bem diferentes. Parece meio óbvio que, na fala popular, do dia-a-dia, as duas línguas vão se misturar um bocado… O que resulta daí? Duas línguas originalmente diferentes vão se aproximando com o tempo e, depois de alguns séculos, das duas uma: ou elas se misturam de vez, formando uma língua híbrida (falo disso em outro matabicho), ou uma delas sobrevive mais forte, mas tão influenciada pela outra que um pesquisador no futuro pode até pensar que as duas são da mesma família, quando na verdade as origens são diferentes. (Na prática, talvez essas duas opções sejam, no fundo, a mesma coisa.)

(E se você acha que isso é viagem, veja só a ilha de Malta: originalmente, lá se fala maltês, uma língua parente do árabe; mas a Inglaterra conquistou a ilha, e hoje a maioria da população fala também o inglês. Daqui a alguns séculos, o que será que vai acontecer?)

Antes de terminar, vou contar mais um tipo bastante interessante de semelhança entre as línguas: as características "areais", ou seja, de uma área específica. Basicamente, acontece quando uma característica lingüística se espalha por várias línguas apenas porque elas estão próximas umas das outras. Um dos casos mais famosos é a ordem do artigo nas línguas do leste europeu. Línguas um bocado diferentes (albanês, romeno, búlgaro e outras) colocam o artigo depois do substantivo (ou seja, "livro o", "computador o", "casa a", em vez de "o livro", "o computador", "a casa"). E essa característica aconteceu não porque essas línguas têm um ancestral comum, mas porque elas estão próximas umas das outras. Como se deu essa influência não dá para saber muito bem, mas isso é mais comum do que se imagina.

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Bruno Maroneze