Um pouco de ortografia


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De novo a reforma ortográfica? Todo mundo só fala disso… Será que é boa, será que é ruim, vou ter que reaprender a escrever? Por que é que estão fazendo essa reforma? Ela é útil? Eu acho que não vou responder muitas dessas perguntas hoje, mas pretendo pelo menos explicar algumas idéias básicas sobre ortografia…

A polêmica sobre a reforma ortográfica está em todos os lugares, e por isso o "matabicho" não poderia ficar de fora! Hoje vou fazer alguns comentários a respeito de como se planeja a ortografia de uma língua.

A ortografia é um dos poucos aspectos lingüísticos em que é possível legislar. Quer dizer, ninguém vai te prender ou te multar por falar "os livro" ou "a gente vamos" nem por escrever "ecessão". Mas de forma geral, é possível estabelecer uma política lingüística para a ortografia visando a questões educacionais.

E é aí que começam as principais decisões que se deve tomar. Em primeiro lugar, a nossa forma de escrita foi desenvolvida para que conseguíssemos reproduzir exatamente os sons que falamos. O que vocês acham disso?

É óbvio que isso é uma tremenda mentira. A escrita não consegue nem chegar perto de todas as nuances de entonação, ritmo etc. que temos na fala. Mas vamos por um momento deixar de lado os problemas de entonação e nos concentrarmos na pronúncia dos fonemas propriamente ditos. O primeiro problema que surge é bastante óbvio: nem todos os falantes do português (pensando só no Brasil) pronunciam os sons da mesma maneira. Se formos fazer uma ortografia que reproduza a maneira exata de pronunciar, então os paulistas escreveriam "paulista" e os cariocas escreveriam "paulishta" ou "paulixta". Os mesmos cariocas escreveriam "juxtchiça" para uma palavra que as pessoas de outras regiões escreveriam "justiça". O resultado seria que cada região teria uma ortografia própria e diferente das outras. Por isso, chegamos num primeiro princípio da ortografia: a correspondência entre pronúncia e escrita deve ser sacrificada em prol da unidade ortográfica da língua. Dito de outra forma, é melhor que todos usem uma mesma ortografia, mesmo que cada um pronuncie de um jeito diferente.

É por isso que ainda não escrevemos "sau" em vez de "sal": em certas regiões do Brasil e em todo Portugal a palavra "sal" não é pronunciada "sau". O mesmo vale para a distinção entre "mal" e "mau".

(Eu sempre me lembro de uma falecida tia minha que jamais errava se era "mal" ou "mau": quando era "mal", ela pronunciava "mar". Quando era "mau", ela pronunciava "mau" mesmo. As pessoas que tiravam sarro do jeito dela falar nunca pararam para prestar atenção nisso.)

Agora lá vem uma informação que talvez assuste algum leitor: é por essa mesma razão que distinguimos, na escrita, "cassar" e "caçar", "coser" e "cozer", "chá" e "xá": porque em alguma parte do mundo que fala português essas palavras são pronunciadas de forma diferente.

Sério? Mas como? Bom, vamos por partes. A palavra "chá", no português antigo, era pronunciada com se fosse "tchá", enquanto o "xá" era como é hoje na maior parte do Brasil. Em alguns lugares "perdidos por aí" essa distinção permanece. Até onde eu saiba, é assim em vilarejos afastados no norte de Portugal; juraram para mim que também é assim no sertão do Mato Grosso. Será que algum leitor confirma?

Já a diferença entre "caçar" e "cassar" é mais sutil. É difícil explicar, mas basicamente, o /c/ de "caçar" é pronunciado com a língua mais próxima dos dentes superiores. O mesmo para "cozer", em que o /z/ é pronunciado assim também. Isso ocorre também em alguns vilarejos afastados em Portugal.

(Também ocorre no noroeste da Espanha, numa região de fala portuguesa chamada Galiza. Mas há muitas controvérsias sobre se devemos ou não considerar a língua falada lá como uma variedade do português ou como uma outra língua. Me cobrem falar disso em outro matabicho.)

Além do respeito às variedades regionais da língua, outro princípio da ortografia é a questão da etimologia. Ou seja, distinções como essas apontadas ou outras, como "viajem" e "viagem", ou entre /x/, /sc/ etc., podem não ser mais válidas hoje, mas já o foram no passado. E como é óbvio, a forma de pronunciar as palavras muda de acordo com o tempo. Há basicamente duas formas de se encarar isso: uma opção é manter a mesma (ou quase a mesma) ortografia através dos séculos. A vantagem que se tem é que uma pessoa no século XXI pode ler um texto escrito no século XVII sem ter que reaprender a ler. Mas a desvantagem é que a pessoa do século XXI vai escrever numa ortografia que não tem quase nada a ver com a forma como ela pronuncia as palavras.
(Essa é a solução escolhida para o inglês e, em menor grau, para o francês. Um inglês hoje consegue ler um texto de Shakespeare, mas em compensação, nunca dá para saber como se pronuncia uma palavra só pela ortografia dela.)

Outra opção seria modificar a ortografia sempre que já não fizer mais sentido para os falantes manter formas antigas de se escrever. Nesse caso, as reformas ortográficas seriam comuns, mas em tese haveria uma maior facilidade de alfabetização.

A língua portuguesa resolveu ficar numa espécie de meio-termo. Enquanto mantemos certas letras pelo peso da etimologia, eliminamos muitas das distinções que não fazem mais sentido (como a famosa "pharmacia", o "sabbado", a "sciencia" etc.). Assim, há uma "relativa" facilidade para alfabetizar, e não nos assustamos "muito" quando lemos um texto de 200 anos. Será que é essa a melhor solução? Opiniões?

(Eu não toquei ainda no ponto da nova reforma ortográfica. Num próximo matabicho, eu falo de acentuação gráfica.)

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Bruno Maroneze