Línguas crioulas


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Não, línguas crioulas não são línguas faladas pelos negros conhecidos como crioulos. Trata-se de um fenômeno sociolingüístico muito interessante: o surgimento de línguas híbridas resultantes do contato entre duas ou mais populações. No matabicho de hoje você vai conhecer um pouco mais sobre essas línguas e descobrir que há inclusive algumas delas aqui no Brasil.

Bom dia! Hoje, depois de algum tempo fora por razões profissionais, estou de volta e resolvi tratar de um tema dos mais controversos nos estudos das línguas: o problema das línguas crioulas.

Antes que o povo pense que línguas crioulas se referem a um jeito politicamente incorreto de falar das línguas dos negros, eu explico: "crioulo" vem do verbo "criar", e no período colonial se referia às pessoas nascidas e criadas nas colônias européias (como o Brasil), em vez dos europeus "legítimos". E as línguas crioulas são línguas que surgiram nas colônias européias.

As línguas crioulas são as legítimas línguas "mestiças": elas surgem da "mistura" das línguas dos colonizadores com as dos colonizados. (Isso, claro, explicado de forma bem simplificada. A coisa é muito mais complexa que isso…)

Basicamente, uma língua crioula surge quando há o contato entre um povo dominador e um povo dominado, que falam línguas diferentes. Dá para imaginar o que acontece nesses casos, não dá? O povo dominador em geral não faz questão de aprender a língua do dominado, mas precisa se comunicar com ele. E o dominado muitas vezes não consegue aprender a língua do dominador porque ninguém faz questão de "ensinar" de um jeito decente. Só que aí surge a necessidade de comércio, começa a haver casamentos entre os dois povos etc. Imagina só, no século XVI, o filho de um português com uma africana, sendo que nenhum fala fluentemente a língua do outro. Que língua essa criança vai falar? É aí que começa a se desenvolver uma língua nova, resultante do contato intenso entre populações falantes de duas ou mais (geralmente mais!) línguas diferentes.

Esse fenômeno tem intrigado os lingüistas há muito tempo, porque essa é uma forma privilegiada de se estudar o surgimento de línguas novas. E muita coisa já foi debatida em relação a isso. Inicialmente, pensava-se que as línguas crioulas eram formas "simplificadas" ou mesmo "degeneradas" de línguas européias, resultantes da incapacidade dos colonizados de aprenderem o português, o francês ou o inglês (para ficar apenas nas línguas colonizadoras mais comuns). Evidentemente, essa hipótese foi descartada, até porque os colonizados poderiam muito bem aprender fluentemente o português ou o inglês se tivesse havido qualquer esforço para ensinar-lhes. Hoje sabemos que as línguas crioulas são tão funcionais quanto qualquer outra, e muitos até mesmo contestam o fato de elas serem classificadas como crioulas, já que não parece haver nenhuma característica específica que as torne diferentes das outras. E além do mais, esse tipo de contato lingüístico não aconteceu só com a expansão marítima européia, mas sim desde que o mundo é mundo. Já imaginou a quantidade de línguas crioulas que deve ter surgido quando os povos da pré-história começaram a conquistar outros povos? Desse jeito, vamos ter que considerar até mesmo o português como uma língua crioula, já que ele surgiu do contato do latim com outras línguas faladas na Península Ibérica…

Mas você deve estar muito curioso para saber quais são essas línguas. Bom, existem tantas que nem dá para falar direito, mas algumas são mais famosas.
Em primeiro lugar, você talvez já tenha ouvido falar do papiamento, uma língua falada no Caribe, especificamente nas ilhas de Aruba, Bonaire e Curaçao (as famosas ilhas ABC). O nome da língua vem do verbo "papear". O que não dá para saber é se veio do português ou do espanhol, já que esses dois colonizadores passaram por ali e o verbo "papear" está nas duas línguas. O papiamento é, portanto, um crioulo resultante da mistura do espanhol, do português, do holandês, de línguas indígenas caribenhas e de línguas africanas trazidas pelo tráfico de escravos. Já imaginou a confusão que devia ser no período colonial?
Veja só algumas palavras do papiamento:
por fabor = por favor
kuá = qual
kacho = cachorro
bisiña = vizinha
buki = livro (veio do holandês)
bòter = garrafa (veio do inglês)
horkan = furacão (veio de alguma língua indígena)

Outras línguas crioulas de base inglesa são faladas em várias colônias e ex-colônias: o crioulo da Guiana (naquele país vizinho nosso lá no norte), o crioulo de Trinidad, o crioulo da Jamaica, o crioulo do Havaí e outros vinte e tantos pelo mundo.
De base francesa, são famosos o crioulo do Haiti, o crioulo da ilha de Reunião, o crioulo da Louisiana e até mesmo o karipuna, um crioulo de base francesa falado no Brasil. Sim, no Brasil! É falado no estado do Amapá, nas regiões de fronteira com a Guiana Francesa. (Você sabia que o Brasil faz fronteira com a França?)
Agora, um pouquinho sobre os crioulos de base portuguesa. Na África dos séculos XVI, XVII e XVIII, devem ter surgido muitos (muitos mesmo!) crioulos de base portuguesa. Os dois mais importantes que sobrevivem atualmente são o crioulo da Guiné-Bissau e o crioulo do Cabo Verde. Você já ouviu Cesária Évora? Ela canta muitas canções em crioulo do Cabo Verde. Além da África, surgiram crioulos de base portuguesa na Índia, no Sri Lanka e no sudeste asiático, inclusive na China. E claro, no Brasil. Embora não seja possível rastrear, há evidências de que havia línguas crioulas faladas por aqui no período colonial. Há uma interessante teoria de que as canções ritualísticas do candomblé são cantadas numa língua crioula que era falada por aqui e que se perdeu.

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Bruno Maroneze