Matabicho Lingüístico By Bruno Maroneze / Share 0 Tweet Você gostou da explicação, em outro matabicho, sobre os futuros do pretérito e do presente? Neste texto, você vai aprender um pouco a respeito dos tais dos pretéritos perfeitos e imperfeitos. Vai entender o porquê desses nomes e conhecer outras línguas em que essa diferença é extremamente importante. Bom dia! Há umas semanas eu escrevi um texto a respeito dos nomes dos tempos verbais, vocês se lembram? Eu expliquei por que razão existe um futuro que é do pretérito e outro que é do presente. Hoje, vou voltar ao assunto das formas verbais para explicar outro grande dilema que assola a mente dos alunos: por que diabos o verbo é perfeito ou imperfeito? Aposto que vocês já se perguntaram a respeito disso, não? E por que nunca perguntaram ao seu professor de português? Independentemente de qual seja a resposta, pode deixar que eu respondo: esse "perfeito" aí vem do latim "perfectus", que significa "feito por completo". Mesmo que não tenha sido feito com muito capricho. Por isso, esse "perfeito" não tem nada a ver com nenhum modelo de perfeição: um verbo no pretérito perfeito indica simplesmente uma ação que é feita por completo, até o fim. E o imperfeito? É a negação do perfeito, ou seja, uma ação que ainda não foi acabada, uma ação que está em curso. Agora ficou fácil, né? Desse jeito, vocês agora podem perceber claramente a diferença entre "Ele leu o livro" (a ação é "perfeita", ou seja, acabada, mesmo que ele tenha lido sem muita atenção) e "Ele lia o livro" (a ênfase está no caráter de ação em curso). Essa distinção é fundamental no estudo das formas verbais, embora pouca gente trate disso no Ensino Médio. Ela se refere a uma categoria verbal chamada "aspecto". O aspecto é basicamente uma categoria que trata da duração da ação, e pouco tem a ver com o tal do tempo verbal, que é o que todo mundo enfatiza. No caso do português, existem vários aspectos, mas só se menciona o tal do perfeito e do imperfeito, e só no pretérito. Vou mostrar que isso existe também em outros tempos. Quer ver? No futuro, eu posso dizer: "Amanhã eu vou ler (ou lerei) o livro". Isso indica apenas uma ação que ocorre no futuro, mas eu nada disse a respeito do caráter perfeito ou imperfeito dela. Agora, eu posso dizer "Amanhã eu vou terminar de ler o livro". Aí sim: é uma ação perfeita, acabada. Posso dizer também: "Amanhã, quando ele chegar, eu vou estar lendo o livro". Olha só: esse "vou estar lendo" indica aí claramente que se trata de uma ação imperfeita, ou seja, você está enfatizando o caráter durativo da ação. Que tal no imperativo? "Meninos, leiam o livro" é um pedido de um professor para que os alunos leiam, de preferência até o fim. Claro que nem sempre os alunos transformam essa ação em perfeita, mas o pedido foi para que ela fosse perfeita, completa, acabada. Agora, podemos também dizer algo como "Meninos, continuem lendo o livro", que é um pedido para que a ação continue, sem necessariamente acabar; portanto, uma ação imperfeita. Como deu pra perceber, em outros tempos verbais, no caso do português, é necessário usar as famosas locuções verbais, como "continuar lendo", "terminar de ler", "estar lendo" etc. Mas isso não é assim em todas as línguas. Vou mostrar algumas coisas em outras línguas para vocês terem uma idéia. Já ouviram falar das línguas eslavas? São um conjunto de línguas faladas na Europa oriental, das quais a mais falada é o russo, mas tem também o búlgaro, o polonês, o croata, o esloveno e outras mais. Nessas línguas, a diferença de aspecto é tão importante que se chega a ter dois verbos com o mesmo significado, um para o perfeito e outro para o imperfeito. Por exemplo, em russo, existem dois verbos para "ler": chitat’ é usado nas formas imperfeitas, e prochitat’ é usado nas formas perfeitas (estou inventando um jeito de transcrever o russo, que na verdade usa outro alfabeto). Tudo bem, nesse caso são verbos parecidos, mas nem sempre isso acontece. "Pegar", por exemplo, é brat’ no imperfeito e vzyat’ no perfeito. E como é que essa diferença é usada? Bom, parece complicado, mas na verdade é muito simples: imagine só que o aluno vai dizer: "professor, eu vou ler o livro". Se ele usar o verbo chitat’, imperfeito, ele está dizendo que essa ação de ler aí no futuro pode não ser completa; se ele usar o verbo prochitat’, que é o perfeito, ele está garantindo que vai ler até o fim. Do mesmo jeito, se o professor mandar ele ler, no imperativo, e usar o imperativo do verbo perfeito, é para ler até o fim; se for o imperativo do verbo imperfeito, é que não precisa ler tudo. E assim em praticamente todas as outras formas. Vamos supor que você me pergunte assim: "você quer ler o livro?" Se você me perguntar usando o verbo perfeito, sua pergunta foi no sentido de saber se eu quero ler o livro até o fim; se você me perguntar usando o imperfeito, você quer saber apenas se eu quero dar uma lida assim meio por cima, não necessariamente até o fim. Vocês devem ter pensado: "mas então essas línguas são muito mais complicadas que o português". Na verdade, não: a diferença é que em russo você diz com uma forma verbal o que em português você precisa de toda uma locução, mas o resultado é o mesmo. E vocês também devem ter pensado: e no tempo presente, como é que fica? Aí é uma coisa meio óbvia: como o presente sempre vai indicar uma ação em curso, ele não tem como ser um tempo perfeito. O presente é sempre imperfeito. (Bom, em inglês existe o tal do "present perfect", mas vamos deixar para outro matabicho…)