Música Mais By Marlon Marques Da Silva / Share 0 Tweet Você acredita em destino? Realmente é de se pensar. Mas com quem nunca aconteceu um fato incrível a ponto de pensar em obra do destino? Pensar em encontrar alguém e essa pessoa aparecer, ou como uma lei de Murphy ao contrário, onde tudo dá certo como se as coisas fossem alinhadas previamente para acontecer exatamente assim. “Something Changed” é uma canção que trata justamente disso. Jarvis Cocker é não apenas um excelente cantor, mas também é um ótimo letrista, e um cara de muito bom gosto musical. O Pulp – banda do qual é egresso, é uma daquelas bandas que entram pelo coração, justamente porque as músicas tocam esse músculo diretamente. Sonoramente é um encanto. Como eu já disse em outro artigo – “Fronteiras Emocionais”, para uma música emocionar ela precisa ter alguns elementos: refrão lindo, instrumental pomposo e uma grande voz – e é claro, há quem discorde [ainda bem]. E “Something Changed” possui todos esses elementos. Voltando a parte instrumental, o que posso dizer é que é irretocável. Guitarras suaves, acompanhamento também tranqüilo e cordas, no próprio clipe da canção, vê-se ao fundo uma pequena orquestra de violinos que dão esse tom encantador para a canção. Jarvis canta sussurrando, é elegante, têm a convicção britânica de saber o que está fazendo, e esse ar blasé torna a canção ainda melhor. Isso é o destino: você tenta fugir, tenta escapar, mas se é isso que tem que acontecer, vai acontecer. É só lembrarmos da história bíblica de Jonas e a Baleia. Ele não quis ir pregar em Nínive, mas foi engolido pelo grande peixe e cuspido nessa cidade. Ou até da postura dos deuses gregos: interferentes na realidade humana a todo instante, fazendo das pessoas marionetes. É claro que é uma metáfora. E parece coisa de filme, lembra até “Escrito nas Estrelas” ou aquelas histórias de natal americanas, onde um cara esbarra em uma garota, derruba suas coisas no chão e ao ajudá-la eles se entreolham e ali surge um amor. Jarvis deixa isso claro ao dizer que não sabia o nome dela e nem como ela era, sua aparência, sua voz. Um amor platônico que tornou-se real e isso talvez faça o protagonista da canção se questionar sobre como tudo isso aconteceu. Foi como uma premonição, a canção foi escrita duas horas antes de tudo acontecer – do encontro, e também evidencia que num espaço curto de tempo tudo pode mudar. Você está no ponto, vem seu ônibus, ele está cheio. Você decide pegá-lo mesmo assim. Um minuto depois você olha para trás e chega outro vazio. Um minuto pode fazer a diferença, assim como num dia onde uma chuva acabou de cessar, no mesmo ponto de ônibus, você espera o próximo ônibus e um carro passa na poça e molha todo mundo. O autor explora bem isso: “eu poderia ter ficado em casa”, e elucubra várias situações, ter ido dormir ou ido ao cinema, e ela também poderia ter saído com os amigos, ou ido para casa, ou ter feito qualquer outra coisa. Mas porque foram ao mesmo local? Aí ele diz: “a vida poderia ter sido bem diferente, mas algo mudou”. Quem mudou esse algo? O autor aponta para Deus, que ele chama de “alguém acima de nós” que nos move como peças de xadrez. Essa é a concepção grega de divindade, deuses passionais, atuando diretamente na realidade e no destino das pessoas. O Deus judaico-cristão não é assim, nos deu o livre-arbítrio, mas isso não significa que ele não possa interceder, dar uma força para que as coisas se acertem. “Direcionando atos de amor”, essa é a interferência que o narrado se refere, como que movendo as pessoas e as colocando nas direções certas nas horas certas. A garota então diz a ele para parar de pensar nessas questões complexas, aparentemente sem respostas, e sutilmente pede um beijo como celebração, como marca do real. Pois ele ainda pensa que é um sonho, ela quer desfrutar o momento, “celebrar hoje”. O hoje. É a filosofia do Carpe Diem, pois viver o momento presente é importante porque tudo pode mudar, é o eterno devir dos pré-socráticos ou a concepção presenteísta de Schopenhauer. A vida é tão boa assim, sem sabermos o que vai acontecer. Por isso projetamos, por isso existem os sonhos. O protagonista diz: “Quando acordamos de manhã nós não temos meios de saber que em questão de horas mudaremos o jeito que estávamos vivendo”, ou seja, é viver um dia após o outro, sem muitos apegos, meio que a deriva da sorte e do destino. Uma rua diferente que você entra, um caminho diferente pode fazer toda diferença na seqüência de eventos que virá no futuro das próximas horas. Prazos são perdidos, encontros são perdidos e a interrogação fatalmente ficará na mente, e se eu tivesse feito assim, ou desse jeito[Sartre diz que somos livres e por isso responsáveis por nossas escolhas e conseqüências]. E se eles não tivesse se encontrado o que teria acontecido? Ele se questiona: “onde eu estaria agora”, “se a gente nunca tivesse se encontrado?”; “estaria cantando essa questão para outra pessoa?” Ele só não pensou que poderia não ter encontrado alguém. Às vezes o destino reserva a solidão para algumas pessoas, mas será que elas não poderiam interferir em suas próprias vidas? Essas são questões que todos nós fazemos em algum ponto da vida. Outros acreditam que se aconteceu era para ter acontecido, ou que se não aconteceu de um jeito vai acontecer de outro. Uns dizem ainda sobre não era (ou era) a hora de acontecer. A grande verdade é que devemos aproveitar as chances que nos aparecem na vida. É importante dizer sobre o que se sente para as pessoas enquanto há tempo para isso, pois pode ser tarde demais. Quando falamos em “destino” em “futuro”, jogamos tudo isso para muitos anos na frente, mas às vezes nós é que não conseguimos decifrar as pistas que a vida nos dá, do momento, da hora, do minuto certo, quando aquela pessoa especial estava em sua frente, mas hoje ela se mudou e você nunca mais teve a chance de dizer. Mas quem decide? Será que há alguém por trás de tudo isso, fazendo as coisas funcionarem? Não sei, só sei que as coisas mudam, a sorte muda, e a bola pode bater na trave e entrar ou correr pela linha e caprichosamente sair. Deus joga dados, perguntou Einstein para Niels Bohr, ele disse: não sei. [Islands, 1995] ____________________________________________________ Algo Mudou. (Jarvis Cocker) Eu escrevi esta canção duas horas antes da gente se encontrar. Eu não sabia o seu nome ou como você se parecia. Oh, eu poderia ter ficado em casa e ido para cama. Ou eu poderia ter saído para ver um filme. Você poderia ter mudado de idéia e visto seus amigos. A Vida poderia ter sido bem diferente, mas então algo mudou. Você acredita que existe Alguém acima de nós? E que Ele tem um cronograma direcionando atos de amor? Por que eu escrevi uma canção como esta um dia? Por que você tocou minha mão e disse suavemente: “Pare de fazer perguntas que não importam só nos dê um beijo para celebrar hoje, algo mudou”. Quando acordamos de manhã nós não temos meios de saber que em questão de horas mudaremos o jeito que estávamos vivendo. Onde eu estaria agora, onde eu estaria agora se a gente nunca tivesse se encontrado? Eu estaria cantando esta canção para outra pessoa? Eu não sei, mas como você disse, algo mudou. http://www.youtube.com/watch?v=uvpEOFy8oQg