Música claustrofóbica – mente, sobrevivência e os limites humanos.


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Quantas vezes você já hesitou entrar em elevadores de prédios antigos do centro de São Paulo? Aqueles em que o ascensorista é velho e encurvado pela idade, a cancela de metal enferrujada e o assoalho de madeira mofada parece que irá de desfazer a qualquer momento. O medo de ficar preso num elevador é apontado por muitas pessoas como um de seus principais medos urbanos – a violência não conta aqui. Outros dizem ter pavor das paradas do metrô em túneis. Essa limitação espacial, com paredes negras por todos os lados traz incômodo, falta de ar, agonia, entre outras sensações – mesmo que por apenas alguns minutos. Agora imagine tudo isso elevado a potências altíssimas – justamente numa situação extrema, “você preso por mais dois meses em uma mina de cobre”? O caso dos mineiros do Chile ganhou o mundo pelas várias lições que podemos tirar desse fato marcante. A luta pela sobrevivência, diz muito sobre a vida em si, e sobre os limites do ser humano em suas dimensões físicas e psíquicas. O trabalho em si de um minerador já é difícil – pois requer cuidado constante com a segurança e conhecimento técnico das condições do local, já que lidar com a natureza é sempre com margem mínima de previsibilidade. 700 metros de profundidade – parece até coisa de livro de Júlio Verne, essa é a distância da superfície até a mina, onde as condições de sobrevivência são totalmente adversas – o que é diferente da permanência por um turno normal de trabalho – ver livro “A vida no limite” de Frances Ashcroft. O que mais me chamou atenção foi o impacto psicológico inicial sofrido pelos mineiros. Pois, uma coisa é a mente após ter o contato com mundo exterior e saber que aqui em cima, estão providenciando o seu resgate. Outra é a total condição de isolamento do mundo. Olhar para os lados e só enxergar rochas, goteiras e ouvir o eco da própria voz e da dos companheiros. Trinta e três vozes gritando e apenas sessenta e seis ouvidos ouvindo. Segundo os médicos, muitos mineiros já começavam a apresentar quadros depressivos. Como diz o ditado, “cabeça vazia, oficina do Diabo” – com certeza passou diversas vezes na mente a ideia de nunca mais ver a família, o dia, o sol, ter uma vida normal, ou simplesmente de não “sobreviver”. Acredito que se tivessem continuado incomunicáveis – na superfície as autoridades chilenas sabiam do soterramento (já que os trabalhadores não voltaram), mas eles (os trabalhadores) não sabiam que aqui em cima já sabiam – não sobreviveriam por muito tempo e suas condições mentais se alterariam. Sob condições de ausência de luz natural, água, comida, medicamentos, pressão diferente, acústica – e levando em consideração as condições de saúde de alguns, fatalmente não sobreviveriam por muito tempo, mesmo com toda bravura que demonstraram. Foram 69 dias confinados na mina. 

 

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Levando em consideração nosso lado mais “humano” e “darwinista”, imagino que se o isolamento (ausência total de contato) tivesse permanecido por todo esse tempo, os mineiros chegariam à loucura. Grupos poderiam se formar e conflitos acontecer – os mais fortes e mais aptos iriam querer se sobrepor aos mais fracos, e eles não iriam mais se reconhecer como iguais. O comportamento colaborativo exibido pelos mineiros (exemplarmente), se deu pela notícia de que todos iriam ser resgatados – caso contrário – na impossibilidade do salvamento de todos, todos iriam se digladiar e poucos ficariam com os já poucos recursos. Situação semelhante ocorreu no estudo chamado “Stanford prison experiment” – onde o professor de psicologia Philip Zimbardo, confinou 24 estudantes no porão da universidade por cerca de mais de um mês. O experimento dividia os alunos em dois grupos – o dos prisioneiros e o dos carcereiros. Isolados de tudo e sob forte pressão (após dias ali), os carcereiros passaram a exibir traços de sadismo, obrigando os prisioneiros a fazerem suas vontades mais insanas e tarefas desumanas – anos depois o experimento foi lembrado após os casos das prisões de Guantánamo e Abu Ghraib. As condições ambientais dizem muito sobre o comportamento das pessoas – diz uma das conclusões do estudo. O medo, a angústia, a desconfiança, o instinto primal de sobrevivência, são alteradores da conduta humana – não sabemos ao certo como as pessoas (e nós mesmos) agem sob essas condições.

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As primeiras experiências com música ambiente datam do final dos anos 70 com Brian Eno – embora a música erudita já tenha recriado temas ambientais em muitas composições – de Igor Stravinsky a Erik Satie. A música ambiente – segundo Brian Eno, é um tipo de música que se incorpora a atmosfera de um lugar, se imbricando de tal maneira, que ela passa a fazer parte dele. A série Solitudes também explora essa temática. Um disco emblemático dessa série é “Solitudes – Enviromental Sound Experiences (A Caribean Adventure In Sound)” – música que recria a experiência numa ilha deserta. Porém música que recrie ambientes fechados, cavernas, minas ou túneis eu nunca vi. Vasculhando os arquivos musicais, o disco que mais se aproxima de uma experiência claustrofóbica é “Amenaza Al Mundo” da banda americana Fantômas (Ipecac, 1999). Um disco de música de vanguarda (avantgarde), onde não há canções, sim ruídos, urros, sussurros, demência, loucura e experimentações variadas. Embora o disco seja composto para ser uma trilha sonora de desenho animado – os temas se identificam com sensações de isolamento e loucura – principalmente nas ambientações com silêncios, com temas calmos, sugerindo solidão, desespero, e nos momentos pesados – sugerindo dor, ameaça, e outras sensações e estados. Os sons produzidos pela banda – distribuídos em mono e estéreo, fazem um jogo interessante com nossa audição. Aguçam os sentidos, muitas vezes nos deixando a espreita de um ataque, em outras traz a condição de total isolamento, com pequenos efeitos e ecos e reverbes distantes, cacos de ruídos, além de recriações de estados mentais de paranóia e pulsações agressivas. O disco é belamente estranho e fascinante – e é também um experiência incrível pela psique humana, pelo delírio, pela solidão e por todos os seus efeitos. O caso dos mineiros da mina San José – nos ensina o valor da vida e de como somos apegados a ela. A toda nossa vida de conforto, aos bens materiais e de como ninguém quer deixar isso. O caso também traz (principalmente após o contato com o mundo), todo senso colaborativo, e de como o homem pode cooperar quando está em risco sua própria sobrevivência. Mas também há o lado belo de tudo isso – o reencontro com a família, as reações dos mineiros ao chegar na superfície, o equilíbrio mental e físico conseguido no confinamento e organização do grupo durante o período. Esse caso será lembrando eternamente como um exemplo de sobrevivência, mas também após isso, conhecemos um pouco mais o ser humano como um todo (e a nós mesmos).

 

 

 

About the author

Marlon Marques Da Silva

Humano, falho, cético e apenas tentando... Sou tio, fã de Engenheiros do Hawaii, torço pro Santos F.C. e não me iludo com políticos e religiosos e qualquer discurso de salvação. Estudei História, Filosofia, Arte, Política, Teologia e mais um monte de coisas. Tenho minha opinião e embora possa mudar, costumo ser aguerrido (muito) sobre ela e geralmente costumo ir na contra-mão da doxa.