As paredes imaginárias do labirinto

“Oh, rei do tempo e substância e símbolo do século, na Babilônia quiseste-me perder num labirinto de bronze com muitas escadas, portas e muros; agora o Poderoso (Alá) achou por bem que eu te mostre o meu (labirinto), onde não há escadas a subir, nem portas a forçar, nem cansativas galerias a percorrer, nem muros que te impeçam os passos” (Trecho do conto “Os dois reis e os dois labirintos” de Jorge Luís Borges)

No contexto do conto, o rei da Arábia após  ser preso pelo rei da Babilônia, perambulou confuso até o cair da tarde no labirinto quando implorou socorro divino e encontrou a porta de saída. E sem que os seus lábios proferissem nenhuma queixa, voltou à Arábia, agrupou seus capitães e acabou com os reinos da Babilônia. Em seguida, amarrou o rei da Babilônia em cima de um camelo veloz e o levou para o deserto quando o desamarrou e abandonou-o no meio do deserto, deixando-o morrer de fome e de sede.

Sempre que me sinto em estágio de letargia, penso nas paredes imaginárias do labirinto do conto de Borges. Costumo definir essas paredes como aquelas sensações que acontecem durante o dia que representam uma busca perigosa que fazemos em alta velocidade de nós mesmos.  Só que continuamos parados.

Penso que assumir as paredes imaginárias do labirinto pode ser um grande aprisionamento pela banalidade dos medos contemporâneos ou insegurança externa. E quando não, pelas mediocridades das relações, da rejeição do cotidiano ou da falta de providências que o dia exige.

O fato do labirinto sem paredes não ser o único meio de partida, não me impede de vê-lo como predatório ou antidemocrático, mesmo no momento de dúvidas sobre o caminho, pois não há liberdade quando se tenta escapar da liberdade da ausência de muros.

Talvez se as paredes existissem, a proteção poderia ser real à medida que mundo de fora e também o de dentro conheceriam o perigo do monstro e a certeza de que Teseu encontraria a saída. Aliás, o Minotauro que habita em nós tentaria impedir a despropositada invasão. No final apelaria para golpes baixos  do tipo ser o amor para seduzir.

Diria que há paredes imaginárias no labirinto quando as sequências do agora são mais temidas que o pânico dos muros e o que nos espera à frente nos imobiliza. E quando a fragilidade e a dúvida ocupam espaços cada vez mais largos, percebe-se que não há amenidade ao se considerar a falta de liberdade que não está dentro dos muros do labirinto, mas dentro de nós mesmos.

Por um lado, as paredes imaginárias do labirinto têm as suas leis e nunca se tornam involuntárias; talvez passageiras, mas, ainda, continuamos perdidos no tempo. Diria que é lá que encontramos as representações insanas de significados únicos do lugar sem lugar.

Por outro, o labirinto nos sufoca quando tentamos acertar o lado e só nos deparamos com o oásis sem significado. Talvez existam labirintos dentro de outros labirintos e as paredes simbolizem a insolubilidade do cotidiano atual quando o labirinto é o próprio mundo.

E, mesmo com a ausência de paredes, há necessidade de linhas para caminhar na realidade do conhecido labirinto. Todavia, percebe-se que há o medo da dominação do desconhecido, da paranoia interminável que nos afugenta, da falta de segurança em terminar o dia, das relações mais estáveis ou do meio-termo que resultam na falta de sintonia, diálogo ou da tolerância.

Difícil encontrar o caminho na insegurança do que somos ou na relação que vem pela metade quando viramos ao mesmo tempo Minotauro e Teseu em um campo de desmemoriado, cegos pela luz e nenhum de nossos sentidos nos vale. Quando os caminhos criam mecanismos de defesa para a memória e acabam nos conduzindo a um só lugar.

E quanto mais tentamos sair do deserto, que não tem paredes, nem portas a forçar, nem cansativas galerias a percorrer, nem muros que nos impeçam os passos, àquela claridade nos desnorteia mais do que a escuridão da noite.

E o passado por mais longínquo, se revela como se tivesse acontecido em segundos e qualquer direção se torna a mesma rota vazia e iluminada que conduz a um caminho que não sabemos se significa, o avanço ou retrocesso. Diria que seria o começo apenas arbitrário de um caminho.

Acredito que não existe realidade quando se pensa que a liberdade cura tudo, inclusive, a perda do caminho. Atribuí-la a responsabilidade, é fugir do próprio domínio da vida. O que cura é a decisão, é o querer sobreviver no deserto. É tomar as rédeas e começar tudo de novo.

Por menor que seja à abstração ou expectativa em achar o caminho do labirinto imaginário, o fim poderá dá medo. E quem sabe a falta de paredes não seja sinônimo de fuga ou de solidão, mas da aceitação de mudança arbórea.

E no fim, o movimento teria que se outro e teria que conceder beleza ao significado da vida, agindo como Mario Quintana: “Não tenho paredes, só horizonte”.
About the author

Luciana Santa Rita