Há algo no fim


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[…] Ainda que muito esteja perdido, muito nos resta; e ainda que perdida a força dos velhos dias que movia céus e terras; somos o que somos; uma coragem única nos corações heroicos, débeis pelo tempo e pelo destino, mas persistentes em lutar, achar, buscar, jamais render-se!” (Ulysses, poema de Alfred Tennyso, recitado por M (Judi Dench) no filme  007 – Operação Skyfall)

Independente das revivescências significativas do mito, do espelho da ficção e dos diferentes estágios dos costumes e tecnologia, o final do poema Ulysses no filme aproxima a virtude de uma mulher à vida contemporânea.

No poema, Ulisses, com o retorno ao seu reino Ítaca, após combater na guerra de Troia,  se reencontra, sem saudosismo, com sua esposa Penélope e seu filho Telêmac.  Todavia, mais do que um homem que se depara com a velhice, Ulisses retrata a sua  abnegação com a “raça selvagem” e anseia por viajar e resgatar uma vida que já conheceu.

Mesmo diante de um passado heroico, inquieta-se com a proximidade de sua morte e  convoca marinheiros para um mundo inexplorado com margens, sem garantias ao seu final, apenas esperando alcançar mais experiência ao invocar o recomeço. Não busca respostas fáceis. Não aceita a vida de forma aparentemente passiva.

No filme, M (Judi Dench) recita esse poema no julgamento quando já consegue ser a parte final de tudo que encontrou na vida. Recusa-se a se aposentar com glórias diante da tristeza de deter-se, chegar a um fim sem terminar o seu projeto de vida. Vive um drama profundo e humano frente à luta interna da remissão por pensar de maneira não linear.

Assim, como o agente 007, M já na saída da caverna se prepara para uma tempestade de areia. Esquenta a chaleira e repudia o leite morno. Perturba-se o tempo inteiro, seja suando, estremecendo ou se jogando na onda. Aliás, não desarruma a mala de viagem.

Destarte, o filme retratar uma alusão aos cinquenta anos da série de James Bond, apresenta um agente secreto (Daniel Craig) que mesmo chamado de velho, consegue com maestria optar por caminhos que indicam o paradoxo de ser resoluto e heroico diante dos limites físicos do seu corpo.
Penso que não se render, seria encarar com naturalidade um velho proverbio chinês que afirma que quando não compreendemos a dor, ela nos dilacera. Quando entendemos seus fins, ela nos aperfeiçoa. Muito mais que um dilema do tempo, penso que se adota a inquietação e o descontentamento na procura pela continuidade entre o passado e futuro. Seria amar com acidente. Seria  conseguir se locomover nos dias escuros.

De um lado, percebo que não sabemos quando e nem porque nos sentimos desconfortáveis com a falta de vida, mesmo quando ela está cheia de vida, ou seja, quando as contas estão pagas, a saúde está controlada, o amor é o porto, os filhos já seguem o caminho, o emprego está garantido e o cachorro até já parece acostumado com a rotina.

De outro, com vestígios de um silêncio que desacomoda, pode-se descobrir exatamente no meio da ponte, na dúvida do sinal amarelo, sem destino e sem disposição em fazer a alma voar.

Seria como cantar uma melodia, infinitamente e no final entender o desconhecimento da letra. Algo semelhante à música “Admirável gado novo” de Zé Ramalho: “Vocês que fazem parte dessa massa. E ter que demonstrar sua coragem. À margem do que possa parecer…Lá fora faz um tempo confortável…”

Lembro que nas estórias de contos de fada, nos livros de autoajuda ou mesmo nos conselhos  “Chapolin Colorado” existe uma “lista escrita da felicidade” que contém a perspectiva de encontrar o caminho até Mordor (Senhor dos Anéis). Seria uma ilusão, pois a realidade desmente a felicidade dos controlados e dos normais. Para encontrar o anel, ninguém entra, assim, tão facilmente em Mordor. Vale a frase: “O anel é seu fardo, Frodo.”

Penso também na Caverna dos Dragões, desenho dos anos 80, visto que o esperado episódio final do desenho animado nunca foi exibido. E, assim, o caminho de casa que poderia ter sido a escolha inicial sempre foi renunciado à medida que os jovens teriam que deixar a Uni, unicórnio de Bobby ou se transformarem em heróis que remariam sem direção.

Creio que os conselhos do Mestre dos Magos já mencionavam que mesmos se os jovens fossem salvos no porto, a adversidade das marés sempre seria a lembrança do que não poderia ser esquecido. Acredito que o eterno conformado com o equilíbrio, com a injustiça ou ilusão, morre antecipado, individualmente e solitariamente. Esse pode optar pelo esquecimento.

Com o tempo aprendemos muitas coisas. Uma delas é quem faz diferença. Outra é que para o o lado bom ou ruim as emoções são efêmeras. Li e não lembro onde uma frase que explicava que “existem duas mortes a individual e solitária e a outra coletiva e de notória publicidade, ambas operadas em ritmos diferentes”.

Seria como um vulcão sem erupção. Talvez corrigir-se, seja conhecer-se. E empenhar-se, ainda, que de modo contraditório ao caminho dos ventos, possa alterar o querer e o entender dos não serenos ou de quem não aprendeu a enfrentar a morte. Seria algo semelhante a lutar contra a balança, contra o cigarro e talvez contra a loucura. Aliás, permitir um  entusiasmo de negação ou apenas se desapegar ao videoclipe.

Sempre acreditei na importância do regresso ao lar, mas nunca almejei apenas a segurança do prazer da batalha com meus pares, pois sempre me vi como parte de tudo que encontrei. Sempre almejei chegar aos noventa anos como Cora Coralina: “Desistir… eu já pensei seriamente nisso, mas nunca me levei realmente a sério”.

Penso que não se trata da rendição à força contrária do tempo, mas como é importante não  ceder a negação de um sonho. Tornando-se proibido abstrair em prol do concretizar, apreendemos a ser suficiente para quem quer que seja.

E no final para ter algo no fim, agir como na letra de Adele: “At skyfall. When it crumbles. We will stand tall. At skyfall/ Ao cair do céu. Quando desmoronar. Estaremos de pé, orgulhosos”.
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Luciana Santa Rita