Navegando no Cotidiano By Luciana Santa Rita / Share 0 Tweet “Quanto mais a gente tenta fazer a coisa certa, mais vítimas vamos deixando pelo caminho” (Frase retirada de um texto do site de Alex Castro (alexcastro.com.br) Essa semana, ao chegar de viagem, procurei as chaves do carro e de casa na bolsa, mas só encontrei o vazio do esquecimento. E, sem poder voltar atrás na lembrança, deixei entrar com toda intimidade a vulnerabilidade, encontrei-me sem frieza com o silêncio que me levou a um grito abafado de palavras ausentes, aliás, inúteis se fossem verbalizadas. Naquele instante, inconformada, recobri as lágrimas em um olhar de desespero, pois não conseguia enxergar o portão que me levaria acalmar a cabeça e se proteger do fim do dia. Entendia-me, apenas, com a solidão exposta em voz alta nas dúvidas e anseios de ficar à deriva e à mercê da madrugada, como um cão sem vínculo com o seu dono, pressentindo, sem adornos, o temido reino rasteiro dos sem-tetos. Por um lado, ao mesmo tempo, percebia entre olhares externos, a distância da improvisação. Por outro, pressentia o olhar alterado pela sensibilidade do entendimento de como as coisas são, mas vencendo a certeza de quem retira as malas do guichê e aguarda, apenas, o acalanto do abraço a saída. Sem reticências, eu me tornava a imagem de um mundo que era indiferente e neutro a honestidade e a fraqueza do meu desespero mudo. Não conseguia com sucesso lançar uma contra-ofensiva a chamada da razão. Acomodava-me ao fato com tamanha nitidez, mas não pronunciava nenhuma palavra. E, assim, a crise da ausência de palavras se instalava semelhante ao termo criado pelo dramaturgo norueguês Henrik Ibsen para caracterizar as ficções que encobrem a verdade mais perturbadora e ameaçadora para ser dita em voz alta. Além disso, existia a que se dirigia ao silêncio para preservar a harmonia coletiva quando há a exaltação de tolos. .E pensava: é assim que o mundo funciona. Entendia o olhar piedoso sob a situação, mas o preço era alto para renegar o silêncio, pois só cabia no cenário o afastamento ao problema inapropriado para a madrugada. No fim das contas, eu, ainda me lembrava de frases de Clarice Lispector, entre elas: “O que nela é exposto é o que em mim eu escondo”. Escondia com o silêncio a minha dor e sentia vontade de encontrar uma nova chave para jogá-lo em uma gaveta que o mantivesse a uma distância segura. Mas ele continuava ali. Se no alto da emoção, as pessoas discutem, choram. Têm diálogos acalorados. Irritam-se com o fato. Dispersam a dor. Abrem pontos cegos. Entregam-se a buracos negros. Ali, eu apenas observava. Claro que o assassino das minhas palavras se alimentava da incomunicabilidade da verdade que um dia insisti em preceder como atitude de grandeza de alma. Estranho, mas vivia um silêncio sem meia-volta. Todavia ao perder as chaves dentro da bolsa e só encontrá-las após 24 horas, tive tempo para observar a estrada da vida e encontrar motivos para que o medo inconsciente não calasse o meu silêncio vital, que nunca vivenciei ao extremo, comparando a palavra vital. Sentia-me como uma gelatina sem ponto, mas percebendo o sentimento de perda como um principio e um fim. O anonimato já era o descanso, a fuga e a rendição, mas também era a minha face no espelho de ser a exceção. Naturalmente como todo ser inconformado, tenho sido algoz das minhas palavras, sem alergia a intuição e ao impulso da opinião não pleiteada. Já subestimei, inúmeras vezes, os limites da falta de capacidade de observar, pensar e refletir antes de pronunciar. Algo semelhante a andar descalça na areia, segurando os sapatos para pegar a onda perfeita, mas com o oceano selvagem, derrubando a resistência ao destino. Seqüencialmente, lembrei que o silêncio inútil não impede a humanização ou as conquistas de pessoas, mas lá no fundo não se encontra a humanidade, apenas o elo ambíguo para não distorcer o relacionamento. Além de ser um mar estável de Maquiavel, pode preservar a espécie para que não haja uma Batalha de Kursk (importante na segunda guerra mundial pelo maior custo de perdas aéreas em um só dia na história da guerra). A história das chaves perdidas me fez pensar muito sobre a minha própria vida. Assim como nem todo o silêncio reflete o melhor da resistência, há um silêncio ferido porque há dor, há medo, há ausência de uma lucidez para o final. Pode ser que seja o meu momento de entendê-lo como estratégia de sobrevivência. Deixar de me firmar na frase de Roberto Freire: “Ou somos nós mesmos ou não somos coisa nenhuma”. Afinal, sempre existiram mais mortos do que feridos nas minhas palavras. Experiências, sem resistência a transparência, mas que foram inconseqüentes até na cicratização dos feridos. Ademais, tenho percebido que transparência só é indicador de resultado ou valor moral para o que não respira, talvez para as organizações ganharem prêmios da Fundação Nacional da Qualidade. Nem sempre o silêncio leva a se sentir bem consigo mesmo, mas é vital para uma realidade marcada pelos sobressaltos do cotidiano. Peguei-me pensando no set de filmagem de Almodóvar em “Fale com ela”. No longa, diferentemente da versão de que as mulheres pouco falam, o verbo no imperativo do presente é notório em todas as cenas e apresenta o silêncio feminino como um segredo a ser revelado na voz masculina. Não há gritos, mas percebem-se mentiras vitais como um paradoxo para se apresentar a normalidade almodovariana. Não há loucura, mas há passionalidade, há um cenário de Nelson Rodrigues conflituoso, pois se coloca o grito mudo para a supremacia feminina e estabilidade emocional. Logo, a conspiração para o silêncio pode nos conduzir para o equilíbrio Junguiano, nos livrando do incômodo que ninguém quer, ou seja, das palavras não solicitadas, mas as suas conseqüências podem ser danosas. Ganha-se a medalha de honra ao mérito, mas perde-se o compromisso com preservação do caderno de respostas. Pode até ser contraditório, pois o silêncio é o primo rico, esnobe, mas com total segurança financeira para o futuro. Em tempos de boa vizinhança e regras de civilidade, poucos conseguem não ter problemas por excesso de palavras, assim como o Dr. House. O importante nesse drama é que rejeito o que eu percebo no furor das palavras, sem ignorá-las, mas sem deixá-las maiores ou, além do que entendo da sua medida perfeita. Há palavras pronunciadas que não passam no curso do coração e são apenas boas intenções esquecidas. Mas há outras que nos define e as vítmas poderão ser decorrentes do silêncio ou da palavra.