Pão de Queijo com Chucrute By Ariadne Rengstl / Share 0 Tweet O centro histórico de Regensburg, capital da Baviera em tempos medievais, tornou-se patrimônio da humanidade em 2006. A catedral gótica, a ponte de pedra, estátuas e esculturas medievais, ruas, becos e edifícios repletos de uma história que se completa com os cinemas do centro histórico. A cidade nos faz viajar no tempo, os cinemas nos transportam a dimensões fantásticas. A cidade é patrimônio da humanidade, os cinemas sempre serão patrimônio cultural daqueles que os visitam e experienciam alí a verdadeira magia do cinema, e do Boteco-WC. Dia desses fomos assistir ao filme irlandês “Once” num dos nossos cinemas favoritos, o “Ostentor”, em Regensburg. Como ainda não tinha lido nada sobre o filme, estremeci ao ouvir meu marido dizer que era um musical. E nem preciso esclarecer que musicais não fazem minha cabeça, e que apesar de admirar Tim Burton, foi deveras difícil engolir “Sweeney Todd”. Mas, de volta ao “Ostentor”, como já estava alí e a magia do cinema já havia invadido minha alma de mansinho, aninhei-me numa das grandes e confortabilíssimas poltronas azuis e convenci-me de que iria aproveitar aquele momento mágico, fosse o filme bom ou nem tanto. E com “momento mágico” não estou sendo hiperbólica, pois naquela sala de cinema qualquer filmezinho mediano torna-se no mínimo uma boa diversão numa noite de domingo. Esta sala de cinema tão especial, que junto ao “Garbo”, o “Turm-Theater” e o “Open-Air”, enobrece mais ainda o centro histórico de Regensburg, é pequena, aconchegante, mágica, como citado acima, e também histórica. Mágica simplesmente por ser uma sala de cinema e a cada sessão transportar o público a universos paralelos fantásticos, dramáticos, engraçados e muito mais. Mas, mais mágica ainda devido a um pequeno detalhe que a torna diferente de todos os cinemas que já visitei na vida: o “Boteco-WC” (ou, em bom alemao, “Kneipe-WC”). Quando da primeira vez que visitei o “Ostentor” corroí-me de curiosidade sobre a tal plaquinha iluminada ao lado da tela de projeção indicando o misterioso “Boteco-WC”. Estava claro que alí encontraria os sanitários, mas como? Numa taverna, ao longo do balcao, num estilo “beba coca-cola e tire a água do joelho simultaneamente”, ou o quê? É claro que minha imaginação me levou a idéias das mais estapafúrdias e ainda assim, ao finalmente ultrapassar o portal “Boteco-WC”, surpreendi-me. Da ainda iluminada sala de cinema, com poltronas confortáveis e paredes livres de qualquer tipo de ornamentos, passei a um universo paralelo que se comparava a um filme. Levantei-me da poltrona, atravessei a sala e o portal-WC, para literalmente invadir um filme que se passava atrás do telão do cinema. Um filme com nuvens de fumaça, fotos preto e brancas de atores imortais, labirintos de espelhos e pessoas e risos e garrafas e álcool e olhos a observar, atentos, sem piscar. O portal “Boteco-WC” havia me levado a um bar de verdade, dentro do qual estaria um banheiro, escondido em algum lugar. Tão rápido entrei naquele universo-do-avesso, e mais ligeira ainda foi minha saída. A aventura de encontrar o banheiro num lugar disparatado, fora do contexto da sala de cinema, foi uma pequenina vitória a ser vivida. O retorno ligeiro ao cinema refletiu minha impressão de ter perturbado aquele universo paralelo do filme-boteco e querer evitar que ele saísse definitivamente dos eixos por minha causa. Enfim, o filme-boteco devia continuar sem mim. Já na sala de cinema, sentei-me na poltrona em transe, como se tivesse experimentado um mundo abissal, proibido e fantástico e retornado à velha rotina do dia-a-dia. Tinha acabado de ir ao banheiro e ao mesmo tempo experimentado uma verdadeira aventura cinematográfica. A magia de ir ao banheiro no “Ostentor” é mais intensa na primeira visita, porém, repetí-la é sempre um prazer, uma vez que o ambiente do bar é sempre misterioso, e encontrar o caminho para o banheiro é sempre confuso. Agora, o que marca esta sala de cinema como um lugar histórico é o fato de ela ter sido a primeira da Alemanha a oferecer uma programação variada de filmes em um só dia. Além disso, esta e as outras pequenas e aconchegantes salas de cinema do centro histórico apresentam produções comerciais tanto quanto filmes do circuito alternativo, mas felizmente, dão sempre preferência para estes últimos. Se não fosse assim, meu marido e eu não teríamos assistido a “Once” tão facilmente, e nem teríamos nos apaixonado per este “pequenino” musical irlandês. Ao fim da projeção meus olhos estavam cheios d’água e minha alma regogizava por ter assistido a um filme tão verdadeiro e doce, um dos melhores musicais da minha vida, mesmo porque não o senti como um musical, mas como um ótimo filme embalado por boa música. Saindo da sala de cinema constatamos que muitas pessoas se entreolhavam para descobrir quem tinha chorado. Elas se observavam, limpavam as lágrimas do rosto e sorriam ao perceber que tantos outros partilhavam a mesma emoção, mais um momento mágico e inesquecível no escurinho do “Ostentor”. Fonte: altstadtkinos.de Fotos: altstadtkinos.de, Ariadne Rengstl