Seguindo a Tradição


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A Alemanha é uma terra que transpira tradições, e não muito raramente podemos vê-las caminhando por aí. Portanto, ao deparar-se com um jovem de camisa branca, colete, calças, casaco e chapelão pretos, e com trouxa e bengala nas mãos, não pense que é carnaval. Ele pode ser apenas um dos poucos representantes de uma romântica tradição medieval.

Hoje lhes apresento à bela tradição dos carpinteiros germânicos. Eles, que a fim de adquirir maior experiência no seu ofício viajam por terras distantes à busca de trabalho, e que quase deixaram de existir, mas surpreendentemente ainda caminham por estas terras e, com a globalização, chegam até mesmo a paragens como o Brasil e a Namibia.

A tradição da peregrinação remonta à idade média, época em que os jovens artesãos deviam buscar aprender em outras cidades e países as variadas técnicas de trabalho manual que os tornariam especialistas no seu ofício. Numa época em que o aprendizado e melhoramento de técnicas manuais só podia ser alcançado através de meios orais, deslocar-se era a melhor forma de tanto aprender quanto perpetuar os conhecimentos da área.

E o que começou como necessidade, logo se tornou uma regra. A partir da alta idade média a peregrinação tornou-se um requisito para a formação dos mestres carpinteiros. Assim, após três anos e um dia de preparação básica numa oficina, o jovem carpinteiro deveria partir para uma jornada de pelo menos três anos de duração, com o objetivo de aprender novas práticas de trabalho, tornar-se mais experiente em relação ao ofício e à vida.

Hoje o costume continua basicamente o mesmo, porém o aprendiz só poderá fazer as malas – ou melhor, amarrar a trouxa – sob algumas condições. Para começar, o mais óbvio, ele deve passar no teste do curso preparatório. Além disso, deve ser solteiro, não pode ter filhos, nem débitos. Uma condição bastante relevante exige que a peregrinação não seja encarada como fuga de responsabilidades e, às vezes, o futuro carpinteiro necessita portar um certificado de boa conduta dado pela polícia. Essas condições prezam pela reputação dos carpinteiros, e desde que durante a viagem eles dependem da boa vontade alheia para conseguir trabalho, teto e carona, cada um tem o dever de zelar pela honra do próximo. O limite de idade para pegar a estrada é de 30 anos, a distância limite entre o trajeto tomado e a cidade natal do viajante é de 50Km, e a jornada deve ser feita a pé ou de carona. O uso de transporte público não é proibido, no entanto, é mal visto.

Outro elemento que também zela pela imagem do ofício é o uso obrigatório do traje típico – camisa branca, colete, calças, casaco e chapelão pretos – que permite identificar o artesão peregrino em qualquer lugar que vá. Ele também leva consigo um “Stenz”, um tipo de bengala de madeira contorcida, e todos seus pertences são embrulhados numa “Charlottenburger” – toalha usada para fazer a trouxa – , ou carregados numa bolsa de couro. E para completar a lista, o viajante deve fazer parte de uma das várias associações de carpiteiros que existem no país.

Tais regras deixam a impressão de que, muito além do romantismo que irradia, a peregrinacao é encarada como um processo sério de aprendizado profissional e cultivo de responsabilidade e caráter sociais. O peregrino coleciona o selo das cidades pelas quais passa como forma de comprovar os destinos de sua viajem, a qual só pode ser interrompida por razões extremamente delicadas, como uma enfermidade séria. Do contrário, suspender a peregrinação é uma atitude deshonrosa que mancha a reputação do artesão.

O romantismo do jovem que deixa seu lar para descobrir o mundo e a si mesmo, numa longa e distante jornada está intrinsicamente conectado à tradição seguida tanto por carpinteiros como por alfaiates, marceneiros, pedreiros, oleiros, ferreiros, encanadores, escultores e muitos outros profissionais. Seus trajes são bastante semelhantes, distinguindo-se em detalhes, mas mesmo assim, se carpinteiro ou oleiro, encontrá-los pelas estradas pedindo carona, ou caminhando pela cidade em seus trajes sisudos, será sempre um raro e emocionante momento em que podemos vivenciar a história de uma classe de trabalhadores, experienciar um passado remoto que felizmente sobrevive nas mãos de uns poucos que valorizam uma tradição que os tempos modernos já poderiam dar por extinta.

As regras e condições espartanas de viajem – com uns poucos trocados, a roupa do corpo, de trouxinha e Stenz na mão – não impedem que muitos jovens, dentre eles mulheres, se aventurem por três anos e um dia – ou dois anos e um dia, dependendo da escola profissionalizante – na estrada. Anos estes que muitos consideram os melhores de suas vidas, pois puderam descobrir e vivenciar o que parece ser a “verdadeira liberdade”.

 

Artesões preparados para a viagem: com traje típico,

Foto: wikipedia.de

 

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Ariadne Rengstl